BRASÍLIA - Perto de atingir a maioridade, algumas agências reguladoras ainda deixam muito a desejar nas práticas e nos serviços a usuários. Pesquisa inédita da Confederação Nacional da Indústria (CNI) junto a dez agências e nove órgãos com função de regulação aponta um conjunto de falhas, como falta de transparência nos regulamentos, ausência de avaliação do impacto econômico das normas e dispersão das regras. Um dos maiores problemas está no sistema de consultas e audiências públicas para subsidiar e respaldar a legislação. Previsto na lei que criou as agências, o chamamento para esses encontros, na maior parte das vezes, é divulgado por meio de publicação no Diário Oficial da União (DOU), o que restringe muito a participação popular, conclui o estudo.

— Se você está falando de comunidades ribeirinhas, por exemplo, precisa criar uma política de consulta pública mais efetiva, com linguagem acessível para as pessoas interessadas participarem. E a convocação não pode ser feita pelo Diário Oficial, não é mesmo? — observa o gerente-executivo da CNI, Pablo Cesário.

CNI SUGERE PORTAL NOS MOLDES AMERICANOS

A conselheira da Proteste — Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, Flávia Lefèvre, concorda que a publicação no DOU não é o melhor caminho para a convocação dos interessados. Ela lembra que em 2004 o Executivo enviou ao Congresso o projeto de lei das agências reguladoras, que “dispõe sobre a gestão, a organização e o controle social das Agências Reguladoras”, mas, em março de 2013, o texto foi retirado pela presidente Dilma Rousseff. A proposta previa envio de e-mails para os grupos interessados nas audiências públicas: sindicatos, Procons, órgãos de defesa do consumidor, grupos de empresas. Além disso, Flávia critica os prazos, em torno de 15 dias, para as consultas , que considera muito curtos.

O diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Romeu Rufino, admite que as sessões presenciais da agência precisam melhorar, em especial aquelas em que os consumidores têm grande interesse, como as que tratam da revisão de tarifas. Ele citou o caso de Minas Gerais, onde é feita só uma reunião em Belo Horizonte, embora estado tenha mais de 800 municípios.

— A audiência não é representativa — reconhece. — A Aneel tem feito um esforço grande na linha da transparência.

Outra dificuldade identificada pela pesquisa é encontrar os regulamentos nos sites oficiais das agências. O presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), João Rezende, destaca que criou o Portal do Consumidor (www.anatel.gov.br/consumidor/), mas reconhece que alguns assuntos são difíceis de traduzir, como a expressão “faixa de frequência” (usada para transmissões de voz e de internet).

A proposta da CNI é criar um portal único que reúna as normas de todas as reguladoras, como o americano “regulations.gov”.

A conselheira considera que algumas práticas das agências se tornaram obsoletas e ineficazes. Flávia lembra que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) suspendeu mais uma vez, na semana passada, a comercialização de planos de saúde, mas que as operadoras mudam “três vírgulas” e voltam com os produtos ao mercado.

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— O Judiciário está lotado de ações, mas o consumidor quer ter um bom serviço — ressalta.

A aposentada Maria Elena Alves Pimenta se frustou ao recorrer à ANS. Surpreendida com o aumento da mensalidade do plano de saúde, de R$ 600 para R$ 1.100, ao completar 66 anos, ela ligou para a agência. Mas, conta, o atendente não tomou nenhuma iniciativa para resolver o problema. Ela não conseguiu fazer o registro da queixa, nem recebeu protocolo de atendimento. Só foi aconselhada a procurar o Procon ou o Juizado Especial.

— Não tive nenhum suporte por parte da ANS. Eles simplesmente passaram o problema para a frente — relata a consumidora.

Na audiência marcada pelo Procon, a operadora não mandou representante, e nova reunião foi agendada para janeiro. Então, Maria Elena recorreu ao Juizado Especial e espera suspender a próxima mensalidade, que vence no dia 23.

A assessora especial da presidência da ANS, Denise Domingos disse que, quando o usuário liga, o atendente pergunta se ele já entrou em contato com a operadora e faz o registro da ocorrência. Para ela, neste caso houve algum “equívoco”:

— A ANS quer que o consumidor procure a agência e não a Justiça. Nenhum atendente mandaria o consumidor procurar a Justiça.

A deputada Mara Gabrilli (PSDB-SP) reclama que tem tentado junto à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) mudar a norma que exige dos portadores de deficiência um aviso de viagem às companhias aéreas com 72 horas de antecedência. A regra, diz a parlamentar, que é cadeirante, causa transtorno a quem precisa viajar de última hora.

— Se você não avisa dentro do prazo, as empresas não deixam embarcar. É uma visão errada da pessoa portadora de deficiência, como se fosse um doente — queixa-se a deputada.

Prazo para providenciar equipamentos

Segundo a Anac, as empresas não podem recusar a embarcar o passageiro, e o prazo foi fixado para que possam disponibilizar o equipamento necessário, como o ambulift, unidade de transporte de passageiros com problema de locomoção para aviões, com elevação até a altura da cabine.

No estudo, foram avaliadas as agências nacionais de Águas (ANA), de Aviação Civil (Anac), de Telecomunicações (Anatel), de Cinema (Ancine), de Energia Elétrica (Aneel), do Petróleo (ANP), de Saúde Suplementas (ANS), de Transportes Terrestres (Antaq), de Transportes Terrestres (ANTT) e de Vigilância Sanitária (Anvisa). Os outros órgãos avaliados foram: Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Agência Espacial Brasileira (AEB), Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), Instituto Chico Mendes de Conservação de Biodiversidade (ICMBIO), Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e Cooperativismo (SDC), Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco) e Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene).