O Vaticano anunciou ontem que foi criada uma comissão especial para acelerar a avaliação de recursos apresentados por clérigos condenados por delitos graves nas respectivas dioceses. O grupo é composto por sete membros, entre cardeais e bispos, escolhidos pelo papa Francisco. A medida foi mencionada em uma nota emitida em maio e passou a vigorar ontem, segundo o porta-voz da Santa Sé, padre Federico Lombardi. O mecanismo faz parte dos esforços do pontífice para responder à crise provocada por casos de pedofilia e de conduta inadequada na Igreja Católica.

Lombardi informou que os integrantes da comissão ainda não foram nomeados. Eles cuidarão dos chamados delicta graviora, que são crimes contra a moral e o sacramento. O grupo trabalhará no âmbito da Congregação para a Doutrina da Fé (CDF), para onde são encaminhadas as apelações de sacerdotes que querem reverter condenações proferidas por tribunais diocesanos.

O comunicado da Santa Sé, assinado pelo cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano, justifica a criação do “colégio” pelo “grande número de apelações e pela necessidade de avaliações mais rápidas”. Segundo a agência italiana Ansa, a CDF já não conseguia dar vazão aos requerimentos. “Os muitos recursos criaram um acúmulo de trabalho”, explicou Lombardi, sem citar números. Muitos desses casos são de abuso contra crianças e adolescentes. Além de tornar mais rápida a condenação definitiva dos culpados, o comitê auxiliará na revisão de punições injustas.

Em maio, o Vaticano informou que os tribunais eclesiásticos sancionaram pelo menos 3.420 padres e religiosos apenas nos últimos 10 anos. A jurisdição da comissão incluirá incidentes que envolvam sacerdotes, e o trabalho deverá ser relatado à CDF. O grupo, porém, não examinará episódios que envolvam bispos nem “casos especiais” definidos pelo papa — que continuarão a ser objeto de sessões ordinárias da CDF.

Tolerância zero

O papa Francisco adotou tolerância zero contra abusos cometidos por sacerdotes católicos, em especial os casos de pedofilia, que desgastaram a imagem da Igreja. Em abril, ele recebeu no Vaticano uma delegação de uma organização católica internacional para a defesa das crianças e desculpou-se, em nome da Igreja — foi a primeira declaração pública desse teor desde a ascensão ao pontificado, um ano antes.

Fernando Altemeyer, vaticanista da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), observa que a estratégia do pontífice para responder à crise alia medidas na esfera do direito canônico a mensagens endereçadas ao público em geral. “As reformas lideradas por ele são feitas publicamente, e essa transparência é importante. Sem isso, as mudanças no nível judiciário não seriam eficazes, e vice-versa”, pondera.

O vaticanista espera que a nova política na Santa Sé tenha resultados concretos a curto prazo, apesar da pressão das alas mais conservadoras do clero. “Acabou a era da impunidade. A eficácia dessas políticas depende da autoridade e da credibilidade de quem as executa, e Francisco veio para fazer mudanças.”