Tudo conspira para que a presidente Dilma não consiga se livrar tão cedo desse seu primeiro mandato, que custa a terminar. Vai ter muito mais trabalho do que imaginava para conseguir alterar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e estabelecer que para 2014 o superávit que valerá “é o melhor que conseguirmos fazer”, na definição do ministro Aluízio Mercadante.


Mesmo que seja um déficit, que o governo nega, mas os especialistas já vêm como dado. As dificuldades do governo começam pelo pedido de urgência para que o Congresso analise a questão, que está sendo questionado não apenas pela oposição, mas também pelos entendidos no tema, que é regulado pela Constituição.


No artigo 64 está previsto que o presidente da República tem poderes para requerer urgência na tramitação dos projetos de sua iniciativa, mas essa prerrogativa só se aplicaria a temas que tenham tramitação pelas duas Casas do Congresso, como os projetos ordinários.


O Orçamento, ao contrário, tem tramitação unicameral. Tanto que o assunto está sendo tratado na Comissão Mista de Orçamento, composta de deputados e senadores, e será votada em sessão do Congresso. Essa batalha vai acabar no Supremo Tribunal Federal pela disposição da oposição de colocar todos os obstáculos possíveis à atuação do governo.


Também a questão do não cumprimento da LDO pode levar a oposição a pedir uma punição para o governo, por crime de responsabilidade. Os dois casos não são pacíficos e o governo pode ganhar, mas o tempo é escasso e será preciso ter uma maioria sólida e leal para tocar os processos em ritmo de urgência até 31 de dezembro.


E aí a situação do governo se complica, pois ele terá que negociar o ministério em posição de fragilidade, e mais a sucessão na presidência da Câmara. No meio disso, existem mais de 200 deputados que não foram reeleitos e que têm poder até o final do mandato para barrar as ações do governo. Também eles estarão em busca de uma compensação pela derrota nas urnas.


A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) não sai rasgada desses dois episódios, mas fica em risco com o espírito que domina o Palácio do Planalto neste momento. O governo gastou mais do que podia e agora alega que o fez para manter o país na rota do crescimento, mas não obteve o crescimento e perdeu a credibilidade das suas contas.


A mudança do superávit é mais grave pela perda do instrumento da meta fiscal como âncora de expectativas do que por ferir a LRF. Como está sendo feito, na visão do economista Armando Castelar do Ibre da FGV do Rio, é o último prego do caixão da credibilidade fiscal. Também a mudança do indexador das dívidas de estados e municípios segundo ele poderia ser feita sem problemas, pois é um novo contrato, que pode ser escrito como as partes quiserem. Desde que não houvesse retroatividade. 


A questão é que neste caso o alívio seria menor e mais diluído no tempo. Se for uma mudança retroativa, vai pesar bastante na avaliação do rating, pois significa que daqui para frente estados e municípios vão contribuir menos para o superávit primário, ressalta Castelar. 


A mudança na LRF aprovada pelo Senado e que ainda precisa ser sancionada pela Presidente consiste na mudança do índice usado para corrigir a dívida. Esse índice era composto pelo IGP-DI mais juros de 6% a 9% ao ano. A proposta atual seria mudar o indexador para o IPCA mais juros de 4% ao ano, ou a taxa Selic, o que for menor no momento.


De maneira geral, é consenso entre os especialistas que os índices usados são inadequados no momento atual e que uma alteração era necessária. De fato, quando foram estabelecidos, esses índices eram bastante vantajosos em relação à Selic. As mudanças nas condições da LRF se justificam pela trajetória explosiva das dívidas de estados e municípios, que (em sua maioria) já não conseguiam pagar sequer seu serviço integralmente com o máximo de 13% de sua arrecadação permitidos por lei.


Contudo, segundo especialistas, as razões para a grave situação fiscal de estados e municípios não residem apenas na indexação inadequada de suas dívidas, mas também na irresponsabilidade de sua gestão fiscal nos últimos anos. Entre o início dos anos 2000 e 2007, os estados geravam um superávit de aproximadamente 1% do PIB ao ano; de 2008 para cá, esse percentual caiu para menos de 0,2%.


Mesmo com capacidade de endividamento comprometida, o Ministério da Fazenda permitiu, em alguns casos em regime de excepcionalidade, que os estados contraíssem novas dívidas. Em contrapartida, não houve aumento do investimento, e sim do custeio, particularmente com pessoal.

Correção
Na coluna de ontem escrevi que o Brasil paga cerca de 15% de juro real sobre a dívida líquida. Os números exatos, de acordo com o Ibre da FGV do Rio são 11,4% para 2014 e 12,3% para 2015. Isto é, em torno de 12%