A tentativa do governo em flexibilizar o cumprimento das metas fiscais sofreu duras críticas de políticos de oposição e até do presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Augusto Nardes, que acusou a equipe econômica de adotar o “improviso” como regra na condução das contas públicas. “Não queremos mais essa questão de atropelo, do jeitinho, de liberar recurso apenas nos últimos dias do ano para o governo fazer caixa e acertar suas contas”, disse o ministro ontem, em visita ao Congresso. O senador Aécio Neves (PSDB/MG) afirmou que estuda medidas cabíveis na Justiça contra a manobra do governo.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi mais implacável nos ataques à política fiscal. “Pior a emenda do que o soneto”, disparou o político do PSDB, acrescentando que o projeto que altera a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), encaminhado na terça-feira pelo Executivo ao Congresso, representa mais um “gol contra” da presidente Dilma Rousseff. “É um drible que não dá certo, que só mostra a incompetência em gerir a economia”, disse, durante palestra ontem em São Paulo.

FHC comparou o desempenho das contas públicas à acusação, pelo PT, de que os tucanos teriam quebrado o país três vezes, um bordão repetido à exaustão durante o segundo turno da campanha eleitoral. “A Dilma falou que eu quebrei o país três vezes, não sei quando. Agora é ela quem está quebrando o país”, retrucou o tucano, citando os dados ruins da política fiscal.

O ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, por sua vez classificou como “exemplar” o desempenho fiscal do governo em meio à desaceleração da economia mundial. “Apenas cinco países do G20, incluindo o Brasil, tiveram superavit primário em 2013”, disse o ministro, citando que, enquanto os países do grupo aumentaram, em média, 30% a dívida bruta, o Brasil a manteve estável e reduziu a líquida.

Dívida sem-fim
Não é o que os dados revelam. No ano, a dívida líquida aumentou três pontos percentuais, de 33,1% do Produto Interno Bruto (PIB), em janeiro, para 36%, em setembro. Pior do que isso. Em vez de guardar recursos para pagar os juros da dívida pública, o governo está no vermelho. Até setembro, o deficit já chega a R$ 15,3 bilhões, segundo dados do Banco Central. Como a meta de economizar R$ 99 bilhões até o fim do ano não será alcançada, o Executivo teve de enviar um projeto de lei alterando a LDO de 2014 para evitar descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Ontem, porém, o relator da Comissão Mista de Orçamento (CMO), senador Romero Jucá (PMDB-RR), pediu ao governo para reenviar o projeto, em caráter de urgência constitucional. A medida permitiria ao Congresso avaliar o tema sem que os prazos processuais trancassem a pauta de votação, segundo Jucá. “Estou com o parecer pronto. Se tiver urgência, posso entregar amanhã (hoje)”, disse o senador.

Para ele, a demora em votar a LDO poderia paralisar o governo, a exemplo do que ocorreu nos EUA, em 2013, quando o Congresso não votou a tempo o Orçamento do ano seguinte, forçando o governo a cruzar os braços por alguns dias. “O mesmo pode acontecer aqui. O país vai ter que suspender todos os pagamentos para realizar o superavit”, ameaçou.

O líder do governo no Senado, Humberto Costa (PT-PE), defendeu a flexibilização das metas e traçou um cenário pessimista para a economia e inclusive para os interesses dos congressistas. O senador alertou que se a proposta não for aprovada, será difícil o pagamento do orçamento impositivo, pelo qual o Executivo é obrigado a fazer os investimentos pedidos por meio de emendas parlamentares.

Para 2015, porém, os problemas são menores, já que a CMO aprovou o relatório preliminar do senador Vital do Rêgo (PMDB-PB) sobre a LDO do próximo ano. Ficou estabelecido que as emendas ao projeto poderão ser apresentadas até a próxima quinta-feira (20). Agora, o Congresso volta as atenções para tentar aprovar também a peça deste ano. “Queremos que todos deixemos de lado as paixões políticas e encaremos este momento com a responsabilidade que os brasileiros esperam de nós”, alertou Costa.

 

 

Aécio estuda medida legal

 

 

 

 

O senador Aécio Neves (PSDB-SP) criticou na tarde de ontem a proposta enviada pelo governo federal ao Congresso Nacional que altera as metas e o cálculo do superavit primário para 2014 — recursos reservados para pagamento de dívidas. “Daqui por diante, não existe mais lei. Esse é um dos tripés fundamentais da macroeconomia brasileira, que está sendo mais uma vez desrespeitada por este governo”, criticou o tucano. O senador disse que, “perdulário”, o governo não tem “autoridade moral” para enviar a proposta ao Congresso e fez ainda um apelo aos colegas parlamentares: “Espero que o Congresso se respeite, respeite as suas prerrogativas e impeça essa violência, que na verdade é o atestado definitivo de fracasso da condução da política econômica”.

Reação
“Nós vamos discutir, inclusive do ponto de vista judicial, quais as medidas cabíveis ante a iniciativa do governo. A presidente da República incorre em crime de responsabilidade se não cumprir a meta aprovada pelo Congresso Nacional”, anunciou. Neves disse ainda que Dilma Rousseff (PT) teria de devolver o mandato caso existisse um “Procon eleitoral”. Aécio criticou ainda as explicações da ministra do Planejamento, Miriam Belchior, para a necessidade de revisão do superavit primário. “O governo tem de ter a humildade de dizer que fracassou, que falhou.”