Em sua primeira declaração após a prisão de executivos das principais empreiteiras do País pela Polícia Federal na Operação Lava Jato, a presidente Dilma Rousseff destacou o caráter histórico da ação que investiga desvios de verba na Petrobrás. “Eu acho que isso pode, de fato, mudar o País para sempre. Pode mudar no sentido de que vai se acabar com a impunidade”, disse ela domingo, 16, antes de deixar a reunião de cúpula das vinte maiores economias do mundo, o G-20, na Austrália.Em uma clara tentativa de ressaltar o papel do atual governo em investigar as denúncias, comparado com gestões anteriores, Dilma repetiu várias vezes que o atual escândalo é “diferente”. “Esta é, para mim, a característica principal dessa investigação: é mostrar que ela não é algo ‘engavetável’”, afirmou. “Acho que mudará para sempre as relações entre a sociedade brasileira, o Estado brasileiro e as empresas privadas”.

A presidente também fez questão de lembrar que houve denúncias anteriores envolvendo a Petrobrás. Deu a entender ainda que suposta incapacidade de investigar de governos passados pode ser a causa dos problemas da estatal.

“A grande diferença é o fato de estar sendo colocado à luz do sol. Porque esse não é, eu tenho certeza, o primeiro escândalo. Mas é o primeiro escândalo investigado”, defendeu. “Podemos listar uma quantidade imensa de escândalos que não foram levados a efeito. Talvez sejam esses escândalos os responsáveis pelo que aconteceu na Petrobrás”.

Na sétima fase da Operação Lava Jato, chamada de Juízo Final pelos investigadores, foram presas até domingo 23 pessoas, entre as quais executivos de oito empreiteiras: Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, Mendes Júnior, Engevix, OAS, Galvão Engenharia, Iesa e UTC. Houve também buscas na Odebrecht.

A polícia prendeu ainda o ex-diretor de Serviços da Petrobrás Renato Duque, indicado ao cargo pelo PT, e o policial Jayme Alves de Oliveira Filho – segundo os investigadores, ligado ao doleiro Alberto Youssef, que é considerado peça-chave do esquema.

Continuavam foragidos, até domingo, o lobista Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano – que, segundo os policiais, seria o operador do PMDB – e Adarico Negromonte Filho, irmão do ex-ministro das Cidades Mário Negromonte.

Empresas. Na entrevista, pouco antes de almoço que encerrou a cúpula do G-20, Dilma também fez questão de diferenciar as empresas das pessoas acusadas pela Polícia Federal. “O que nós temos de condenar são as pessoas e a maioria absoluta não é corrupta. Há pessoas que praticaram atos de corrupção dentro da Petrobrás”.

Sem citar nomes, ela afirmou que não se pode “demonizar” o setor da construção civil. “Não dá para demonizar todas as empreiteiras deste País. São grandes empresas e se A, B, C ou D praticaram malfeitos ou atos de corrupção, eles pagarão por isso. Isso não significa que a gente vai colocar um carimbo na empresa”, acrescentou.

A presidente também argumentou que problemas de corrupção não são uma exclusividade do setor público. Lembrou, por exemplo, casos como o da norte-americana Enron – empresa que faliu após maquiagem de balanço.

Dilma também avaliou que a investigação não deverá dificultar a reforma ministerial em negociação com os partidos aliados, mesmo com a citação de pelo menos 30 parlamentares nas investigações.

“Você há de convir que essa questão da Petrobrás já tem certo tempo. Então, nada disso é tão estranho para nós. Nós não sabíamos as pessoas concretas, mas nós sabíamos da investigação”, disse. A primeira fase da operação foi deflagrada em março.

Ela também pediu cuidado com o julgamento dos acusados. “A gente tem de ter cuidado porque nem todas as investigações podem ser dadas como concluídas. Então, não pode sair por aí já condenando”.

Reação inclui ideia de 'Operação Mãos Limpas'

A presidente Dilma Rousseff vai encontrar uma crise política em ebulição quando retomar suas atividades no Palácio do Planalto, amanhã, após uma semana fora do País. Mesmo antes de desembarcar, porém, ela já começou a ensaiar o discurso de reação ao escândalo que tomou conta da Petrobrás, no qual destaca uma espécie de "Operação Mãos Limpas" em curso no País, para acabar com a impunidade. Esse era o nome de uma operação que, na Itália dos anos 90, investigou a fundo as ligações entre a Máfia e os partidos políticos.

Essa foi a forma que o governo encontrou, até agora, para contornar as acusações sobre o desvio de dinheiro da estatal para pagamento de propina a integrantes de sua base de sustentação. O Palácio do Planalto e os aliados estão perplexos com a sétima fase da Operação Lava Jato, não por acaso batizada de Juízo Final.

Há preocupação com o impacto do escândalo na seara política, que pode atingir 70 deputados e senadores, e também com os efeitos na economia, com a paralisia da Petrobrás e a imagem da companhia em frangalhos dentro e fora do País. "Ninguém sabe onde isso vai parar", resumiu um auxiliar da presidente.

O receio de que a crise na Petrobrás prejudique ainda mais os investimentos no Brasil levou Dilma defender ontem a estatal. "Não se pode condenar a empresa", disse a presidente na reunião do G-20 na Austrália.

De volta ao Brasil, Dilma reforçará o tom desse discurso, que tende a jogar para o colo do PSDB o engavetamento de investigações num passado não muito distante. A presidente voltará ao Planalto no mesmo dia da sessão da CPI da Petrobrás no Congresso, que será agitada pela oposição.

Ministério. Dilma também vai se reunir com dirigentes de partidos aliados, ainda nesta semana. Ela tenta montar o xadrez da composição do novo ministério - mas os aliados prometem cobrar mais caro para reforçar o apoio ao governo.

Ela já avisou que a primeira definição será o novo ministro da Fazenda. "É a escolha de Sofia", resumiu a presidente, antes de embarcar para a Austrália.

Para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a escolha do sucessor de Guido Mantega é difícil porque o perfil de quem pode assumir a vaga está em falta no mercado. "Quando eu era oposição, reunia uns 30 economistas para discutir os problemas do País. Hoje, a gente conta aí uns três", disse ele, em recente reunião com senadores do PT, ao lembrar que muitos de seus interlocutores envelheceram e outros não aceitam essa tarefa.

Na lista dos cotados ainda para a Fazenda estão o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles - o preferido de Lula -, o ex-secretário executivo da Fazenda Nelson Barbosa, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, e do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco.

Alvo de críticas até mesmo no PT, o secretário do Tesouro, Arno Augustin, responsável pelas chamadas "pedaladas fiscais", também deve ser deslocado de posto. Dilma gosta de Arno, e estuda agora transferi-lo para a presidência da Itaipu Binacional.

Os percalços na economia têm ainda um ingrediente político. O Planalto depende do Congresso para aprovar o projeto de lei que desconte da meta do superávit primário - economia de gastos para pagamento dos juros da dívida pública - as despesas com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e com as desonerações tributárias.

Há ainda a tentar vencer a articulação do líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), desafeto de Dilma, para ser presidente da Casa. "O presidente da Câmara não é para defender o governo, mas também não é para atacar", emendou Arlindo Chinaglia (SP), que deve ser o candidato do PT para enfrentar Cunha. "Tudo indica que teremos muita emoção pela frente".