Título: Menor risco de condenação
Autor: Torres, Izabelle ; Rizzo, Alana
Fonte: Correio Braziliense, 20/06/2011, Política, p. 2

Projeto que vira lei se tiver aval de comissão da Câmara dos Deputados reduz o prazo para gestores públicos serem processados e condenados por improbidade administrativa, beneficiando imediatamente parlamentares que pretendem aprová-lo

Parlamentares que carregam no currículo acusações por atos de improbidade administrativa poderão se beneficiar de um projeto de lei já aprovado no Senado e na Comissão do Trabalho da Câmara. O texto agora depende apenas do aval da Comissão de Constituição e Justiça da Casa, onde é terminativo, para ser enviado à sanção presidencial. Se for aprovado como está, os crimes de improbidade terão prescrição de 10 anos contados a partir do momento em que são cometidos. Atualmente, há diversos prazos de prescrição, regidos por diferentes leis. Em alguns casos são menores do que 10 anos, em outros maiores, podendo chegar a 20 anos. As ações de improbidade administrativa são ajuizadas pelo Ministério Público contra agentes públicos que, no entendimento do MP, lesaram os cofres públicos.

Como as regras atuais sobre prescrição são confusas, o projeto de lei está sendo apresentado publicamente por parlamentares como um avanço no combate à impunidade. A contradição entre o que é dito e o que vai acontecer está no fato de que, se o projeto virar lei, pelo menos 49 deputados que respondem a processos do tempo em que foram gestores serão beneficiados. Desses, quase a metade se livrará das acusações imediatamente: seus processos já estarão prescritos. A outra parte do grupo ganhará com os novos prazos para recursos. "Não me surpreende que os políticos defendam esse projeto. Eles sabem que o uso de mecanismos judiciais de defesa vão ajudá-los a procrastinar os processos. Será difícil estabelecer punições", lamenta o juiz federal Marlon Reis, coordenador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral.

Na lista de beneficiados pela proposta está o deputado Anthony Garotinho (PR-RJ), que acumula oito processos por improbidade da época em que era o governador fluminense. Três deles prescreveriam com a nova lei. Situação semelhante é a da também deputada e ex-governadora fluminense Benedita da Silva (PT). As duas ações de improbidade que tramitam contra ela perderiam a validade no próximo ano. Benedita se diz injustiçada, afirmando que tomou decisões administrativas, consideradas criminosas pelo MP, com o objetivo de beneficiar a população. "Tem coisas, como em um caso de calamidade, em que não dá para se omitir ou ignorar. Daí, ficamos sujeitos a esse tipo de ação. Por conta dos excessos de recursos, parece que vamos passar a vida respondendo a esse tipo de acusação", diz ela.

Ao deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) também interessa a aprovação do projeto. Ele responde a uma ação movida pelo MP na época em que era secretário de Agricultura da Paraíba, em 1998. O Tribunal de Contas da União (TCU) julgou o caso e inocentou o parlamentar, mas o MP seguiu com a ação na Justiça Federal. Como a interpretação sobre o prazo prescricional do crime de improbidade é hoje sujeita a muitas interpretações, os processos contra ele seguem sem limite de tempo. Se o projeto for aprovado, Ribeiro se livra da acusação automaticamente. "Acho que de alguma forma a lei tem de mudar. Não podemos passar a vida respondendo acusações que são motivadas, na maioria das vezes, por intrigas políticas de nossos opositores", escusa-se o parlamentar.

Outro defensor da proposta em tramitação é o também deputado André Zacharow (PMDB-PR). Ele é um dos acusados de improbidade em um processo iniciado em 2001, quando deixou o comando do Centro Internacional de Tecnologia de Software, em Curitiba. Segundo o MP, ele foi um dos responsáveis por um contrato fraudulento. O parlamentar alega que já tinha deixado o cargo quando as supostas irregularidades foram cometidas. Diz que a forma como o crime de improbidade é tratado no Brasil massacra os gestores, que passam a vida tendo de se explicar. "É um desgaste desnecessário", diz ele.

Ataques Na opinião do deputado Carlaile Pedrosa (PSDB-MG), a lei deve mudar para impedir que qualquer inimigo político possa atacar um gestor. "É muito difícil alguém passar por um cargo e não ser acusado de improbidade em algum momento" opina ele, que foi denunciado em cinco processos referentes ao mandato como prefeito de Betim (MG). O deputado Lira Maia (DEM-PA) responde a três processos. Todos, segundo sua assessoria, estão parados aguardando decisões do TCU. Se mudarem as regras, vão prescrever mais rapidamente.

Quem lidera a lista de processados por improbidade é o deputado mineiro João Magalhães (PMDB). São nada menos do que 39 ações contra ele tramitando atualmente na Justiça Federal. Se a mudança da legislação for aprovada, o parlamentar pode usar os artifícios legais para adiar o desfecho da ação até que os 10 anos dos atos sejam concluídos. A maioria das acusações contra ele são de 2005.

Para saber mais

A Lei n° 8.429/1992 estabelece punições aos agentes públicos que cometam os chamados crimes de improbidade administrativa no exercício de mandato ou em algum cargo na administração pública. Constituem atos de improbidade administrativa: enriquecimento ilícito (quando o gestor obtém alguma vantagem patrimonial em razão da função que ocupa), prejuízo ao erário (quando há lesão aos cofres públicos por alguma ação ou mesmo omissão do ocupante daquele cargo) e atentado contra os princípios da administração pública (ações que violem os deveres da honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições). O condenado pode perder a função pública e ter os direitos políticos suspensos, depois do trânsito em julgado da sentença condenatória. São exemplos de atos que podem gerar ação de improbidade: o desrespeito às regras da licitação, o pagamento indevido de verbas públicas (como superfaturamento na avaliação de imóveis e na execução de obras), a contratação irregular de servidores sem concurso público.