Título: O Peru de Ollanta
Autor: Sader, Emir
Fonte: Correio Braziliense, 19/06/2011, Opinião, p. 19

Sociólogo

O triunfo de Ollanta Humala na eleição presidencial peruana tem sido atribuído à substituição de uma proposta inspirada pelo chavismo e outra apoiada no lulismo. Há um elemento de realidade nesse trânsito, na medida em que, na primeira campanha, Ollanta coloca ênfase no nacionalismo e no eixo regional articulado pela Venezuela, Bolívia e Equador, organizado na Alba. Mas há outros elementos internos que condicionam também a opção de Ollanta.

Na campanha deste ano, a tônica esteve centrada em um modelo de desenvolvimento com distribuição de riquezas ¿ o ponto mais frágil do crescimento econômico peruano, que se deu sem fortes políticas recontributivas. A nacionalização de empresas foi substituída pela elevação dos impostos às empresas mineiras, valendo-se não apenas dos extraordinários lucros que auferem como da baixíssima tributação geral do Peru ¿ apenas 15% do PIB ¿ para financiar substanciais políticas sociais.

O sucesso do modelo brasileiro e a popularidade de Lula contrastam com desgastes da imagem de Chávez e problemas internos na Venezuela, que contribuíram para as mudanças nas duas campanhas de Ollanta. Mas os fatores internos pesaram também de maneira determinante. A contínua expansão da economia peruana, baseada no extrativismo de empresas estrangeiras, tornou-se realidade irreversível, ainda que com os problemas de grande quantidade de conflitos com movimentos indígenas e ambientalistas.

Ollanta não disporia de consenso interno nem para nacionalizar essas empresas ¿ que enfrentaria também problema similar vivido na Bolívia, no Equador e na Venezuela, de falta de recursos estatais para investir nessas empresas ¿, nem para desviar o eixo do crescimento econômico, o que poderia colocar em risco a continuidade da expansão, gerando, de imediato, recessão, aumento dos problemas sociais e crise das balanças comercial e de pagamento, com suas repercussões na situação monetária e cambial.

As alianças do segundo turno consolidaram essa segunda alternativa, assim como a convocação de uma Assembleia Constituinte ¿ outro elemento do modelo dos países da Alba ¿, acompanhado do compromisso explícito de que o presidente eleito não se candidatará à reeleição. Ollanta manteve a reivindicação da introdução do referendo revocatório sobre os mandatos dos governantes eleitos no meio do mandato, incluindo o seu.

Um fator limitante do novo presidente é a assinatura do Tratado de Livre Comércio com os EUA, que dificulta a integração com o Mercosul, prometida por Ollanta. O presidente eleito do Peru se comprometeu a aproximar seu país do Mercosul, mas a sua integração nele é contraditória com o TLC com os EUA, mesmo ante o comércio com esse país diminuir relativamente, sendo superado pela China, podendo também a vir a sê-lo pelo Brasil.

O Peru havia uma sequência de governos que rapidamente se tornaram impopulares, apesar do contínuo crescimento econômico que havia promovido. Sucedeu isso com Fujimori, com Toledo e com Alan Garcia. O Peru cresceu, em média, mais do que os outros países latino-americanos, mas baseado em um modelo extrativista de minérios e exportador, sem políticas sociais redistributivas. Os três presidentes rapidamente perderam popularidade, nenhum deles foi capaz de eleger seu sucessor, mas deixaram como herança o modelo econômico, raiz tanto da expansão econômica, quanto da concentração de renda e da perda rápida de apoio popular por parte dos três presidentes. Foram duas décadas de implementação de programas neoliberais que, ao mesmo tempo em que deixava marginalizada a maioria da população, favoreceu para que o Peru se tornasse primeiro produtor de folha de coca do continente.

Com a eleição de Ollanta, o Peru tem a possibilidade de superar esses problemas. O país andino torna-se, assim, mais um país que se soma aos de governos progressistas, que buscam superar o neoliberalismo e tornar-se governos pós-neoliberais, com suas particularidades, como têm todos os outros que c