A pesquisadora do Ipea Ana Amélia Camarano juntou mais de duas dezenas de especialistas em diversas áreas do instituto para estudar os efeitos da redução da população brasileira. Suas projeções reforçam o alerta sobre as consequências do superenvelhecimento: teremos uma força de trabalho menor e mais idosa.

O que acontecerá em 2050?

Teremos uma população superenvelhecida e uma diminuição da força de trabalho, a metade com 45 anos ou mais. As condições de saúde estão melhorando. Costumo dizer que não estamos envelhecendo, estamos rejuvenescendo. A Organização Mundial de Saúde diz que o envelhecimento funcional começa aos 45 anos. É o único segmento etário que crescerá a partir de 2045. Uma força de trabalho menor e mais envelhecida precisa de aumento de produtividade. E isso se consegue com inovações tecnológicas e educação. Escolaridade é o caminho.

Quando a maioria da população terá 45 anos ou mais?

Em 2050, a população em idade ativa (15 a 65 anos) será de 135 milhões, o mesmo de 2013. Essa população cresce até 2030 e começa a cair em 2035. Só que teremos uma composição etária diferente. Em 2014, na força de trabalho, há 33,8% com mais de 45 anos. Em 2050, serão 52,4%.

Teremos que usar mão de obra mais velha, mas há um certo preconceito.

Não há alternativas. A primeira coisa que as pessoas pensam é em fixar uma idade mínima para aposentadoria. Mas não se pode adiar a idade de se aposentar se não houver política de capacitação continuada e saúde ocupacional. Essa população tem altas taxas de absenteísmo por doenças. Por isso o preconceito. Temos que trabalhar isso ou vamos ter os "nem nem" maduros (pessoa com mais de 55 anos que não trabalha nem é aposentada).

Quais os outros reflexos da nova população?

Muda também o perfil epidemiológico. População mais velha tem mais doenças crônicas não letais, mas que são de alto custo e que podem levar à incapacidade. Hipertensão arterial, problemas de coluna, no sistema osteomuscular, neoplasias, diabetes. O livro mostra o aumento das aposentadorias por invalidez por isso.

Quais doenças diminuem com o novo perfil?

As infectocontagiosas afetam mais as crianças, mas há menos crianças. Há ainda uma proporção elevada de morte de homens de 15 a 29 anos. De cada cem rapazes de 15 anos, quatro não completavam aniversário de 30 anos. As causas externas são principalmente trânsito e homicídios. Reduzir essa mortalidade aumenta a força de trabalho.

Essa nova composição populacional é boa ou ruim?

As muitas crianças dos anos 1960 e 1970, do Baby boom , estão envelhecendo. Se a população cresce muito é ruim porque há muita criança, se a população não cresce é ruim porque há muito velho. E aí como fica? O livro é uma interrogação. O regime demográfico é novo, mas a relação é antiga, pois se continua vendo a população como um problema.

Vendo como um problema ou é um problema?

Vendo como um problema. Uma população não é ruim nem boa. Ruim ou boa é a maneira como a sociedade escolhe para lidar com isso. A sociedade tem que se ajustar à população. E não a população se adequar à sociedade.

É possível mudar o perfil demográfico? Em 1960 e 1970 se previa uma explosão populacional que não houve.

Eram Baby boomers . Eles criaram os mecanismos para reduzir a fecundidade, mudaram as relações familiares. Essa geração Baby boomer , a maior que já houve, criou as condições para que as seguintes fossem diferentes. E agora está criando mecanismos para cuidar da velhice. O Estado precisa oferecer serviços para que a mulher possa compatibilizar carreira e maternidade. Temos que valorizar mais os filhos e, a partir daí, conseguir mecanismos para que a mulher compatibilize carreira com maternidade e cuidado de idosos. O Estado passou a responsabilidade do cuidado do idoso à família.

É uma tendência mundial de envelhecimento?

É, e também de diminuição da população. E a diminuição no Brasil está garantida pelo menos pelos próximos 30 a 40 anos.

Por que estamos fadados a isso, mesmo que a taxa de fecundidade cresça?

Estamos com taxa de fecundidade abaixo da reposição desde 2000 (menos de 2,1 filhos por mulher em idade reprodutiva). Quem garante o crescimento são as mulheres de 15 a 49 anos, em idade reprodutiva. Mesmo que tenham mais filhos, vão ter menos filhos no conjunto. Até que essas filhas entrem em fase reprodutiva são 30 anos. Até 2060, a população vai cair, isso se a fecundidade aumentar. Ou então pode cair por muito mais tempo. Depende de quando a fecundidade vai voltar a subir e se vai subir.

O que fazer para a fecundidade voltar a subir?

Tem de haver políticas de gênero. O único lugar em que isso tem dado resultado é na Escandinávia. Não adianta ter licença de nove meses, como na Itália, se as mulheres não deixam o mercado de trabalho porque prejudica a carreira. Na Escandinávia, tem um mês de licença para pai e mãe e, depois, 12 meses para o cuidador da criança, que pode ser mãe, pai, avó. Não há interrupção muito grande da atividade. Depois de 13 meses, a criança vai para a creche.

O Brasil já precisa de incentivo à natalidade?

Claro. O que está acontecendo é que a taxa de fecundidade está acima da reposição apenas entre os 20% mais pobres. Em 2010, a população já tinha diminuído nos quatro estratos de renda, menos entre os mais pobres. Mesmo assim, a taxa de fecundidade vem caindo nesse grupo, está em 2,7 por mulher. Nossa projeção é que a taxa de fecundidade caia até um filho por mulher no fim da década de 2040. Hoje, muitas famílias optam por não ter filhos e há um novo modelo de família, o Dink (dupla renda e nenhum filho). O novo paradigma demográfico é família de filho único, superenvelhecimento, esperança de vida elevada e outro perfil epidemiológico. Hoje, está difícil morrer. Nasce cada vez menos e morre cada vez menos, e aí, vamos ser imortais? Vamos nos extinguir como população?

Como fazer no Brasil?

Tem que investir muito em crianças que estão nascendo nas camadas mais pobres, em educação integral.