Odair e Milton Geller, irmãos do ministro da Agricultura, Neri Geller (PMDB), tiveram prisões preventivas decretadas no âmbito da Operação Terra Prometida, da Polícia Federal (PF). Os dois, segundo investigações que já duram quatro anos, integram um esquema criminoso que movimentou R$ 1 bilhão em comercialização ilegal de lotes destinados à reforma agrária. Dois empresários envolvidos nas fraudes, que também tiveram as preventivas decretadas, doaram juntos R$ 600 mil para os comitês financeiros do PP em Mato Grosso, do PMDB em Tocantins e diretamente para o deputado Nilson Leitão (PSDB-MT) e Dirceu Camilo (PV-MT), que não se elegeu. O grupo investigado pela PF é formado por políticos, empresários, grandes produtores de soja, sindicalistas, servidores públicos e pistoleiros.

A estimativa é de que mil lotes tenham sido alvo da organização criminosa. Até o momento, 30 pessoas foram presas. A defesa dos irmãos Geller comunicou que eles se entregariam ontem, no entanto, até o fechamento desta edição, continuavam foragidos. A Polícia Federal tem informações de que Odair e Milton Geller, ex-prefeito de Tapurah e atualmente secretário adjunto de Agricultura de Mato Grosso, teriam utilizado laranjas e parentes para receberem pedaços de terra que deveriam ser utilizadas para a implantação de assentamentos rurais. Documentos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em poder dos investigadores comprovam as irregularidades.

A assessoria do Ministério da Agricultura comunicou que Neri Geller, que retornou ontem ao Brasil, não é alvo da operação. Em nota, no fim da tarde de ontem, a pasta afirmou que o ministro não acredita no envolvimento dos irmãos. “O ministro lamenta a presença de familiares entre os investigados e diz não acreditar na participação dos mesmos em qualquer irregularidade.” Conforme as investigações, os dois irmãos de Neri possuem pelo menos 15 lotes ilegais. Despacho do juiz federal Fábio Henrique Moraes de Fiorenza, à frente do processo, indica as manobras para driblar a lei. “Assim, não obstante as negativas, há indícios de que a família Geller possuiria diversos lotes no interior do PA Itanhangá, estando alguns em nome de parentes e outros até mesmo em nome de uma empregada doméstica do núcleo familiar.”

O Ministério Público Federal comunicou à Justiça Federal que as prisões eram necessárias porque havia o risco de que eles continuassem a cometer irregularidades ou destruíssem provas. Também integram a lista de prisões preventivas mais dois ex-prefeitos: Marino Franz (PSDB-MT), de Lucas do Rio Verde, e Vanderlei Proenço Ribeiro, de Itanhangá.

Marino foi cotado para ocupar a vice na chapa vitoriosa do governador eleito Pedro Taques (PDT-MT). Ele é um dos maiores produtores de soja do Brasil e considerado o empresário mais forte da região. “Sou amigo dele. Ele é um dos oito maiores homens do agronegócio no Brasil. O problema é que o Incra é uma corrupção. Todos são empresários rurais. Recebi doação dele e de outros porque sou defensor do setor. O Marino foi um prefeito de muito respeito. Lucas do Rio Verde tem o oitavo IDH do Brasil. É um empresário respeitado no país”, defendeu o deputado Nilson Leitão. Dirceu Camilo foi procurado, mas não localizado pelo Correio.

Outros políticos na mira da investigação são: o atual vice-prefeito de Itanhangá, Rui Schenkel, o “Rui do Cerradão”; o vereador em Itanhangá, Silvestre Caminski; e os ex-vereadores Gentil Piana, de Itanhangá, Joelson Nicoletti, de Ipiranga do Norte, e Valdir Sbabo, de Lucas do Rio Verde.

O empresário Natal Aparecido Deliberalli, apontado pela Polícia Federal como um dos líderes do esquema criminoso de compra de lotes, alvo da Operação Terra Prometida, foi denunciado pelo Ministério Público Estadual de Mato Grosso em 2003. De acordo com os promotores responsáveis pelo caso na época, Deliberalli integrava uma organização criminosa que se utilizava de liminares, obtidas em plantões judiciais, para fraudar o fisco.

Extensão
A Justiça Federal expediu 52 mandados de prisão preventiva e 146 mandados de busca e apreensão. Em Mato Grosso, a operação cumpriu mandados em Cuiabá, Várzea Grande, Nova Mutum, Diamantino, Lucas do Rio Verde, Itanhangá, Ipiranga do Norte, Sorriso, Tapurah e Campo Verde. A operação também se concentrou nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina.

“A investigação apurou que o grupo criminoso procurava obter uma verdadeira ‘reconcentração fundiária’ de terras da União. Com ações ardilosas, uso da força física e até de armas, compravam a baixo preço ou invadiam essas áreas”, diz nota distribuída pela Polícia Federal.

De acordo com a PF, para a manutenção do comércio ilegal e reconcentração de terras da reforma agrária, o grupo usou documentos falsos, ações de vistoria simuladas, termos de desistência fraudados e dados inverídicos incluídos no Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária (SIPRA/INCRA). Os investigados são suspeitos de crimes de invasão de terras da União, contra o meio ambiente, falsidade documental, estelionato e corrupção ativa e passiva. As penas podem chegar a até 12 anos de reclusão.


Entenda como funcionava o esquema
O grupo criminoso, formado por fazendeiros, empresários do agronegócio e servidores públicos, identificava e comprava abaixo do preço terras da União que tinham sido destinadas à reforma agrária.

Para a manutenção do comércio ilegal de terras, o grupo utilizava documentos falsos, ações de vistoria simuladas e termos de desistência fraudados. Dados inverídicos eram incluídos no Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária (SIPRA/INCRA).

Para incluir as informações falsas no sistema e acelerar os processos, o grupo subornava servidores do Incra. Desta maneira, grandes latifundiários, grupos de agronegócio e empresas multinacionais ocupavam ilicitamente terras da União que deveriam ser utilizadas para assentar famílias de agricultores.

Crimes cometidos
- Invasão de terras da União
- Falsificação de documentos
- Estelionato
- Corrupção ativa e passiva 

Números da operação
- 350 policiais federais
- 227 mandados judiciais
- 52 mandados de prisão preventiva
- 146 mandados de busca e apreensão
- R$ 1 bilhão é o valor movimentado irregularmente pela organização

Estados
- Mato Grosso (Cuiabá, Várzea Grande, Nova Mutum, Diamantino, Lucas do Rio Verde, Itanhangá, Ipiranga do Norte, Sorriso, Tapura e Campo Verde)
- Paraná
- Santa Catarina
- Rio Grande do Sul


Para saber mais

Pena de até 3 anos
Invadir terras da União, dos estados e dos municípios com intenção de ocupá-las é crime de acordo com a legislação brasileira. A pena prevista é de detenção de 6 meses a 3 anos. Na mesma punição, incorre quem invadir imóveis de órgãos ou entidades federais, estaduais ou municipais, destinadas à reforma agrária. No Brasil, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) é o responsável por identificar e desapropriar imóveis rurais que não cumprem a função social. Após a notificação do proprietário, o Incra procede a vistoria da área, paga as indenizações previstas em lei e inicia o processo de assentamento das famílias de agricultores.