RIO - Uma população menor e mais envelhecida em 2050 terá impacto direto nos gastos da Previdência. Números do livro “Novo regime demográfico. Uma nova relação entre população e desenvolvimento?”, editado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e que será lançado nesta terça-feira, mostram que os gastos do INSS, responsável pelas aposentadorias e pensões dos trabalhadores do setor privado, devem pular de 7,5% do PIB (Produto Interno Bruto, total de bens e serviços produzindo num ano) em 2014 para 13,2% do PIB em 2050 e pressionar a conta do setor, que já vem fechando com rombo anual de mais de R$ 40 bilhões.

O principal responsável pela explosão das contas é o crescimento na parcela da população de mais de 60 anos de idade. Este grupo, hoje formado por 12% dos brasileiros, passará a representar 33% dos habitantes do país. Mas os estudiosos do tema também apontam outros e polêmicos motivos: os aumentos reais do valor dos salário mínimo, a falta de uma idade mínima para aposentadoria dos trabalhadores do setor privado e a regra de pagamento de pensão por morte. Esta última é considerada por especialistas como a mudança que deve ser feita primeiro.

— Há várias medidas que precisam ser e não são adotadas, porque todas têm um custo político muito alto. Enquanto não houver uma crise financeira mais severa, aquele momento em que não tem dinheiro e não se paga, os governos vão empurrando o problema. A distorção das pensões, por exemplo, já vi entrar e sair da pauta várias vezes, sem que nenhuma proposta fosse elaborada — diz Marcelo Caetano, especialista em Previdência do Ipea e autor de um dos três capítulos do livro dedicados ao tema.

Por distorção, o pesquisador define o fato de um cônjuge receber a pensão pela morte do companheiro, mesmo que tenha sua própria aposentadoria, ou seja, acumular dois benefícios. É o que acontece, por exemplo, com a viúva Geralda Bicalho, de 75 anos, que se aposentou aos 50 anos e, desde que o marido morreu, há 22 anos, também recebe pensão:

— Mesmo sendo dois benefícios é pouco demais. Mas o que vamos fazer? Dá para pedir para aumentar? — indaga.

Outro problema é o valor das pensões, que corresponde a 100% da aposentadoria que era recebida pelo cônjuge.

— Com o país envelhecendo nessa velocidade, não há como sustentar uma previdência com essa cobertura e pensões de 100% do benefício, quando no mundo todo é 70% ou 50%. Em termos proporcionais, a Previdência brasileira é das que paga mais no mundo. Quando se comparam valores absolutos, o Brasil com renda média de US$12 mil ao ano e outros com renda de US$ 50 mil, o valor é baixo, mas para a renda do país é alto — diz Caetano.

Ele não é o único. Coautor de outro texto do mesmo livro, o economista Paulo Tafner, pesquisador do Ipea e professor da Universidade Cândido Mendes, comparou os gastos com pensão de 90 países e concluiu que o Brasil é o que mais gasta com pagamento de pensões. Na conta que inclui os valores desembolsados pelo INSS e também as pensões pagas ao funcionalismo público, a despesa já representa 3% do PIB do país.

— No resto do mundo, o gasto com pensões fica entre 1,2% e 1,5% do PIB.

O pesquisador ainda inclui na lista de problemas o aumento do número de homens que se casam com mulheres muito mais novas.

— Nove em cada dez pensões são recebidas por mulheres. Na época do meu pai, homem casava com uma mulher seis ou sete anos mais jovem. Ele morria por volta dos 60. Ela, que então tinha 53, vivia até os 70 e recebia a pensão por 17 anos. Hoje, o homem de 50 anos casa com uma mulher de 30. Quando ele morre, aos 70 anos, ela vai estar com 50 e com uma expectativa de vida de mais 30. O tempo de pagamento da pensão praticamente dobrou, e o Brasil não tem deságio para diferença de idade.

PEDÁGIO PARA ESPOSA MAIS JOVEM

Dados de registro civil levantados pelo pesquisador mostram que, entre 1980 e 2004, os casamentos de homens com mais de 54 anos foram os que mais aumentaram, atingindo uma taxa 82% maior do que os matrimônios de homens com 25 a 39 anos, grupo que tradicionalmente concentra maior taxa de uniões. Na outra ponta, também cresce o número de noivas mais jovens: mais de 80% dos homens com mais de 54 anos se casam com mulheres mais jovens.

Tafner explica que a Suécia e alguns países da Ásia adotam um redutor no valor da pensão, para cônjuges com diferença de idade superior a 15 anos. Outros, como a Argentina, exigem um tempo mínimo de casamento. É para evitar a prática cada vez mais comum de idosos que só se casam para deixar a pensão para alguém. Há ainda países em que a pensão só é paga quando há filhos menores e até que atinjam a maioridade.

— São boas medidas. No Brasil, além de ajustes na pensão, tem que diminuir o valor. Não para quem já recebe, mas quem se tornar pensionista daqui para frente não vai receber 100% da aposentadoria ou só vai receber enquanto tiver filho menor. Depois, o valor cai para 50% ou 60%. Se não fizermos nada agora para compartilhar o custo entre todos, chegará um momento que vamos ter que fazer como a Grécia, que parou de pagar benefícios.

Outro motivo de alerta são as aposentadorias por invalidez. Num dos artigos do livro, o pesquisador Marcelo Pessoa mostra que a despesa com esse benefício cresceu 146% acima da inflação entre 2002 e 2012, quando chegou a R$ 2,7 bilhões, ou 16,7% dos gastos previdenciários do país. Entre os motivos, o envelhecimento da população e a maior presença das mulheres no mercado de trabalho. A chance de uma mulher se aposentar por invalidez é 15% maior que a do homem. Mas a principal causa da alta dos gastos, segundo os especialistas, é o avanço do salário mínimo que subiu 76% acima da inflação no período. Valor de 70% de todos os benefícios pagos pelo INSS, o mínimo tem impacto em todas as contas da Previdência.

— A questão das pensões é um escândalo e a correção do mínimo precisa ser desvinculada do PIB. Não há economia que sustente um crescimento de benefícios maior do que a produtividade média — diz o especialista em contas públicas Raul Velloso.

EXCEÇÕES DA LEI

De 20% para 11%: Uma lei permite a redução de 20%, regra geral para todas as empresas, para 11% na tributação sobre o segurado contribuinte individual e facultativo. Para ter direito a essa redução, além de abdicar da aposentadoria por tempo de contribuição, o segurado deve contribuir somente sobre o salário mínimo. Seguindo essa mesma tendência, a Lei nº 12.470, de 31 de agosto de 2011, permitiu redução de alíquota para 5% sobre o salário mínimo para o microempreendedor individual e para as donas de casa sem renda própria. Isso vale aos segurados facultativos de baixa renda, que devem estar inscritos no cadastro único para os programas sociais do governo federal e ter renda familiar inferior a dois salários mínimos.

 

Por setor: Os exemplos mais conhecidos de alíquotas reduzidas se referem a entidades filantrópicas, micro e pequenas empresas que optaram pelo Simples, contribuição patronal do empregador doméstico, clubes de futebol e microempreendedor individual, entre outros.

Alíquotas maiores: Há também exceções para as quais se imputam alíquotas maiores. A mesma lei que reduz a contribuição a diversos setores estabelece que as empresas do setor financeiro recolham como contribuição patronal 22,5% sobre os salários dos seus empregados.

Desoneração da folha de pagamento: Dentro da política para estimular a economia, há a substituição da alíquota de 20% sobre a folha de salários por outra de 1% ou 2% sobre a receita bruta, a depender do setor. A intenção do governo com essa política é reduzir o custo tributário sobre a folha de pagamento e ampliar a competitividade nacional, dado que a contribuição sobre folha não incide sobre o produto importado, entre outros objetivos. Algumas destas mudanças tinham caráter provisório, enquanto outras são definitivas.

 

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Os especialistas não têm dúvida de que a fatura dos gastos com Previdência é paga por toda a população na forma de crescimento menor da economia, carga tributária elevada e falta de recursos para setores como educação e saúde.
— Não tem como sustentar esse ritmo de crescimento dos gastos previdenciários. Quanto mais o governo gasta nessa área, menos sobra para fazer investimento. E quanto menos se investe, menos o país cresce. Quanto mais tempo se levar para fazer a reforma da Previdência, mais rigorosa ela terá que ser — diz Paulo Tafner, do Ipea.

Ele lembra que hoje, para cada trabalhador aposentado, há outros 8,5 ativos contribuindo. Com as mudanças demográficas, em 2040 serão só 2,5. Sem reforma, o caminho para cobrir os gastos será elevar ainda mais os tributos.

— A sociedade vai pagar com reforma ou sem reforma. Ou se faz isso de forma compartilhada ao longo de 20 anos, ou faz de maneira abrupta ou não se faz. E deixa para as próximas gerações um volume de gastos tão alto que o risco é de os trabalhadores jovens e qualificados se revoltarem por pagar 40% a 45% do salário em impostos e se mudarem para outros países — diz Tafner.

Raul Velloso diz que a situação no Brasil é mais difícil, porque o país começou a envelhecer antes de se tornar um país rico. Mas, ainda assim, o problema precisa ser enfrentado.

— Nós estamos brincando com a questão fiscal, e as discussões que aparecem são para piorar. Eu tremo quando ouço falar em fim do fator previdenciário — diz, referindo-se à formula que faz com que quanto mais jovem a pessoa ao pedir a aposentadoria, menor o benefício concedido.

O fator foi a alternativa à idade mínima de aposentadoria, derrubada no Congresso. No serviço público a exigência foi implantada e, junto com a cobrança de contribuição previdenciária dos inativos, ajudou a conter o avanço dos gastos.

—Estamos abertos a discutir a reforma, mas queremos o fim do fato que prejudica quem começa a trabalhar muito jovem, que são os mais pobres. Queremos uma fórmula que junte a idade com tempo de contribuição — diz João Carlos Gonçalves, o Juruna, secretário-geral da Força Sindical. O Ministério da Previdência e a Central Única dos Trabalhadores (CUT) não quiseram comentar os dados do Ipea.