Título: Direito de conhecer a verdade histórica
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Fonte: Correio Braziliense, 19/06/2011, Opinião, p. 18

Causa espanto a decisão de Dilma Rousseff de recuar na promessa de pôr fim ao sigilo eterno dos documentos oficiais. Sem apresentar razões claras, a presidente se dispõe a patrocinar pleito dos ex-presidentes José Sarney e Fernando Collor de Mello. Os dois senadores, da base aliada do governo, querem modificar projeto de lei que altera o prazo estabelecido para tornar públicos documentos considerados ultrassecretos.

Pela legislação atual, os papéis superlativamente classificados ficam inacessíveis aos brasileiros por 30 anos, prazo renovável indefinidamente. A proposta em tramitação reduz o sigilo para 25 anos, renováveis por igual período. Trata-se de meio século de mudez. As cinco décadas são capazes de tranquilizar possíveis temores decorrentes de fatos ocorridos na administração dos dois então ocupantes do Palácio do Planalto.

Por que então o esforço para manter sob sete chaves informações das quais o Estado não tem a propriedade, mas as guarda? Alegam eles preocupação com acordos sobre a definição das fronteiras nacionais. É difícil acreditar em razão tão genérica. Nos acordos, entre Estados ou particulares, vigora o instituto pacta sunt servanda ¿ os contratos devem ser cumpridos.

Há algo de ingenuidade, autoritarismo ou má-fé imaginar que trazer à luz os métodos usados por Duque de Caxias e o Barão do Rio Branco provoque conflito com os vizinhos. Vale lembrar a Guerra do Paraguai. Depois de 141 anos, os documentos relacionados ao conflito mantêm-se inacessíveis. Mas as informações proibidas aos brasileiros figuram nos livros didáticos de paraguaios, argentinos e uruguaios.

Arquivos têm uma função essencial e intransferível. Preservam os documentos. A guarda não visa acumular papéis. Se assim fosse, dar-se-ia razão aos desinformados que defendem tese imediatista e limitada. Dizem eles que, em país cuja população luta por acesso aos direitos essenciais de alimentação, saúde, educação e habitação, não há que investir recursos em "papéis velhos". Melhor seria dar destino mais nobre aos impostos duramente arrecadados da sociedade.

Os arquivos, porém, não preservam "papéis velhos". Preservam informação. A história do país está ali para testemunhar a verdade. Governos passam e, com eles, versões que impuseram aos cidadãos como fatos. Eles divulgam o que gostariam que tivesse acontecido. Os documentos mostram o que aconteceu. Entre um polo e outro, vai enorme distância. A mesma que separa ficção de realidade.