Título: Iguais perante a ONU
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 18/06/2011, Mundo, p. 28

O Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou ontem uma resolução que proíbe a violência ou a discriminação aos homossexuais e determina a promoção de direitos iguais a todos a todas as pessoas, independentemente da orientação sexual. Em votação apertada, realizada na sede do conselho, em Genebra, a proposta recebeu voto favorável de 23 países, inclusive o Brasil. Votaram contra 19 contrários e três se abstiveram. A Líbia não votou porque está suspensa do organismo desde março. Países árabes e africanos, a maioria muçulmanos, formaram o núcleo da oposição.

O texto foi proposto pela África do Sul e, segundo a rede de tevê CNN, a aprovação foi resultado de intenso lobby do Departamento de Estado dos Estados Unidos, reforçado por Brasil e Colômbia. Organizações não governamentais (ONGs) que defendem os direitos dos homossexuais classificaram o documento como "histórico". É a primeira vez que o Conselho da ONU reconhece direitos iguais para lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros.

Ao apresentar o texto, o representante da África do Sul, Jerry Matthews Matjila, alegou que "ninguém deve ser submetido a discriminação ou violência por causa da orientação sexual", mas ponderou que a resolução "não busca impor valores aos países, mas abrir o diálogo". Atualmente, 76 nações penalizam o homossexualismo como crime, segundo a Anistia Internacional.

A resolução aprovada pede também que a Alta Comissária da ONU para Direitos Humanos, Navi Pillay, encomende um estudo, a ser concluído até dezembro próximo, para "documentar leis e práticas discriminatórias e atos de violência contra as pessoas por motivo de sua orientação sexual e identidade de gênero, em todas as regiões do mundo".

A secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, também celebrou a decisão como histórica. "A resolução é um ponto de referência na reafirmação de que os direitos humanos são universais. As pessoas não podem ser excluídas de proteção simplesmente por sua orientação sexual ou identidade de gênero", acrescentou. O embaixador francês, Jean-Baptiste Mattei, considerou o documento um "avanço": "É a primeira vez na ONU que se aprova um texto tão forte sob a forma de uma resolução, e com esse alcance".

Paquistão, Arábia Saudita, Barein, Catar e Bangladesh, entre outros, rejeitaram fortemente a iniciativa. A homossexualidade é tratada como tabu nos países islâmicos e vista como violação à religião e aos valores culturais. Homens homossexuais são frequentemente presos e sentenciados nos países do Golfo Pérsico. Uma declaração conjunta da Organização da Conferência Islâmica (OCI) diz que os países-membros estão "seriamente preocupados com a tentativa de introduzir na ONU noções que não têm base legal alguma na legislação internacional dos direitos humanos".

Brasil No Brasil, a ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, afirmou que a resolução reforça a luta por direitos iguais e contra a violência. "Ao reconhecer o princípio da igualdade entre todas as pessoas, independentemente da opção sexual, a ONU dá uma clara demonstração de que não podemos mais conviver com as desigualdades e preconceitos contra a população LGBT em nenhum lugar do mundo", declarou a secretária em nota à imprensa. "O Brasil tem pleno acordo e comemora essa decisão."

Para o presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), Toni Reis, agora é preciso aplicar a medida no país. "Esperamos que o Brasil faça a lição de casa", afirmou Reis ao Correio. Em 2009, a ABGLT foi a primeira ONG em defesa dos interesses gays de um país em desenvolvimento a ganhar status oficial na ONU. Com o apoio do Ministério das Relações Exteriores, ela foi aceita como entidade consultiva no Conselho das Nações Unidas, ao lado de representantes da Espanha e da Noruega.

Reis espera que a nova ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, peça à base governista no Congresso que vote pela criminalização da homofobia no Brasil. Se isso não ocorrer, o presidente garantiu que a ONG pode entrar no Supremo Tribunal Federal (STF)com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin). "Há 11 anos estamos aguentando a inércia e a omissão do Congresso, que não vota a matéria".