O consumo das famílias, que há mais de uma década tem sido o principal motor da economia, perdeu fôlego e contribuiu para o resultado pífio do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre. A inflação alta, o crédito caro, o elevado endividamento e a perda de ritmo do mercado de trabalho fizeram esse componente recuar 0,3% de julho a setembro em relação ao trimestre anterior, segundo divulgou ontem o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com gastos de R$ 815,1 bilhões, o resultado foi o menor desde o quarto trimestre de 2008, ano do estouro da crise mundial. Frente a igual trimestre de 2013, o desempenho também frustrou: avançou só 0,1%. Esse é o pior percentual para este tipo de comparação desde a queda de 1,5% observada no terceiro trimestre de 2003. 

Para a coaching de negócios Vanessa Machado, 46 anos, cortar despesas foi o único jeito encontrado para manter a saúde financeira do lar. "Antes, ia com frequência ao teatro e ao cinema. Agora, vou mais a locais públicos e a eventos gratuitos", contou. A mudança chegou à rotina da casa. "Os alimentos em geral estão muito mais caros. Além de ter trocado a carne por peças de segunda ou peixe. Frutas, só da época", acrescentou. Esse aperto no orçamento a obrigou a demitir a doméstica e a diarista. As tarefas de casa são divididas entre ela, o marido e o filho, de 11 anos. 

Renda 

O consumo das famílias, que tem participação de 63% da demanda do PIB, vem caindo desde o ano passado. No quarto trimestre de 2013, o indicador subiu 2,5%. A estagnação atual se deve, segundo a gerente da coordenação de contas nacionais do IBGE, Rebeca Palis, à atual conjuntura. "Continuamos tendo crescimento da massa salarial real, que aumentou 2,9% no trimestre passado. Mas a taxa é bem menor que a do trimestre anterior, de 4,1%", explicou. 

Os números ruins do consumo devem continuar em 2015. O economista-sênior da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Fabio Bentes, alertou que o emprego formal avançou 1,8% no terceiro trimestre em comparação a mesmo período de 2013, pior resultado desde 2007, segundo cálculos do Ministério do Trabalho. "O jeito é retomar os investimentos sem liberar o crédito de forma intensa, mas moderada", avaliou. 

O crédito, contudo, continua sendo o principal vilão do consumidor. A taxa média de juros para pessoa física no terceiro trimestre foi de 42,5% ao ano, a maior da história. O Banco Central (BC) já sinalizou que a taxa básica (Selic) deve subir do atual patamar de 11,25% ao ano para 12% até dezembro de 2015. Na avaliação do presidente da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), Roque Pellizzaro, "elevar juros não basta para controlar a inflação e recuperar o consumo das famílias. Teremos um ano ainda mais fraco, mas será necessário para retomar o crescimento", analisou. 

Sem saber como a economia vai se comportar em 2015, os consumidores já colocam as contas na ponta do lápis e cogitam corte de gastos, inclusive de combustível e eletricidade. "Tenho usado menos o carro para poupar as despesas", lamentou a professora Mari Matos de Sousa, 46. 

Imposto diminui 

Com a queda do consumo das famílias, o imposto sobre produtos caiu. O recuo no trimestre foi de 1,3% na comparação com o mesmo período do ano passado. No último ano, a rubrica acumulou uma queda de 0,3% na comparação com o mesmo intervalo de 2013. Nos três meses encerrados em setembro, a arrecadação com impostos sobre produtos foi de R$ 184,5 bilhões. Na mesma época de 2013, o governo havia recolhido R$ 181,7 bilhões em tributos.