Título: Sob o escudo da impunidade
Autor: Calcagno, Luiz
Fonte: Correio Braziliense, 18/06/2011, Cidades, p. 37

Às vésperas do terceiro aniversário da lei seca, que estabelece tolerância zero para a combinação álcool e direção, mais motoristas estão sendo flagrados por dirigir embriagados.

Números do Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF) mostram que, de 1º de janeiro a 20 de maio deste ano, uma média de 36 condutores foi autuada diariamente. Em contrapartida, o número de acidentes fatais e mortes nas vias do DF tem crescido. De 20 de junho de 2010 a 5 de junho de 2011, foram 453, contra 442 no período anterior ¿um crescimento de 2,4%. O número representa um alerta. De acordo com o diretor de educação de trânsito, Marcelo Granja, a lentidão nos processos contra os infratores é um dos fatores que gera sensação de impunidade.

A demora no correr dos processos, que chega a durar um ano e oito meses, tem motivo. Conforme publicado na edição do Correio de 1º de junho, dos 955 funcionários do quadro do órgão, apenas três fazem o protocolo, a autuação e a classificação de cerca de 50 mil processos administrativos. Dessa papelada, pelo menos 10 mil são contra condutores flagrados sob efeito de álcool. Além disso, o brasiliense tem evitado soprar o bafômetro

Escolhem sofrer a punição administrativa com medo, principalmente, de que o aparelho indique uma concentração de álcool no sangue igual ou superior a 6 decigramas por litro, e sejam indiciados criminalmente por beber e dirigir (veja O que diz a lei).

Concursados Para dar celeridade ao trâmite dos processos, o diretor geral do Detran, José Alves Bezerra, anunciou que, em breve, o órgão convocará 79 concursados que estão na reserva de vagas para atuar na área administrativa. Com isso, Bezerra acredita que a demora entre o momento em que o condutor é autuado e a hora em que ele perde o direito de dirigir por um ano diminuirá.

"Cometemos uma falha. Faltava velocidade, faltavam recursos humanos. Nossa meta é reduzir essa demora para um terço. Mas, apesar de os dados não serem os ideais, Brasília tem os melhores números em fiscalização da lei seca no Brasil" disse o diretor.

Granja ressalta que, mesmo com as dificuldades enfrentadas, a lei seca é importante. Granja questiona o que seria do trânsito na capital federal hoje se não houvesse a tolerância zero para a alcoolemia ao volante. Segundo ele, a proibição resultou em menos mortes nos últimos anos. "Nos três anos de vigor, 144 vidas foram poupadas, um equivalente a quatro por mês. Isso significa que 144 famílias, quase 720 pessoas, não passaram pela dor de perder um parente no trânsito", afirmou.

Pai de família O perfil dos autuados também influencia nos números de autuações e acidentes. De acordo com o gerente de fiscalização do Detran, Marcelo Madeira, a maioria dos autuados por embriaguez ao volante tem mais de 40 anos.

"Nesse caso, o motorista é um pai de família que saiu de casa para se divertir e virou um criminoso ao fim do dia", disse. Por outro lado, segundo Granja, os jovens são os que mais morrem em acidentes. "Muitas vezes, eles não levam em conta que quando bebem e dirigem estão em uma roleta e que algumas pessoas morrem, mas outras ficam com graves sequelas por conta de acidentes envolvendo álcool e direção."

O número de mortes no trânsito após a vigência da lei seca não cresceu apenas do segundo para o terceiro ano. Ele também passou de 422, no período de 20 de junho de 2008 a 19 de junho de 2009, para 442 nos 12 meses seguintes. Ainda assim, a visão de Madeira é otimista. Ele explica que, mesmo que a média anual de números após a proibição fique em 401, a frota do DF cresceu de 1.011.014 veículos em 2008 para 1.273.520 até junho deste ano, uma variação de 26%. "Significa que, estatisticamente, conseguimos reduzir os acidentes. Garantimos isso fazendo blitzes diárias. Antes elas ocorriam apenas nos fins de semana", contou.

O que diz a lei O artigo 165 da Lei nº 11.705/08, conhecida como lei seca, define como infração gravíssima o ato de dirigir alcoolizado. O motorista é penalizado com multa de R$ 957, recolhimento da carteira nacional de habilitação (CNH), sete pontos lançados no prontuário e, se condenado pelo Detran, fica proibido de dirigir por um ano. Qualquer concentração de álcool no organismo deixa o condutor sujeito a punição administrativa. O agente de trânsito também pode caracterizar a infração ao notar sinais de embriaguez, excitação e torpor, por exemplo. De acordo com o artigo 306, caso a concentração de álcool no sangue seja igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro, ou 0,3 miligrama por litro de ar expelido pelos pulmões, além das punições previstas no artigo 165, o infrator é levado para a delegacia, tem que pagar fiança que varia de R$ 600 a R$ 2 mil e responde a processo criminal.