O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) fechará acordo de leniência com empreiteira fornecedora da Petrobras e executivos, no qual os suspeitos admitem crimes econômicos e revelam a extensão do cartel que superfaturava obras na estatal. De acordo com o órgão, ligado ao Ministério da Justiça, há “evidências e documentos de investigação” relacionados a conluio nas licitações na petroleira. Processos no conselho já renderam multas bilionárias a cartéis.

Atualmente, há uma “negociação de acordo” após uma proposta feita pela Setal Óleo e Gás (SOG), do grupo Toyo Setal. O Cade não revela o nome dos executivos, mas Júlio Camargo e Augusto Mendonça já fecharam pactos de delação premiada com os procuradores da força-tarefa do Ministério Público da Operação Lava-Jato, que atuam em sintonia com o conselho. “Esse acordo é relacionado exclusivamente à prática ilícita de cartel”, explicou o Cade ao Correio.

O acordo de leniência inicia o processo para punir grandes empresas com multas bilionárias por formação de cartel. Em maio, o Cade puniu em R$ 3,1 bilhões o setor de cimento e, desde o ano passado, ainda investiga conluio no mercado de trens (veja memória). A lei antitruste prevê multas de 0,1% a 20% do faturamento das empresas. Ocorre que, segundo a Polícia Federal, construtoras, como a Odebrecht, a Camargo Corrêa e a OAS, firmaram contratos de R$ 59 bilhões com a Petrobras — o que permitira multas, em tese, de até R$ 11,8 bilhões.

Como mostrou o Correio em 24 de outubro, a abertura da investigação no Cade começou depois de encontros de procuradores da força-tarefa do Ministério Público Federal com o superintendente-geral do conselho, Eduardo Frade Rodrigues. Logo após as tratativas, o órgão passou a avaliar a formação de cartel para fraudar a Petrobras.

Superfaturamento
Em depoimento à 13ª Vara Federal de Curitiba, o ex-diretor da estatal Paulo Roberto Costa disse que um conluio de empreiteiras superfaturava contratos em 3% com o objetivo de financiar propinas para políticos e partidos — ele mencionou PT, PMDB e PP. Costa afirmou ainda que esse grupo de empresas combinava resultados em várias obras públicas, como usinas, rodovias, portos e aeroportos. “A Superintendência-Geral do Cade teve acesso, via compartilhamento, às evidências e documentos de investigação relacionados à prática de cartel denunciada”, informou a assessoria do órgão.

Em delação premiada ao MPF, o executivo Augusto Mendonça afirmou que as empresas participavam de um “clube” para definir quem ganharia cada licitação. Segundo ele, nas reuniões, havia “uma unicidade de pensamento muito grande”. Dentro do grupo, existia ainda um “clube VIP”, formado pelas empreiteiras mais poderosas e influentes, como Odebrecht, Camargo Corrêa e OAS, que teriam “poder de persuasão” para lotear a refinaria pernambucana de Abreu e Lima apenas para elas.

O Cade conduziu investigações paralelamente à Polícia Federal e ao Ministério Público. O objetivo é apurar crimes econômicos, previstos na legislação antitruste. Na PF e na procuradoria, apuram-se delitos como lavagem de dinheiro, corrupção, desvios de recursos públicos e organização criminosa. Apesar disso, há cooperação mútua entre as partes. O MPF tem feito uma espécie de “encaminhamento” dos executivos ao Cade quando é procurado por eles para fechar acordos de delação premiada. A Superintendência do conselho “está mantendo constante interação com a força-tarefa da Operação Lava-Jato para ter ciência e obter tais elementos, de forma a conduzir sua investigação no âmbito administrativo”.

A assessoria do Cade disse ainda não ser possível confirmar o início das negociações com a Toyo Setal e os executivos nem confirmar os nomes deles. “No momento, a investigação é conduzida por meio de inquérito sigiloso”, justificou. De acordo com o órgão, a informação sobre o acordo tem a autorização da Setal. A reportagem pediu esclarecimentos à empresa ontem, mas não obteve retorno dos contatos feitos.


Combate à corrupção
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Acordo de leniência
A empresa confessa infrações cometidas pela própria companhia e por outros concorrentes, como cartéis

A empresa se livra de sanções administrativas e econômicas

Só uma empresa do cartel, preferencialmente a primeira, pode fazer o acordo

A cooperação é assinada com o Cade


Delação premiada
O acusado confessa crimes cometidos por ela e por outros integrantes da organização criminosa

A pessoa tem reduzidas punições de crimes como corrupção e lavagem de dinheiro

Várias pessoas podem assinar o acordo, segundo o interesse da investigação

O acordo é assinado com o Ministério Público

 

 

Processo na CGU

 

 

O ministro Jorge Hage, titular da Controladoria-Geral da União (CGU), declarou, na tarde de ontem, que vai instaurar inquérito administrativo para apurar as irregularidades cometidas pelas empreiteiras envolvidas na Operação Lava-Jato. “Estamos só aguardando completar o compartilhamento de informações que pedimos à Polícia Federal”, disse Hage. “Concluída a análise desses elementos, vamos instaurar processos, muito provavelmente contra várias dessas empresas, senão todas”, afirmou, em entrevista coletiva, após participar da Conferência Lei da Empresa Limpa, em São Paulo.

Hage declarou ainda que a Petrobras é a maior vítima do escândalo. “A Petrobras é vítima nessa história, tanto de empresas e pessoas físicas como de agentes públicos que se deixaram corromper.” Ele salientou que algumas empresas envolvidas no escândalo já entraram em contato para tentar fechar um acordo de leniência para proceder o ressarcimento do dinheiro desviado.

Na semana passada, a CGU concluiu o relatório parcial da sindicância instaurada para investigar as relações entre a Petrobras e a empresa holandesa SBM Offshore, que atua no afretamento de plataformas de petróleo. O grupo estrangeiro confessou que pagou propina a funcionários da estatal petrolífera.

Com base nos resultados do relatório parcial, Hage determinou a abertura de processo de responsabilização da empresa, que poderá acarretar no impedimento de celebrar novos contratos com a Petrobras. Durante o processo, poderá haver a assinatura de acordo de leniência. A SBM inclusive já procurou a CGU para negociar um acordo.