BRASÍLIA

Filiada ao PT desde 2000, a presidente Dilma Rousseff disse ontem que não representa o partido, mas o país, e que a opinião petista não influencia suas decisões de governo. No entanto, a presidente reforçou o clamor do partido pela regulação da mídia, mas defendeu a liberdade de imprensa e de expressão. A presidente disse que, como outros setores da economia, a mídia deve se submeter a um marco regulatório e prometeu abrir o debate sobre o tema no próximo mandato. Embora tenha criticado o vazamento de depoimentos sobre o esquema de corrupção na Petrobras, Dilma disse que é preciso aproveitar esse momento para acabar com a impunidade.

OPINIÕES DO PT

Eu não represento o PT. Eu represento a Presidência da República. A opinião do PT é a opinião de um partido. Não me influencia, eu represento o país. Sou presidente dos brasileiros. Acho que o PT, como qualquer partido, tem posições de parte e não do todo, é deles, é típico. Essa questão das eleições, que o PT se queixa que houve xingamentos e agressões, as duas partes reclamam da mesma coisa. Eu acho que não deveria caber a mim - e não cabe, eu não faço isso. E não acho que deveria caber também ao adversário. Se a gente tiver um pingo de cabeça fria, a gente vai ver que numa eleição ninguém controla o que se diz nas ruas nem nas redes sociais. Só se controla o que nós mesmo dissemos.

LIBERDADE DE IMPRENSA

A liberdade de imprensa é para mim uma pedra fundadora da democracia. Acho que a liberdade de expressão - que não é só liberdade de imprensa - talvez seja a grande conquista que emergiu de todo o processo de redemocratização. Isso é fundamento básico. Outra coisa diferente é regulação econômica. Não dá para confundir. Regulação econômica diz respeito a processos de monopólio ou oligopólio, que podem ocorrer em qualquer setor econômico onde se visa o lucro e não a benemerência. Por que os setores de energia, de petróleo e de transportes têm regulações, mas a mídia não pode ter?

FORMA DE REGULAÇÃO

Estou falando o que ocorre em outros países do mundo, centros democráticos. Não quero para nós uma regulação tal qual a inglesa ou a americana. Não é só propriedade cruzada. Você tem hoje um desafio de saber como é que fica a questão nas áreas das mídias eletrônicas. Teria de fazer uma discussão mais complexa sobre imprensa escrita. O que e sobra, o que não sobra da imprensa escrita. Estou falando sem reflexão profunda sobre o fato, mas eu acredito que tenderá a haver uma liberdade maior pela dificuldade dos órgãos de sobreviver.

REDE GLOBO

Eu acho que tudo o que é concessão é onde você tem de cuidar para não ter oligopólio. Não acho que a Rede Globo seja o problema. Essa é uma visão velha da regulação da mídia. Bem velha. O mal é a gente estar demonizando uma rede de televisão, quando você tem de ter regras que valem para todo mundo, não só para eles.

consulta pública

Isso (regulação da mídia) jamais poderá ser feito sem uma ampla discussão com a sociedade. É o tipo da coisa que exige consulta pública, amplo debate, a exemplo do que foi o Marco Civil da Internet. Eu pretendo primeiro abrir um processo de discussão, no primeiro ou segundo trimestre do ano que vem. O melhor jeito, primeiro, é usar a internet para abrir discussão pública. Mas isso não implica que você não faça discussões setoriais. A experiência demonstra, em todos os processos, que a reunião setorial é crucial, porque ninguém entende mais do que o setor em questão. Foi assim na TV Digital, na regulação do cabo.

VISÃO BOLIVARIANA

É uma vergonha tratar os dois países (Brasil e Venezuela) como iguais. É uma excrescência, porque não tem similaridade. Essa história de bolivarianismo está eivada de camadas de preconceito contra o meu governo. Geralmente, o uso ideológico de certas categorias distorce toda a compreensão da realidade. E se tem uma que é usada indevidamente chama-se bolivarianismo. O mais estarrecedor é que eu cheguei à conclusão que o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (Conselhão), integrado pelo PIB brasileiro é bolivariano. Porque acusaram o governo de estar fazendo bolivarianismo com a questão da participação social. A maioria dos órgãos de participação monta desde 1935, a grande criação do governo Lula é o Conselhão, daí porque falei: "Bom, então se não é ao passado mais remoto (que se referem). Então somos nós. Nós criamos o quê?"

defesa da democracia

Eu acredito que a minha geração tem um compromisso básico com a democracia. Nós somos uma geração que viveu o horror da ditadura e perdeu direitos. Na democracia, até quem defende o golpe pode falar. Na ditadura, quem ousar falar em democracia dá cadeia.

separação de poderes

Eu considero fundamental a separação dos Poderes. Nós, que somos democratas, temos de respeitar a independência entre Executivo, Legislativo e Judiciário. Essa independência não é para um ficar criando dificuldades para os outros, é de harmonia. Somos um país que tem instituições, elas funcionam. Pode ser aperfeiçoado? Qualquer produto humano pode e deve ser aperfeiçoado. Eu considero que as instituições no Brasil têm funcionado com uma regularidade, uma isenção e uma clareza fundamentais. Nós somos um exemplo de grande democracia no mundo.

OPERAÇÃO LAVA-JATO

É um momento que temos no Brasil para acabar com a impunidade. Porque eu não vou engavetar nada, não vou pressionar para não investigarem e quero todos os responsáveis devidamente punidos. Seria uma maluquice eu achar que tinha de ter uma coisa dessas para eu investigar e punir. Lamento que tenha ocorrido.

____________________________________________________________________________________________________________________________________

Oposição acusa presidente de mudar discurso

BRASÍLIA

Os líderes da oposição ironizaram ontem declarações da presidente Dilma Rousseff, especialmente o fato de ela ter dito que, embora não vá cortar ministérios, seu governo terá limites fiscais e irá olhar com lupa onde pode haver redução ou corte de gastos. Tucanos e democratas disseram que ela está praticando "estelionato eleitoral" e que parece ter acordado de repente para o que não foi feito ao longo de seu mandato.

- Somando tudo que aconteceu depois da eleição e o que a presidente Dilma disse nessa entrevista, a impressão que se tem é que ela estava em estado de coma. Três dias depois da eleição, o Banco Central descobre que houve um aumento descontrolado de gastos e é preciso aumentar juros para conter a inflação. Só depois da eleição se descobre que em um mês houve um rombo de R$20 bilhões, o maior déficit da história nas contas públicas. Sem contar que quem demitiu o Sérgio Machado da Transpetro, denunciado no esquema do petrolão, foi a PricewaterhouseCoopers e a Bolsa de Valores de Nova York. Se ela acordou mesmo do coma, só vamos saber lá na frente - disse o ex-governador de São Paulo, Alberto Goldman (PSDB).

Marketing se desmonta

O líder do PSB, deputado Beto Albuquerque (RS), afirmou que a presidente Dilma não pode mais se esconder atrás do marketing do publicitário João Santana, e que as "mentiras" ditas durante a campanha serão agora desmascaradas.

- A Dilma não tem mais o João Santana, que governou a campanha e suas ideias, suas palavras e as mentiras que desferiu contra os outros. Sem ele, Dilma começa a ter que falar e aparecer como é, e reconhecer a realidade do governo fora da TV. Vai ter que fazer tudo ao contrário do que disse na campanha - criticou Albuquerque.

O presidente do DEM, senador José Agripino Maia (RN), disse que ou Dilma muda a forma de ser autossuficiente, "prisioneira do petismo", ou haverá um colapso também na arrecadação que vai acabar de travar o governo.

- Com o corte de gastos no plano das conjecturas líricas que ela anuncia, é esperar a criação de mais impostos. Aí morre qualquer proposta de diálogo - disse Agripino.

- Agora a presidente começou a desmontar o marketing do PT. Isso é inaceitável. É um atentado a inteligência do povo brasileiro - completou o líder do DEM na Câmara, deputado Mendonça Filho (PE).

Já o presidente do PT, Rui Falcão, minimizou a declaração da presidente de que não representa o partido na Presidência, e sim todo o país.

- Ela é presidente do país todo mesmo - disse Falcão na chegada para uma confraternização com Dilma, no Palácio da Alvorada.