Após cinco meses seguidos de resultados negativos nas contas públicas, o governo apresentou, em outubro, superavit primário (economia para pagamento dos juros das dívida) de R$ 4,1 bilhões. O valor, contudo, é o menor para o mês desde 2002. No acumulado dos 10 primeiros meses do ano, o governo central — formado por Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social — continua tendo um avanço maior das despesas em detrimento das receitas e registrou desempenho negativo de R$ 11,6 bilhões.

Entre janeiro e outubro, os gastos cresceram 12,6%, o dobro do avanço registrado nas receitas líquidas, de 6,3%. Só o rombo da Previdência atingiu R$ 315,5 bilhões nos primeiros meses de 2014, um crescimento de 8,8% em relação a 2013. As despesas do Tesouro Nacional tiveram acréscimo de 15,2% e as do Banco Central decresceram 16,2%.

A justificativa do governo para esse comportamento é que, apesar da crise, continua-se priorizando o investimento, o que leva as despesas a crescerem num ritmo mais acelerado. “Não faz sentido. É claro que o próximo ministro da Fazenda tem que acabar com isso. Você não pode aumentar as despesas de maneira indefinida”, argumentou o professor José Mathias-Pereira, especialista em contas públicas da Universidade de Brasília (UnB).

Apesar do resultado negativo para os 10 primeiros meses do ano, o secretário do Tesouro, Arno Augustin, garante que o governo é capaz de chegar, até dezembro, aos R$ 10,1 bilhões de superavit previstos na nova proposta orçamentária que o Palácio do Planalto luta para emplacar no Congresso Nacional. O secretário conta com meses de novembro e dezembro superavitários.

O comportamento das contas públicas em 2014 deve-se, conforme Augustin, ao “dinamismo menor da economia” e ao comportamento inesperado das receitas. “Nós optamos por não adotar uma política recessiva (durante a crise) e isso tem impacto fiscal”, disse.

Para tentar fechar as contas este ano, o governo reduziu, na proposta que está no Congresso, as expectativas de Receita. O pagamento de dividendos — a parte da União do lucro das estatais —, por exemplo, foi cortado de R$ 25,4 bilhões para R$ 18,5 bilhões. Para o ano que vem, fontes da Esplanada garantem que o corte no Orçamento de 2015 será ainda maior, entre R$ 50 bilhões e R$ 100 bilhões.

Resultado
O resultado ruim acontece a despeito da arrecadação de R$ 968,7 bilhões pela Receita Federal entre janeiro e outubro deste ano, que inclui R$ 10,4 bilhões do Refis. Além disso, R$ 17,7 bilhões já foram pagos em dividendos, R$ 3 bilhões a mais do que na mesma época do ano passado. Apesar disso, o peso das desonerações, o aumento dos gastos públicos e a ajuda à Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) — que deve ficar em R$ 10,5 bilhões no ano — puxam para baixo o desempenho.

“Há duas falhas principais na política econômica: na dinâmica do gasto, que não se equilibra nunca, e as receitas afetadas principalmente pela política desenfreada de desonerações”, opinou o professor Gabriel Leal de Barros, da Fundação Getulio Vargas (FGV). Não à toa, o plano do governo para o ano que vem é de arrocho, a começar pelo corte das despesas com alguns dos benefícios trabalhistas, como normas do seguro-desemprego e do abono salarial. Os gastos com o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) aumentaram 23,7%. Somente com o abono e o seguro-desemprego foram desembolsados R$ 47 bilhões até outubro, uma elevação de 23,8%. Só no mês passado, essas despesas aumentaram 109% na comparação com 2013.

O fraco resultado fiscal do país coloca em xeque a nota brasileira avaliada pelas agências de rating. Sem economias para pagar os juros da dívida, o montante cresce e os títulos soberanos ficam desacreditados no mercado externo. “O Brasil vem criando as condições adequadas para sair desse seleto clube de países que são recomendados como atraentes para investidores pelas agências”, opina o professor Mathias-Pereira. O anúncio de uma nova equipe econômica, previsto para esta semana, contudo, pode aliviar uma avaliação negativa. (Colaborou Rosana Hessel)

Ortodoxia é normal 

O anúncio do resultado primário de outubro deve ser o último realizado pelo atual secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin. Apesar de evitar falar sobre o assunto, ele avaliou os oito anos de gestão como um período de “avanços importantes”. Augustin considera “absolutamente normal” a nomeação de uma nova equipe econômica mais ortodoxa. “É normal que num primeiro ano de mandato haja uma contenção. Acho inclusive que isso é importante porque a máquina pública, se você deixar, tende a se autoalimentar. É importante, de tempos em tempos, ter um reajuste”, disse. Apesar de muitos dos especialistas acreditarem na iminência de um rebaixamento pela agências de rating, Augustin confia na credibilidade do país no exterior e minimizou ainda a revisão, para baixo, da Standard&Poor’s. “Em alguns governos, houve sete rebaixamentos. Os Estados Unidos tiveram outlook negativo esse ano”, completou.