São Paulo - Sete de cada dez deputados federais eleitos receberam recursos de pelo menos uma das dez empresas que mais fizeram doações eleitorais em 2014. Os top 10 doadores contribuíram financeiramente para a eleição de 360 dos 513 deputados da nova Câmara: 70%. É uma combinação inédita de concentração e eficiência das doações por parte das contribuidoras.

Uma das principais razões para isso ter acontecido foi que, como suas assessorias costumam dizer, as empresas não privilegiam “nenhum partido, candidato ou corrente política”. Ao contrário, elas buscam o mais amplo espectro possível. Os 360 deputados que elas financiaram estão distribuídos por 23 partidos diferentes.

A maior bancada é a do bife. Empresas do grupo JBS (ou que têm os mesmos sócios) distribuíram R$ 61,2 milhões para 162 deputados eleitos. Dona dos maiores frigoríficos do País, a JBS deu recursos para a cúpula de 21 dos 28 partidos representados na nova Câmara, incluindo todos os grandes. As direções partidárias redistribuíram o dinheiro aos candidatos.

A tática mostrou-se eficaz. Além de ter sido a maior doadora, a JBS acabou elegendo a mais numerosa bancada da Câmara - mais do que o dobro da do maior partido, o PT. Não foi a única que tentou não deixar nenhuma sigla a descoberto.

O Grupo Bradesco doou R$ 20,3 milhões para 113 deputados eleitos por 16 partidos. É a segunda maior bancada empresarial. Ficou à frente do grupo Itaú, que contribuiu para a eleição de 84 novos deputados de 16 partidos. Mas o concorrente foi mais econômico com o dinheiro: gastou “só” R$ 6,5 milhões. Há 42 deputados que foram financiados por ambos os bancos. O Bradesco privilegiou as direções partidárias. O Itaú doou mais a candidatos.

Construção. Como setor, as empreiteiras têm a maior presença entre os top 10 doadores da nova Câmara. Cinco delas entraram na lista: OAS, Andrade Gutierrez, Odebrecht, UTC Engenharia e Queiroz Galvão.

A OAS investiu R$ 13 milhões para ajudar a eleger 79 deputados de 17 partidos - do PT ao PSDB, passando por PMDB e todos os grandes. Já a Andrade Gutierrez gastou quase o mesmo valor e ajudou a eleger 68 deputados federais. A Odebrecht doou R$ 6,5 milhões para 62 deputados, a UTC deu R$ 7,2 milhões para 61 deputados, e a Queiroz Galvão, R$ 7,5 milhões para 57 parlamentares. Mas há muitas sobreposições.

Descontando-se as doações dobradas ou triplicadas que vários novos deputados receberam de mais de uma empreiteira, a bancada do concreto na nova Câmara tem 214 deputados de 23 partidos. Isso não inclui parlamentares que receberam doações de empreiteiras que não entraram nos top 10, como C.R. Almeida.

O grupo Vale elegeu a terceira maior bancada empresarial. Foram 85 os deputados eleitos - de 19 partidos - que receberam uma parte dos R$ 17,7 milhões doados pela empresa. Um deles foi o deputado reeleito pelo PP de Minas Gerais Luiz Fernando Faria. Ele recebeu R$ 800 mil de mais de uma empresa do grupo Vale - e já foi presidente da Comissão de Minas e Energia da Câmara. Mas também recebeu doações de outras sete das top 10 doadoras.

Como a JBS, outra empresa voltada ao consumo popular se destacou nestas eleições: a Ambev (dona das marcas Brahma e Antarctica, entre outras), que doou R$ 11,7 milhões e ajudou a eleger 76 deputados de 19 partidos. A bancada do churrasco, que recebeu do frigorífico e da cervejaria, soma 25 deputados.

Cientista político e professor do Insper, Carlos Melo qualifica tal alcance do financiamento eleitoral por um grupo tão pequeno de empresas de “clientelismo”: “É claro que compromete o voto do deputado. Como ele vai dizer que a doação não o influenciou?”

Conflito de interesses. Para Melo, deputados que receberam doações empresariais deveriam se declarar impedidos de votar em matérias nas quais haja conflito de interesse com o das empresas que o financiaram. “Como o juiz que não julga ações em que é parte interessada. Afinal, o voto deve representar o eleitor, não o financiador.”

A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) já votou contra a doação de empresas - mas o julgamento não terminou porque Gilmar Mendes ainda não deu seu voto e travou a votação.

____________________________________________________________________________________________________________________

Deputado mineiro obtém apoio de 8 dos 10 maiores doadores

Reconduzido ao terceiro mandato em Brasília com 117.542 votos, o deputado Luiz Fernando Faria (PP) foi o 22.º colocado entre os 53 parlamentares eleitos por Minas Gerais. Mas nenhum de seus colegas de bancada, nem de Câmara, conseguiram tal feito: ele recebeu doações de 8 das 10 empresas que mais financiaram as campanhas de 2014.

A trajetória política de Faria dá algumas pistas para entender tamanha eficiência para arrecadar recursos de campanha - o deputado não atendeu as ligações do Estado, assim como os integrantes da executiva do PP mineiro, e o celular dele não tem caixa postal.

Antes de ser deputado federal, Faria atuou na Assembleia Legislativa de Minas como membro de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que tinha como objetivo "apurar a instalação e exploração de garimpos nos rios do território do Estado de Minas Gerais e seus efeitos devastadores e corruptores". A investigação, realizada em 1997, tinha como alvos principalmente pequenos empreendimentos mineradores.

Três anos depois, Faria presidiu, também na Assembleia, a CPI das Construtoras. Neste caso, os parlamentares apuraram que havia "favorecimento nos pagamentos feitos" às empresas do setor que mantinham contratos com o governo do Estado em 1998, período em que Minas era governada por Eduardo Azeredo (PSDB). A comissão constatou que apenas em dezembro o Executivo desembolsou valores bem maiores às construtoras do que pagou, por exemplo, ao funcionalismo, que teve até o 13.º salário atrasado. O relatório da CPI não cita nenhuma empresa nominalmente.

Eleito deputado federal pela primeira vez em 2006, Faria conseguiu dois anos depois o cargo de presidente da Comissão de Minas e Energia da Câmara. Em 2011, reeleito pela primeira vez, reassumiria esse posto. No atual mandato, como ele próprio destaca em seu site pessoal, "ganhou destaque por ter sido o único mineiro indicado como relator dos quatros projetos sobre o marco regulatório do pré-sal". Depois, passou a presidir outra comissão, a do Trabalho, Administração e Serviço Público.

Em 2013, Faria assumiu a função mais diretamente ligada a finanças, que ele classifica como "honraria": a tesouraria da Fundação Milton Campos, centro de formação e estudos do PP.

____________________________________________________________________________________________________________________

Limitar valores é mais eficiente que proibir, dizem especialistas

Dois estudiosos da questão das doações para campanhas eleitorais sugerem que, mais que acabar com o financiamento privado, a solução para se evitar desequilíbrios ou forte influência dos grandes financiadores seria se estabelecer em lei um limite para as contribuições.

"É evidente que empresas privadas não financiam candidatos por motivos meramente republicanos", afirmou Claudio Weber Abramo, diretor da ONG Transparência Brasil. "Mas se houver uma norma rigorosa sobre quanto se pode doar, acabaremos com essas diferenças que temos hoje, quando políticos eleitos tendem a atender muito melhor quem lhes doou mais dinheiro."

Para o advogado Alberto Rollo, "o Congresso poderia criar regras bem definidas, limitando as doações em valores nominais - por exemplo, R$ 1 milhão dado por um doador para todos os que queira ajudar, na campanha inteira". Também se poderia definir "um valor máximo a ser doado a um candidato à Presidência, outro para candidato a governador ou prefeito, e por aí afora". Seria uma maneira, segundo ele, de garantir que pequenos doadores pudessem ter do candidato que ajudaram uma atenção igual à que é dada hoje aos grandes financiadores.

Rollo entende que, na prática, esse problema está superado porque o Supremo Tribunal Federal já tem maioria de votos para se adotar o financiamento público das campanhas. Essa é uma solução que ele reprova, por entender que não faz sentido se repassar verbas públicas para políticos "quando há tanto a fazer para a população, que em 2013 foi às ruas exigir melhores serviços de saúde, educação ou segurança". O advogado adverte, também, que nada garante, nas normas da nova lei, que o partido vai distribuir o dinheiro, entre seus candidatos, de forma justa e razoável.

Para Abramo, proibir o financiamento privado "não é sensato, porque o dinheiro vai continuar a fluir". Só que, quando for tornado ilegal, "ele vai migrar do caixa 1 para o caixa 2, e a influência e os atuais desequilíbrios vão continuar".