Gente sorridente, plataformas operando a pleno vapor, sons e imagens impecáveis. Há cinco anos, as propagandas da Petrobras na tevê eram dignas da maior empresa brasileira e a oitava do mundo. Conseguiam emocionar e provocar um nacionalismo embalado pela euforia da descoberta das gigantescas reservas do pré-sal, uma camada nas profundezas do oceano que guardava petróleo e, com ele, “um outro país”, como definia um dos anúncios exibidos à época.
Ao virar sexagenária, no ano passado, a estatal toda-poderosa perdeu a majestade. Degringolou. Em vez de fazer festa, teve de se preocupar em montar gabinetes de crise às pressas. Passou a ser investigada no Brasil e nos Estados Unidos. A lama das denúncias de corrupção se espalhou como vazamento de óleo sobre o mar, com o mesmo auê das pomposas conquistas. Desde 2007, ano do anúncio do pré-sal, a Petrobras perdeu R$ 247,4 bilhões em valor de mercado, além de um prestígio incalculável.
Como a petroleira protagonista do maior descobrimento de óleo e gás em duas décadas no mundo conseguiu arranhar tanto a própria imagem? Como a empresa responsável, em 2010, pela maior capitalização da história do mercado de capitais — R$ 120,3 bilhões — deixou a credibilidade definhar tanto? A resposta pode ser tão simples quanto embaraçosa: a submissão a interesses políticos do governo federal — seu acionista controlador — e de seus aliados.
De uma das marcas mais admiradas no mundo, a Petrobras conquistou a façanha de se tornar líder mundial em perda de valor de mercado: de 2007 até este mês, a queda foi de quase 60%, segundo levantamento feito pela consultoria Economatica a pedido do Correio. Nesses sete anos, o valor médio das ações da companhia despencou para abaixo da metade. Hoje, a orientação é fugir dos papéis que por tanto tempo serviram de porta de entrada para os estreantes em renda variável.
O tombo provocado pelas denúncias de gestão temerária não se restringiu ao universo do mercado financeiro. A redução da nota de crédito da empresa pela agência de classificação de risco Moody’s, no mês passado, devido ao “alto grau de endividamento”, e à investigação por parte do governo dos Estados Unidos e da Securities Exchange Commission (SEC) — a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) norte-americana —, deixaram clara a magnitude do estrago. Um efeito futuro poderá ser o encarecimento das suas próximas capitalizações internacionais.
Primazia de comando técnico é corrompida
Dominada pelo aparelhamento político, a Petrobras não teve condições de se manter no topo das maiores empresas do país, agora em terceiro lugar, atrás da AmBev e do Itaú. “O que restou da empresa foi um corpo técnico de alta qualidade, mas, ainda assim, com a autoestima lá embaixo”, observou o diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), Adriano Pires.
A Petrobras se ressentiu com situações que vão do represamento de preços dos combustíveis para segurar a inflação e ajudar a reeleição da presidente Dilma Rousseff ao desenrolar do maior esquema de corrupção do Brasil, apelidado de Petrolão. “A empresa foi capturada pela política: deixou de ser dos brasileiros e passou a funcionar para atender partidos e um projeto de poder. Vê-la nas páginas policiais é o fim do mundo”, completou Pires.
A apuração dos malfeitos na estatal por órgãos internacionais, como o Departamento de Justiça dos Estados Unidos e a Securities and Exchange Comission (SEC), órgão regulador do mercado de capitais norte-americano, constrange a história da empresa. No entender do professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Adilson de Oliveira, especialista no setor petrolífero.
“Depois de ter navegado décadas de adversidades, como a hiperinflação e os choques externos do petróleo, e de se tornar referência mundial em gestão, atingindo o auge de suas possibilidades com o pré-sal, a companhiachega a um quadro impensável”, comentou. Ele estranha, sobretudo, o fato de as estratégias e os negócios da estatal sempre primarem pelo trâmite em ao menos três níveis técnicos antes de chegar às mãos da diretoria executiva, para a decisão final.
Em nota divulgada ontem, a Petrobras informou que desconhece qualquer investigação que esteja sendo feita pela Justiça dos EUA ou pela SEC, tendo em vista denúncias efetuadas na Operação Lava Jato, da Polícia Federal.
Paulo Roberto Costa, pivô do escândalo que pode ter desviado R$ 10 bilhões dos cofres da estatal, foi longe de mais. O presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), ministro José Augusto Nardes, anunciou esta semana que já existirem indícios de pelo menos
R$ 3 bilhões do montante surrupiado. Como diretor de abastecimento, Costa permaneceu na cúpula da Petrobras de 2004 a 2012.
O tempo foi suficiente para que o engenheiro formado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) comandasse transações nebulosas, como a bizarra compra de uma refinaria em Pasadena (EUA), por um preço exorbitantemente maior que o de mercado. O negócio levou a um prejuízo estimado pelo TCU em quase US$ 800 milhões. Na construção da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, o superfaturamento seria de R$ 367 milhões.
No mês passado, em resposta a um pedido de explicações feitos pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a estatal informou que estuda medidas jurídicas para recuperar os “danos sofridos”. Enquanto isso, ações de quem não segue a cartilha da boa gestão viram pó. “O mercado não perdoa”, resumiu um gestor de fundos.