A presença de um grupo de estrangeiros falando línguas diferentes e discutindo a movimentação de tropas na Europa é uma das primeiras memórias que Beatriz Maria de Castro Vocurca, de 80 anos, tem de sua infância em Juiz de Fora. Aos 7 anos, mesmo sem entender o que estava se passando durante a Segunda Guerra Mundial, ela acompanhou de perto as reuniões de seu pai –imigrante alemão que trabalhava na Prefeitura de Juiz de Fora – com integrantes do grupo do professor Hermann Mathias Görgen. Historiador e filósofo alemão. Görgen planejou a vinda de um grupo de 48 judeus e perseguidos políticos do regime nazista para Minas, em 1941.


“Meu pai, Hugo Vocurca Filho veio para o Brasil durante a Primeira Guerra e era o chefe de obras da prefeitura. Na década de 1940, já bem adaptado por aqui e como era um dos poucos que falavam alemão, foi escolhido para orientar aquele grupo de refugiados quando eles chegaram no interior mineiro. Eles se reuniam em nossa casa quase toda noite, estudavam mapas da Europa, discutiam muito sobre a guerra e os avanços de militares, falavam francês, alemão e, às vezes, português ”, explica Beatriz, hoje residente na Região da Savassi, em Belo Horizonte. Ela entrou em contato com a reportagem do Estado de Minas depois de ler a série sobre o grupo Görgen, publicada pelo jornal desde domingo.


Seu pai manteve contato com o professor alemão após ele retornar para a Alemanha, na década de 1950, e sua família visitou Görgen e sua mulher Dori Schindel, em Bonn. “A passagem deles pelo Brasil foi cheia de momentos tensos. Era um sentimento de insegurança, tanto pela situação pela qual passava a Europa, como pela necessidade de se adaptar em um lugar que eles não falavam a língua local e não conheciam bem os costumes. Eles também não conseguiam manter contato com parentes que ficaram em seus países, porque era perigoso. O professor era uma liderança importante para aqueles recém-chegados. Um homem culto e educado que conseguia cativar as pessoas”, lembra Beatriz. Ela conta que ouviu parte das conversas escondida, já que as crianças não participavam das reuniões que despertavam grande curiosidade.


A série de reportagens resgatou a história do grupo de exilados judeus e perseguidos políticos que contou com a ajuda Hermann Görgen para escapar da morte quase certa nas mãos do regime nazista. Ele conseguiu montar uma fábrica em Juiz de Fora para receber os integrantes de seu grupo e, assim, conseguir o visto de entrada no Brasil. Estratégia semelhante à do industrial Oskar Schindler, conhecido depois que sua façanha para salvar mais de 1 mil judeus dos campos de concentração chegou aos cinemas no filme A lista de Schindler, dirigido por Steve Spielberg. 

EXEMPLOS Para o coordenador-geral do Museu do Holocausto, em Curitiba, Carlos Reis, a história de Hermann Görgen está entre os grandes exemplos da luta contra o ódio e a intolerância durante a Segunda Guerra. Ele ressalta a importância da busca de casos que personifiquem atos de luta por um mundo mais tolerante. “Nosso museu, o primeiro e único no Brasil a resgatar a memória do holocausto, tem como uma das principais linhas a atuação educativa a ideia de personificar o que por muitos anos se restringiu a números. É preciso contar esses casos, como o do professor Görgen, que, por meio de relatos, documentos e fotos saem da perspectiva de massificar a história e mostram pessoas de carne e osso que se arriscaram para conseguir salvar vidas”, avalia Reiss.


O presidente do Instituto Histórico Israelita Mineiro, Jacques Levy, aponta que os exilados judeus enfrentaram grandes dificuldades no período pós-guerra, mas, que houve casos de humanismo em favor de refugiados. “Nesse período em que as posturas anti-semitas ganharam força em alguns grupos políticos brasileiros, é importante conhecer os casos que mostram um outro lado da história. Houve pessoas que não concordavam com as ideologias de exclusão e preconceito, como vimos nesse caso em que o grupo de Görgen contou com a ajuda de pessoas em Minas”, diz Levy.


Segundo ele, ainda na década de 1950, sua família teve dificuldade para conseguir a entrada de parentes judeus que queriam morar no Brasil. “Perdi meu avô e minha tia em campos de concentração e vi meu pai batalhar muito para trazer um primo para o Brasil, sem obter sucesso. O período de 1940 e 1950 foi muito difícil na nossa história e é fundamental relembrar e entender esses episódios para que não se repitam”, alerta Levy.