BRASÍLIA - Ao aprovar o projeto que muda os indexadores dos contratos de dívidas de estados e municípios com a União, o Senado também deu sinal verde para uma medida que pode significar risco para o equilíbrio das contas públicas. O texto, que agora aguarda a sanção da presidente Dilma Rousseff, traz um artigo que permite ao governo fazer desonerações tributárias sem apontar uma fonte concreta de receita que compense seu impacto no orçamento. Hoje, isso é vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Segundo o artigo 14 da LRF, qualquer renúncia de receita deve ser acompanhada de compensação, seja pelo aumento de alíquotas de tributos, ampliação de base de cálculo ou criação de outro imposto ou contribuição. O projeto aprovado flexibiliza esse artigo, pois permite que a equipe econômica faça desonerações com base numa projeção de aumento da arrecadação ou de redução de despesas. De acordo com especialistas em contas públicas ouvidos pelo GLOBO, o texto alterou a LRF de forma perigosa, pois estimativas de elevação de receitas ou de queda de despesas podem não se confirmar e comprometer o equilíbrio das contas públicas.

— O governo conseguiu um cheque em branco para fazer o que quiser. Uma estimativa de aumento de receita é o imponderável. O que acontece se ela não se confirmar? — disse a presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC), Lucieni Pereira.

Para a professora de economia da UFRJ Margarida Gutierrez, isso mostra mais um retrocesso do governo na área fiscal:

— É um desmonte da LRF. É o aval para a farra fiscal.

Para Gutierrez, a alteração do artigo 14 é o aspecto mais grave do projeto aprovado pelo Senado. Segundo ela, a alteração dos indexadores dos contratos de dívidas de estados e municípios era uma discussão que valia a pena ser feita. Isso porque o indexador atual, IGP-DI mais 6%, 7,5% ou 9% dependendo do contrato, realmente se tornou ruim para a gestão das contas de estados e municípios que precisam aumentar seus investimentos.

Para a Fazenda, a alteração vai reduzir as dívidas dos governos regionais em R$ 59 bilhões. Hoje elas somam R$ 500 bilhões.


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Advertido pelo TCU, governo quer mudança na legislação
 

BRASÍLIA - Desde de 2008, quando foi adotada a estratégia de conceder desonerações tributárias para estimular a economia, o governo passou a descumprir, na prática, o artigo 14 da LRF. Em 2010, foi advertido pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e, então, passou a trabalhar para mudar a lei no Congresso. Somente este ano, por exemplo, esses incentivos somam R$ 75,7 bilhões.

O governo negociou com o Congresso a inclusão da alteração da lei no projeto que mudava os indexadores de dívidas de estados e municípios. Pelo texto que recebeu o aval do Senado, na semana passada, a União pode rever o indexador e aplicar uma correção de IPCA mais 4% ou a Taxa Selic, o que for menor, em contratos a partir de janeiro de 2013. Também pode fazer uma correção retroativa dos contratos no período anterior a 2013. Neste caso, o Tesouro fará uma simulação e, se a Selic do período tiver sido mais vantajosa para a correção da dívida, ela vai substituir o indexador do contrato.

— O indexador pelo IGP-DI protegia o credor. Mas, de fato, ele sofre muita oscilação com choques de custo. Assim, com a estabilidade da economia, faz mais sentido ter o IPCA. Essa é uma discussão que tem sentido. Já a do artigo 14 não se justifica — disse a professora Margarida Gutierrez, da UFRJ.

Para Lucieni Pereira, presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas (ANTC), outro problema do projeto está no artigo 10, que passa para os bancos a responsabilidade de checar se os estados e municípios estão em dia com a LRF para tomarem novos empréstimos. Esse trabalho hoje é feito pelo Tesouro Nacional:

— Há um conflito de interesses entre o poder público e as instituições financeiras oficiais e privadas, cuja finalidade é vender operações de crédito a qualquer custo para cumprir metas financeiras arrojadas e garantir lucros maiores. Esse é o negócio de qualquer instituição financeira.

Técnicos do governo alegam que isso não representa risco pois qualquer endividamento adicional que os estados queiram fazer terá que ser aprovado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).