Garantido o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, os esqueletos começam a sair do armário. Em entrevista ontem, em São Paulo, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, que não estará no cargo no ano que vem, admitiu que a União terá que reduzir despesas que estão crescendo, como o seguro-desemprego, abono, auxílio-doença e pensão por morte, para ajustar as contas do governo.Segundo ele, o gasto com essas rubricas representa algo em torno de R$ 160 bilhões por ano. "Nos próximos anos, precisamos que essas despesas estejam em declínio e temos também que recuperar as receitas", afirmou.
Outra questão, também negada durante o período de campanha eleitoral, a redução do papel dos bancos públicos na política econômica, foi assumida por Mantega. Ele disse que os cortes de despesas em estudo pelo governo deve envolver a redução de subsídios financeiros. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) foi citado como um exemplo de onde poderia ocorrer cortes. O BNDES tem uma série de programas de financiamento com juros abaixo da Selic, incluindo a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) e recebido injeções de recursos do Tesouro Nacional.
Para justificar a reviravolta, o ministro explicou que o papel dos bancos públicos no crédito é "fundamentalmente" anticíclico e lembrou que, na fase mais aguda da crise financeira internacional, o crédito privado secou e foi preciso que os bancos públicos assumissem um protagonismo. Mantega ressaltou, no entanto, que espera que a partir de um novo ciclo de crescimento os bancos privados liberem mais crédito e os públicos não precisem ser tão ativos nessa área. Ele insistiu que não é uma estratégia do governo uma maior participação dos bancos públicos no crédito e sim uma questão de política anticíclica.
Os comentários do ministro ocorrem em um quadro de profunda deterioração das contas públicas, com deficit primário recorde em setembro. O governo precisa revisar sua meta de superávit primário para este ano e deve fazer o mesmo para 2015. Mesmo assim, serão necessários cortes de despesas para equilibrar as contas. Em sua apresentação, o ministro disse que o desafio agora é "fazer a transição para a economia pós-políticas anticíclicas", em preparação para um novo ciclo de expansão da economia mundial e brasileira. "A estratégia macroeconômica para iniciarmos esse novo ciclo é um ajuste tanto da política fiscal quanto da política monetária", disse.
Reação
Em nota, o presidente da Força Sindical, Miguel Torres, disse que causaram perplexidade e estranheza as declarações do ministro sobre a redução de despesas como seguro-desemprego, abono e auxílio-doença. Para Torres, Mantega age como Robin Hood às avessas: "para fazer superavit primário, devido a juro alto, quer tirar direitos dos trabalhadores e oferecer benefício a especuladores".
De acordo com a nota, a Força Sindical considera inadmissível que o ministro da Fazenda, em fase de despedida do governo, queira fazer os trabalhadores pagarem a conta de políticas econômicas equivocadas, que sempre visam privilegiar os especuladores em detrimento da produção e do emprego.
» Resistência
A declaração do ministro da Fazenda, Guido Mantega, de que o governo precisará reduzir gastos - hoje crescentes - com seguro-desemprego, abono e auxílio-doença esbarra em algumas questões: a resistência dos trabalhadores, que querem ser ouvidos sobre qualquer decisão; a necessidade de qualquer medida como essa precisar da aprovação de deputados e senadores; e o racha dentro do próprio governo. Enquanto a Fazenda defende alterações desde o ano passado, como forma de racionalizar a concessão de benefícios e fechar brechas para fraudes, no entender do Ministério do Trabalho, alterar essas regras seria como mexer em direitos do trabalhador.
Impacto reduzido
Um dia depois do aumento de 3% no preço da gasolina e de 5% no óleo diesel nas refinarias, represado pelo governo até o fim das eleições, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, presidente do Conselho de Administração da Petrobras, informou que o impacto do aumento na inflação será pequeno, de apenas 0,1 ponto percentual.
Sobre o percentual de reajuste nos combustíveis, considerado baixo pelo mercado frente às necessidades da estatal e às perdas acumuladas pela petroleira no ano, o ministro se limitou a dizer que "não discute o preço da gasolina nem a situação da Petrobras".
Mantega, no entanto, comemorou o resultado do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), de 0,42%, divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que ficou abaixo do mês anterior. Mesmo o indicador, em 12 meses, tendo ficado acima do teto da meta estipulada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que é de 4,5%, com margem de 2 pontos percentuais para cima ou para baixo.
"Estamos em uma boa trajetória", avaliou Mantega. Segundo ele, problemas que afetaram a economia neste ano, como a estiagem, as restrições ao crédito, os eventos como a Copa do Mundo e as eleições, não deverão atrapalhar a economia no próximo ano. Diante disso com recuperação prevista das commodities (produtos primários com cotação no mercado internacional) e maior facilidade ao consumo deverão resultar em crescimento das atividades. Esses fatores tiveram alguma interferência, mas são problemas passageiros.