O modelo de guarda compartilhada dos filhos previsto como regra em um projeto de lei aprovado pelo Senado Federal na última quarta-feira pode ajudar a reduzir os danos de uma prática recorrente após uma separação: a alienação parental. Em diversas ocasiões após o fim de um relacionamento, os ressentimentos e as mágoas acabam por se tornar munições na tentativa de colocar a criança contra o pai ou a mãe. O problema tornou-se tão comum que virou objeto de uma lei, de 2010, que prevê multa e suspensão da guarda ao alienador. Especialistas ouvidos pelo Correio acreditam que a modalidade na qual os dois dividem responsabilidades pela criação do filho minimizam o problema.

A lei da alienação parental a define como o ato de interferir na “formação psicológica da criança ou do adolescente” por parte dos pais ou avôs, gerando repúdio do filho àquele que não tem a guarda. Criar dificuldades de contato entre a criança e o genitor, omitir informações pessoais relevantes da criança ao pai ou à mãe e apresentar denúncias falsas, por exemplo, integram a lista do que pode ser considerado alienação, segundo a lei. Já a mudança no Código Civil sobre a guarda compartilhada, colocando-a como regra sobre o regime de criação dos filhos quando ocorre o divórcio, precisa ainda de sanção presidencial.

O professor de Direito da Universidade de Brasília (UnB) Valcir Gassen discorda da necessidade de impor aos casais o modelo de guarda compartilhada. Mas ele avalia que essa é a melhor situação para as crianças, além de contribuir para reduzir a alienação parental. “Os pais tendem a cessar as tentativas de criticar o outro porque são obrigados a conviver e participar do processo educativo da criança juntos”, diz. Gassen também destaca que o filho passa a ter maior possibilidade de discernir as situações. “Ele conviverá com o pai e com a mãe, percebendo que os dois têm qualidades e defeitos”, diz. Para o professor, entretanto, é preciso que o juiz analise cada caso de forma única, levando em conta os aspectos de socioeconômicos e de convívio entre os casais.

Na visão do diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam) e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), Rolf Madaleno, é preciso mais que a imposição do modelo de guarda para dar fim à prática da alienação. “A maioria dos divórcios é dolorosa, com ressentimentos. Os casais nesse processo conseguiriam controlar reações e emoções só porque estão em guarda compartilhada?”, questiona o especialista. Madaleno defende a modalidade como a mais saudável. Mas a imposição, segundo ele, exige que os magistrados se aprofundem na rotina futura da família. “Para que funcione, cada um deles deveria apresentar ao juiz um plano de parentalidade. Ou seja, detalhes de como vão se organizar, que regras vão seguir, de que maneira vão exercer essa guarda”, sugere. Assim, a alienação poderia efetivamente deixar de existir.

Pela possibilidade de maior participação, o servidor público Jorge*, 31 anos, acredita que a lei vem em boa hora. Ele tem dois filhos com a ex-mulher e alega que ela o afasta dos meninos e dificulta as visitas. Um ano após a separação, a Justiça deu a guarda unilateral à mãe. A partir daí, segundo Jorge, os problemas se intensificaram. “Depois disso, começaram as críticas e acusações de que eu não queria saber das crianças por ter uma nova aliança matrimonial. Mais do que isso, ela se mudou para uma cidade a 300km de distância. Com ela, não há conversa”, diz.

Jorge pode ver os filhos quinzenalmente, das 18h de sexta-feira às 18h do domingo. Segundo ele, entretanto, não há flexibilidade em relação aos horários. Jorge reclama também que a mulher não o deixa fazer parte de escolhas, como escolas e médicos. Ele afirma que, assim que a lei entrar em vigor, fará o pedido para ter a guarda compartilhada. “Esse modelo vai me dar mais empo com meus filhos e acesso às decisões da criação deles. Acho um avanço fundamental.”

 

Nome fictício a pedido do entrevistado

“Para que funcione, cada um deles deveria apresentar ao juiz um plano de parentalidade. Ou seja, detalhes de como vão se organizar, que regras vão seguir, de que maneira vão exercer essa guarda”

Rolf Madaleno, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam) e professor da PUC-RS