Engana-se quem pensa que ser adepto da gastronomia sustentável resume-se apenas a frequentar um restaurante natureba ou dar preferência aos orgânicos na compra do mês. Especialistas listam uma série de práticas que também fazem parte do movimento. Desde usar 100% de um ingrediente até eliminar totalmente a água das receitas. Difícil? Cuidadoso, garantem eles.

O gastrônomo Marcos Lelis ensina que o hábito começa com o planejamento da feira. É importante saber o quanto comprar, quais são o locais mais confiáveis e dar preferência aos vegetais, às frutas da estação e aos produtores próximos. “No máximo, quem está a 100km de distância. Assim, você come algo que não utilizou combustível de avião ou de navio para o transporte e incentiva a produção local”, explica. O professor de cozinha brasileira e internacional do Iesb conta que os vegetais de importações longas são colhidos verdes e submetidos ao processo de maturação apenas durante o caminho, quebrando o ciclo natural do amadurecimento. Esse processo acaba diminuindo a qualidade do alimento.

Reduzir a quantidade de lixo também é quesito da cozinha sustentável. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que 30% dos alimentos no mundo são jogados fora. No Brasil, são cerca de 26 milhões de toneladas por ano. Lelis indica que uma preocupação básica para evitar o desperdício é o bom senso. “Se a pessoa mora sozinha, não é necessário comprar o suficiente para uma família inteira”, exemplifica. A gastrônoma Alessandra Brant complementa: indica ter a própria horta em casa e mapear as feiras de comida orgânica. “ No caso de carnes orgânicas, existem mercados especializados”, diz.

Nara Codo, 38 anos, pulou da extravagância para a contenção. A ex-chef convencional faz hoje parte de um grupo de mães que busca receitas saudáveis para toda a família. Antes, via de perto o desperdício. “A legislação não ajuda os restaurantes que não têm propostas sustentáveis. A comida tinha que ir para o lixo”, critica. Agora, em casa, utiliza da casca ao bagaço de ingredientes. “A rama da cenoura pode ser usada para um suco ou uma salada. Quando se faz leite vegetal de castanha, dá para juntar o bagaço com iogurte, ervas e limão e fazer uma pastinha deliciosa”, exemplifica. Outra dica de Nara é usar os talos de couve e do brócolis em tortas, além de fazer chá de casca de melancia. “É desintoxicante”, ressalta.

Quando vai escolher os alimentos, a mãe de Raí Vilela Codo tem como principal critério o tempo de colheita deles. Segundo Nara, é bom aproveitar os ingredientes de acordo com a sazonalidade, escolha que reflete na qualidade e no preço. Valores mais baixos, porém, nem sempre indicam a melhor época de compra. “A manga vendida no meio do ano, por exemplo, pode até ter um preço agradável, mas a maior parte é jogada fora porque pouco se consegue utilizar. Algumas estão verdes e outras passadas”, ensina, dizendo, em seguida, que a fruta deve ser comprada no fim do ano. No caso das carnes, ela compra a peça completa e a limpa em casa para retirar menos possível das partes utilizáveis ao separar a gordura.

Cascas de alho e de cebola e alguns caroços estão entre as poucas coisas que ex-chef joga no lixo. Para chegar à matemática do reaproveitamento, diz ela, também é preciso deixar um pouco de lado a filosofia da praticidade total. Dica repetida pela professora de gastronomia da Universidade Católica de Brasília Alessandra Brant, que usa a abóbora para ilustrar a preguiça gastronômica. Em média, 25% do fruto vai para lixeira porque, pelo fato de ser muito duro, as pessoas têm dificuldade de descascá-lo. “Ela pode ser amolecida quando colocada na água quente ou no forno. Além disso, as sementes são ótimas como aperitivo após serem fritas com sal”, diz.

A quem não consegue utilizar 100% dos alimentos na cozinha, Brant tem uma última saída: fazer adubo. “O resíduo volta para a terra, entra no ciclo natural e retorna para nós como saúde, em vez de ficar embargado nos entulhos.”

Novo mercado
Para começar a criar o hábito, Marcos Lelis sugere investir em alimentos mais básicos: o arroz e o feijão. “Quando o arroz não acaba, ele pode ser usado em uma canja à noite ou ser usado para fazer bolinhos”, exemplifica. No caso do feijão, ele sugere caldo, também os bolinhos e tutu. “A comida se reinventa.” O professor ressalta, porém, que o indicado é cozinhar só o necessário, mas que esse tipo de aproveitamento não pode ser ignorado caso sobre alguma porção. “As pessoas não sabem o que fazer com um talo de salsão porque nunca precisaram dele.”

Lelis reconhece, porém, que começa a crescer um movimento para que as cozinhas sejam exploradas de forma mais equilibrada e sem desperdícios, tanto as domésticas quanto as comerciais. De olho nesse mercado, as vizinhas Danyelle Catini e Glória de Jesus abriram a Guisadinho, que oferece lanches e pratos feitos com produtos orgânicos e busca evitar qualquer tipo de desperdício. Elas perceberam que havia interesse das pessoas em se alimentar de forma mais sustentável, mas faltava tempo para aprender e usar as técnicas. O suco de casca de abacaxi e pratos feitos com maços de couve fazem parte do menu criado pela dupla a partir dessa filosofia. Cabe até sobremesa, como o bolo de casca de banana, que leva o resto da fruta também.

“Nós nos preocupamos em dar o exemplo. Aquela alface que vem embalada em isopor e plástico, além de ser colocada em uma sacola plástica depois, causa muito desperdício. Somos 2 milhões de habitantes em Brasília, uma sacolinha para cada um gera dois milhões de sacolinhas”, diz Danyelle. “Quando levamos nossa sacola, compramos na feira e enrolamos em um pano. Fazemos a nossa parte”. Para a entrega dos produtos, as microempresárias usam embalagens de papel reciclado.

Fique de olho

Confira os quesitos que tornam uma cozinha 100% sustentável
- Redução de lixo
- Uso de 100% do ingrediente ou o máximo possível
- Pratos compostos por produtos de origem orgânica e regionais
- Prioridade aos produtos da estação
- Plantio de horta em casa
- Produção de refeições sem o uso de água
- Reutilização da água da louça para outras situação, como regar plantas
- Substituição do guardanapo de papel pelo de pano
- Desligamento de aparelhos, como micro-ondas, forno e processador de alimentos
- Uso consciente desses eletrodomésticos e preocupação com a eficiência energética deles

Bolo de casca de banana
Da Guisadinho

Ingredientes
- 2 ovos
- 1/4 xícara de óleo
- 1 xícara de aveia
- 1/2 xícara de ameixas secas
- Uma colher de sopa açúcar mascavo
- 1 colher de chá de fermento em pó
- 2 bananas-nanicas

Modo de preparo
Bata os ovos, o óleo, a aveia, as bananas com casca e o açúcar no liquidificador. Misture o fermento por último. Adicione as ameixas em pedaços pequenos. Leve ao forno preaquecido a 180ºC e deixe por 35 minutos.

Picadinho de filé com mil folhas de batata-baroa

Restaurante DuoO

Ingredientes
150g filé-mignon
20g tomate cereja
30g abobrinha-itália
1g de sal
1g de curry
100g de batata-baroa
100ml de leite de castanha-do-pará
10g de queijo coalho sem lactose
1g de ervas de Provence
5g de alho mix
10g de biomassa de banana verde

Modo de preparo
Tempere o filé-mignon com sal, curry e ervas de Provence. Sele-o na panela até desgrudar do fundo. Acrescente a abobrinha, o tomate-cereja e o alho mix. Depois, coloque o leite de castanha e, para finalizar, a biomassa de banana verde. Acerte o sal e reserve. Corte a batata-baroa em lâminas e faça camadas com o queijo coalho e as ervas de Provence. Leve ao forno a 180°C por 20min. Sirva juntos.