CURITIBA - A Polícia Federal investiga se o esquema operado pelo doleiro Alberto Youssef alcança também negócios no setor elétrico. Nas investigações da Operação Lava-Jato, os agentes encontraram na mesa de João Procópio de Almeida Prado, acusado de ser o braço-direito do doleiro, uma planilha identificada como "Demonstrativo de Resultado - Obra Jirau", com a contabilidade da Camargo Corrêa na obra da hidrelétrica construída no Rio Madeira, em Rondônia, com financiamento de R$ 7,2 bilhões do BNDES.

A empreiteira foi uma das sócias do consórcio que arrematou a concessão até 2012, quando vendeu sua participação. Segundo o Ministério Público Federal, Prado era o elo do esquema de Youssef com a Camargo Corrêa. Ele é concunhado de João Ricardo Auler, presidente do conselho de administração da Construções e Comércio Camargo Corrêa, um dos presos na Lava-Jato.

Youssef disse à Justiça que Auler foi seu principal contato na construtora antes de Eduardo Hermelino Leite, atual vice-presidente da empresa, preso preventivamente. Leite é o único executivo de empreiteira, até agora, acusado pelo doleiro de ficar com parte do dinheiro da propina a ser dividido com os políticos. Procurada, a Camargo Corrêa informou que o Prado "jamais prestou serviços" para a construtora e que desconhece a planilha citada.

Segundo o MPF, Prado era de extrema confiança do doleiro. Operava as contas no exterior, controlava depósitos e pagamentos fora do Brasil, e era também encarregado da abertura de empresas offshore, em nome dele ou de terceiros. Entre os dias 3 e 13 de março passado, Prado, Youssef e Leonardo Meirelles movimentaram ¬ 1,06 milhão de uma conta da Elba Services, na Suíça, para a DGX Import, em Hong Kong.

Youssef afirmou que o primeiro contato que teve com a Camargo Corrêa foi acompanhando o ex-deputado federal José Janene, do PP, um dos flagrados no mensalão e que faleceu em 2010. A reunião foi com João Auler.

A Camargo Corrêa participou de duas grandes obras da Petrobras investigadas na Lava-Jato: a modernização da Repar, refinaria que fica no Paraná, com sobrepreço apontado pelo TCU de R$ 633 milhões e da Unidade de Coqueamento da Refinaria Abreu e Lima, com danos ao erário já identificados de R$ 613,2 milhões. A Camargo Corrêa também fez repasses de R$ 2,875 milhões para a Costa Global, empresa de consultoria do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa. Os depósitos foram feitos cinco meses após a saída de Costa da estatal, mas ele disse à Justiça que os pagamentos eram propinas.

EMPRESAS PAGAM ADVOGADOS

Para o MPF, é estreita a ligação de alguns dos principais executivos de empreiteiras com Youssef. Os mais próximos do doleiro seriam Leite, da Camargo, Ricardo Pessoa, da UTC/Constram, e Mateus Coutinho, da OAS.

Um dos exemplos está no depoimento da contadora do doleiro, Meire Poza. À Justiça, ela disse que em março, quando foi deflagrada a primeira fase da Lava-Jato, ela e Prado ficaram responsáveis por buscar dinheiro na Camargo Corrêa e na UTC para pagar os advogados dos presos ligados ao doleiro. Meire visitou a UTC, que teria se comprometido a dar R$ 500 mil para pagar os advogados de Enivaldo Quadrado e Carlos Alberto da Costa, ligados ao doleiro.

Depois, Meire disse ter se desentendido com os interlocutores. Um dos presos na última sexta-feira, o advogado Carlos Alberto Costa e Silva, segundo ela, acabou sendo acionado para fazer o "meio de campo" com as empreiteiras.

A UTC se tornou sócia de Youssef em empreendimentos na Bahia. A empresa se associou em 2010 à GFD, de Youssef, no hotel Web Salvador Iguatemi e na compra de terreno em Lauro de Freitas, por R$ 5,3 milhões. Para que a sociedade se concretizasse, foi aberta Sociedade em Cota de Participação, tendo a UTC como sócia ostensiva e a GFD como sócia participante.

A UTC é uma das contratadas para obras na Refinaria Alberto Pasqualini (Refap), no Rio Grande do Sul. No total, os negócios da empresa com a Petrobras superam R$ 8 bilhões.

Ao GLOBO, a UTC informou que é sócia da GFD num empreendimento específico, o Dual Medical&Business, em Lauro de Freitas, e que a Sociedade em Cota de Participação é um instrumento temporário, usado no setor imobiliário, a ser encerrado ao fim do empreendimento (início de 2016). Confirmou que os custos foram divididos e ressaltou que não há nenhum tipo de sociedade entre as duas empresas. De acordo com a nota, UTC e GFD são cotistas no Web Hotel de Salvador ao lado de outros investidores. A empresa informou que detém 30% das cotas e que a GFD tem 37% e que as documentações foram encaminhadas ao MPF. Sobre o pagamento de advogados, confirmou que foi procurada por Meire Poza, mas que a ajuda foi negada.

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Clube das empreiteiras tinha VIPs, coordenador e reuniões periódicas

Onze empresas fornecedoras da Petrobras atuavam articuladas, diz delator

Eduardo Bresciani 
Chico de Gois

 

BRASÍLIA - A alta cúpula das empreiteiras tem participação direta no cartel dos fornecedores da Petrobras investigado na Operação Lava-Jato. O "clube", apelido dado pelos próprios integrantes, tinha coordenador, reuniões periódicas e até uma divisão interna, onde apenas as gigantes (Camargo Corrêa, UTC, OAS, Odebrecht e Andrade Gutierrez) eram "VIP". Segundo o executivo Julio Camargo, da Toyo Setal, que colabora com as investigações, esse grupo tinha poder sobre os demais integrantes do cartel e agia de forma conjunta "até o limite da persistência" para fazer valer suas vontades.

Para desvendar o funcionamento do cartel foram fundamentais os relatos de dois delatores que faziam parte dele. Os executivos da Toyo Setal Julio Camargo e Augusto Ribeiro de Mendonça Neto contaram como eram feitas as negociações entre os altos dirigentes das empresas e os ex-diretores da Petrobras Paulo Roberto Costa e Renato de Souza Duque, ambos presos na operação. Depoimentos de Costa, que também virou delator e está em prisão domiciliar, e do doleiro Alberto Youssef, outro em colaboração premiada, ajudaram a reforçar as acusações contra os empreiteiros. Além disso, o juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal, considerou que os pagamentos milionários a empresas de fachada do esquema corroboram o envolvimento dos altos executivos

Presidente da UTC Engenharia, Ricardo Ribeiro Pessoa era quem fazia a organização do cartel. Ele e Youssef eram próximos. Uma troca de mensagens entre ambos, em 31 de dezembro ressalta essa amizade. Às 23h01, Youssef escreve: "Amigo Ricardo que 2014 você e família realize (sic) todos os desejos e projetos com muita saúde paz amor felicidade prosperidade bjo no seu coração do seu primo". E, às 23h57, Ricardo responde: "Amigo Primo. Queria lhe agradecer pela parceria e lealdade. Desejo para você e sua família o maior sucesso e muitas felicidades e muita saude em 2014. Grande abraco. Ricardo."

reuniões na queiroz galvão

A Camargo Corrêa teve três integrantes da alta cúpula presos: o presidente, Dalton dos Santos Avancini, o presidente do conselho, João Ricardo Auler, e o vice-presidente Eduardo Ermelino Leite. O presidente da empresa assinou contrato com uma empresa de fachada para repassar R$ 2,8 milhões a Costa depois deste deixar a estatal. Auler foi citado por Youssef como um contato seu na Camargo Corrêa e assinou contrato da refinaria Abreu e Lima com indícios de superfaturamento. Leite também é mencionado como integrante do cartel.

O presidente da OAS, José Aldemário Pinheiro Filho, foi citado pelos quatro delatores como integrante do esquema. O vice-presidente da empreiteira Agenor Franklin Magalhães Medeiros teve a atuação no esquema citada por Youssef. O vice-presidentes da Mendes Júnior Sérgio Cunha Mendes, citado por Youssef, aparece numa planilha de Costa como "disposto a colaborar" e assinou um contrato pela Mendes Júnior resultante de uma licitação em que o ex-diretor da Petrobras disse ter ocorrido acerto prévio. Gerson de Mello Almada, vice-presidente da Engevix, foi citado pelos delatores como representante da empresano cartel. Valdir Lima Carreiro, diretor-presidente da Iesa assinou contrato de fachada com a Costa Global, de Paulo Roberto Costa, para repassar dinheiro ao ex-diretor.

Várias reuniões dos empreiteiros foram realizadas na sede da Queiroz Galvão, no Rio de Janeiro. Em nota, a empresa "reitera que todas as suas atividades e contratos seguem rigorosamente a legislação e está à disposição das autoridades para prestar quaisquer esclarecimentos necessários". A Andrade Gutierrez disse não ter acesso ao teor das declarações prestadas e "reafirma que não tem ou teve qualquer envolvimento com os fatos relacionados com as investigações em curso". A Camargo Corrêa "repudia acusações sem comprovação, vazadas de forma seletiva, que impedem qualquer possibilidade de defesa". A Mendes Júnior informou que não se pronuncia sobre inquéritos em andamento. A Odebrecht "nega veementemente ter feito qualquer tipo de pagamento para executivos ou políticos para obter contratos com a Petrobras" e "repudia afirmações caluniosas feitas em suposta delação premiada"
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As demais assessorias não responderam aos questionamentos.