GETÚLIO VARGAS - A jovem professora Marta Koswoski, então com 22 anos, não conseguia acreditar na notícia que ouviu. Luiz Inácio Lula da Silva havia perdido o pleito de 1989 e o novo presidente da República seria Fernando Collor de Mello. Todo seu esforço nos últimos meses, tentando convencer amigos, familiares e conhecidos a votarem no sindicalista, fora em vão. Foram três dias até ela conseguir pensar no assunto sem que lágrimas brotassem nos olhos. Hoje, 25 anos depois, ela lembra desse período com uma emoção bem distinta. "Eu ainda não tinha amadurecido, não entendia o que era o PT. Quando entendi, nunca mais votei nesse partido."

Marta continua dando aulas na rede pública de Getúlio Vargas, uma pequena cidade gaúcha de 20 mil habitantes, na região de Passo Fundo. Essa localidade faz parte de um grupo de apenas 13 municípios no Brasil que, desde 1994, sempre votou majoritariamente nos candidatos a presidente que perderam as eleições. Em 1994 e 1998, Getúlio Vargas foi uma das poucas cidades brasileiras que preferiu Lula (PT) a Fernando Henrique Cardoso (PSDB) no 1.º turno. E, em 2002, quando o Brasil votou em massa no petista, os getulienses mudaram de lado e passaram a escolher os candidatos do PSDB, o que se repetiu desde então em todas as eleições presidenciais. Este ano Aécio Neves (PSDB) ganhou ali com folga, atingindo 64% dos votos válidos no 1.º turno.

 

Todas as 13 cidades brasileiras que nunca conseguiram eleger o presidente em que votaram majoritariamente são gaúchas vivem da agropecuária e ficam próximas umas das outras. Getúlio Vargas está entre as maiores - só perde para Tapejara, a menos de 40 km de distância. São municípios de renda e escolaridade acima da média brasileira. Nas ruas, chama a atenção a quantidade de lojas grandes e de restaurantes e bares sofisticados para uma cidade desse porte. De certa maneira, a trajetória das convicções políticas da professora Marta resume a mudança que ocorreu nesses municípios. Eles, por sua vez, compõem um retrato simbólico de como a realidade local e a geografia são determinantes para se entender as diferenças no comportamento político pelo território brasileiro.

 

Brizola. "Nas primeiras eleições para presidente, todo mundo por aqui votou no Lula. O PT ainda era muito bem visto, tinha a imagem de um partido ético e que defendia os trabalhadores. E o (Leonel) Brizola apoiava ele, né?", conta o vereador getuliense mais antigo, Eloi Nardi (PP), de 78 anos, atualmente no seu sétimo mandato. 

 

Brizola (1922-2004), ex-governador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro, é peça fundamental para explicar a preferência pelo PT no interior gaúcho nos anos 1990. Nascido em Carazinho, também na região de Passo Fundo, ele conquistou o eleitorado do seu Estado ao ampliar o acesso ao ensino fundamental e médio e incentivar a reforma agrária. Seu retorno ao Brasil após o exílio na ditadura militar acendeu a esperança dos seus conterrâneos em vê-lo presidente da República. 

 

"Ele ganhou aqui em 1989, com certeza", diz Eloi, aumentando o recorde negativo de Getúlio Vargas em pelo mais uma eleição presidencial - o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não divulga os dados municipais dos pleitos anteriores a 1994 em formato digital.

 

A última eleição em que o PT ganhou nas 13 cidades "do contra" foi em 1998, quando Brizola foi o vice na chapa de Lula. Depois disso, o desgaste do governo petista de Olívio Dutra (1998-2002) no Rio Grande do Sul e o apoio de Brizola a Ciro Gomes (então no PPS) na disputa presidencial rachou o eleitorado da cidade. Pela primeira vez, o candidato do PSDB à Presidência, José Serra (PSDB), ganhou nesses municípios, bem no ano em que 26 dos 27 Estados brasileiros se pintaram de vermelho - apenas pouco mais de um quarto das cidades do Brasil preferiram o candidato tucano em 2002. 

 

Desde então, a morte de Brizola, as políticas sociais dos governos petistas e escândalos como o mensalão afastaram de vez o eleitorado dessa região dos candidatos do PT. A professora Marta, que diz ter admirado Cuba e Che Guevara na época de petista, hoje afirma ser contra o Bolsa Família e outros programas sociais do governo federal da maneira como são feitos. "O povo aqui em Getúlio é muito trabalhador. Esses auxílios também deveriam incentivar que as pessoas trabalhassem e dependessem menos do governo", afirma. 

Outro que mudou para a oposição ao petismo é o vereador Nelson Rogalski (PP). Eleito para a Câmara pelo PT em 2000, ele credita o antipetismo predominante em Getúlio Vargas à administração da cidade feita pelo PT, em um governo que começou naquele mesmo ano. Outro motivo que o afastou do partido é o processo de demarcação de uma reserva indígena na região. "Querem tirar agricultores que estão aqui há décadas, trabalhadores. Estão falsificando laudos e documentos para dar essas terras aos índios. E o PT apoia esse absurdo."

 

O ex-prefeito petista, Dino Giaretta, de 57 anos, rebate as críticas à sua gestão e ao seu partido. "Fomos tão mal avaliados que acabamos reeleitos em 2006 sozinhos, com todos os outros partidos lutando contra", ironiza. Ele credita a guinada do eleitorado à união de antigas forças políticas tradicionais, que haviam rachado no começo da década. "O PP e o PMDB estavam divididos antes, e isso fez com que fosse possível que nós ganhássemos naquela ocasião. Mas você sabe como é, a cidade tem um conservadorismo muito forte. Falam muita bobagem por aí, demonizam o PT como se representássemos o mal, mas a cidade tem Bolsa-Família, tem PROUni, tem Mais Médicos. Há críticas que devemos assimilar sim, mas que exageram, exageram."

Um em quatro municípios crava eleito

Quase um quarto das cidades brasileiras - 1.299 municípios - sempre votou no candidato que ganhou as eleições presidenciais desde 1994. O alto número tem duas principais razões. A primeira é que, normalmente, o vencedor ganha na maioria dos municípios - embora isso não seja obrigatório para se eleger presidente.

 

A segunda é que a divisão geográfica do voto no País começou há apenas três eleições. De 1994 a 2002, quando a polarização PT-PSDB passou a dominar as disputas, não houve uma clara divisão do território.

 

Nesse primeiro ano, Fernando Henrique Cardoso (PSDB) ganhou em todos os Estados, exceto no Rio Grande do Sul. Em 1998, voltou a ganhar em praticamente todo o País - Lula (PT) venceu no RS e no Rio, e Ciro Gomes (então no PPS), no Ceará. Em 2002, a cor do Brasil se inverteu. Lula só perdeu em Alagoas.

 

A preferência pelo candidato de um partido específico passou a ter contorno geográfico só em 2006, quando as políticas sociais de Lula o ajudaram a conquistar um eleitorado fiel nas áreas mais pobres. Foi então possível dividir o mapa em uma área majoritariamente petista, concentrada no Nordeste e parte do Norte, e uma mais tucana, espalhada pelo Centro-Oeste, Sudeste e Sul.

 

Essa divisão se repetiu em 2010 e 2014, em intensidades diferentes. Isso ajuda a explicar por que a maioria (57%) dos 1.299 municípios que sempre votou no vitorioso está no Nordeste - essa região acompanhou o País no voto em FHC em 1994 e 1998 e em Lula em 2002, e desde então sempre apoiou candidatos do PT ao governo federal.

 

No mapa também se destacam cidades do interior da Amazônia, do norte de Minas e da área de maior concentração indígena de Mato Grosso do Sul. Por outro lado, Estados que desde 2006 preferem o PSDB registram poucos municípios que sempre acertaram o vencedor. Santa Catarina só tem duas cidades nesse perfil, e apenas 26 dos 645 municípios paulistas se encaixam nessa descrição. / R.B.