BRASÍLIA E RIO — As delações de Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, no âmbito da Operação Lava-Jato, causaram a primeira queda na estatal. Sergio Machado, há 11 anos à frente da Transpetro, subsidiária da Petrobras, pediu afastamento do cargo ontem pelo prazo de 31 dias. Em nota divulgada no fim da tarde, Machado se disse vítima de calúnias, mas afirmou que tomou a decisão para que a Transpetro seja investigada livremente. O Conselho de Administração da Transpetro designou, para substituir Machado, o diretor de Gás Natural, Claudio Ribeiro Teixeira Campos, formado em Engenharia Mecânica e na Petrobras desde 1985.

O afastamento temporário de Machado foi sacramentado na última sexta-feira, em reunião do Conselho de Administração da Petrobras. De acordo com uma fonte ligada à estatal, a PricewaterhouseCoopers (PwC), que audita o resultado financeiro da empresa, recusou-se a validar o balanço do terceiro trimestre, alegando que Machado não poderia assinar o documento, já que seu nome foi citado por Paulo Roberto Costa ao Ministério Público em delação premiada na Operação Lava-Jato, da Polícia Federal.

Na reunião de sexta-feira, a demissão de Machado chegou a ser sugerida, mas um dos conselheiros colocou na mesa a ideia da licença. Por cinco votos a quatro, foi aprovada a licença de 31 dias, consumada ontem.

OBRIGAÇÕES DA LEI AMERICANA

Segundo a fonte ligada à estatal, os auditores não quiseram validar o balanço como forma de se proteger da legislação americana, que proíbe casos de corrupção envolvendo empresas com ações listadas na Bolsa de Nova York. Pela lei americana, pessoas denunciadas por corrupção não podem assinar balanços, e, como todas as subsidiárias compõem os resultados da Petrobras, a maior empresa brasileira ficaria impedida de publicá-lo. Isso foi comunicado por carta da PwC à diretoria da Petrobras no dia 16 de outubro, mas nada foi feito. Na última sexta-feira, a reunião do Conselho de Administração da companhia concluiu que Machado tinha de sair, sob risco de não haver publicação do balanço da Petrobras, previsto para o dia 14.

— A lei americana é expressa. É draconiana. Sergio Machado não poderia assinar o balanço da Transpetro por ter seu nome ligado a um possível caso de corrupção. Por isso, os membros do Conselho de Administração decidiram interromper a reunião para dar a Machado a possibilidade de ele pedir um afastamento temporário, até que os inquéritos (de investigação) sejam concluídos — afirmou essa fonte.

Foi a pedido da PwC que a Petrobras contratou duas empresas independentes — a brasileira Trench, Rossi e Watanabe Advogados e a americana Gibson, Dunn & Crutcher LLP — para investigar as denúncias feitas por Costa.

Antes da reunião do conselho, a PwC alertou a Petrobras de que não aprovaria as contas da Transpetro e exigiu que alguma medida fosse tomada. Foi então que os conselheiros pensaram na demissão de Machado. Mas, como ele é indicado do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), optou-se pelo benefício da dúvida, sacramentando a licença não remunerada.

Machado foi citado na Operação Lava-Jato por supostamente participar de irregularidades na compra de navios para a Transpetro. O ex-diretor de Abastecimento da estatal Paulo Roberto Costa afirmou, em depoimento à Justiça Federal, que Machado teria pago a ele R$ 500 mil para direcionar uma licitação de navios. Na nota, Machado disse que decidiu se licenciar para que sejam feitos os esclarecimentos sobre sua gestão à frente da empresa.

“Apesar de toda uma vida honrada, tenho sido vítima nas últimas semanas de imputações caluniosas feitas pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, cujo teor ainda não foi objeto sequer de apuração pelos órgãos públicos competentes. A acusação é francamente leviana e absurda, mas mesmo assim serviu para que a auditoria externa PwC apresentasse questionamento perante o Comitê de Auditoria do Conselho de Administração da Petrobras”, afirmou na nota.

Em seguida, acrescentou: “Tomo a iniciativa de afastar-me temporariamente para que sejam feitos, de forma indiscutível, todos os esclarecimentos necessários. Trata-se de um gesto de quem não teme investigações. (...) Estou certo do pleno rigor e lisura de minha gestão na Transpetro (...) Tenho todo o interesse de que tudo seja averiguado rapidamente”.

No texto, Machado disse ainda que, desde que assumiu a presidência da Transpetro, em 2003, teve suas contas aprovadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

“Nesse período, a empresa obteve resultados notáveis e passou sem problemas pelo crivo de inúmeras fiscalizações internas e externas. As contas da Transpetro e a execução de seus principais programas são periodicamente auditadas pelo TCU, que jamais encontrou irregularidades nos contratos e no último dia 30 de outubro expediu certidão negativa atestando não haver nenhuma pendência em meu nome relativamente a contas julgadas até o presente momento. Além de não responder a nenhum processo no TCU, não sou réu em nenhuma ação penal e não tenho contra mim nenhuma ação de improbidade admitida pela Justiça. Ao longo de mais de 30 anos de vida pública, jamais fui processado em decorrência de meus atos”, salientou Machado.

Nas anotações de Paulo Roberto Costa, quando este já havia deixado a Petrobras e operava negócios na iniciativa privada, o nome do presidente da Transpetro constava quatro vezes em anotações nos anos de 2012 e 2013. Na agenda de Costa, há registros de celulares de Machado e de uma menção a “curso c/ Sérgio Machado, 5%”, ao lado do valor de R$ 5 mil e da inscrição “dois meses”.

A PF tenta decifrar a anotação. Em julho de 2012, Costa, já ex-servidor da estatal, chamou a atenção ao comparecer a uma cerimônia de entrega do navio petroleiro Sergio Buarque de Holanda para a Transpetro.

 

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Indicado por Renan, Sergio Machado chegou ao cargo na Transpetro em 2003

Iglesias, Simone

BRASÍLIA — Sergio Machado foi indicado para a presidência da Transpetro pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), de quem é amigo desde 1994. Eles atuaram juntos no Congresso, nos anos 1990, quando Machado era senador e líder do PSDB, e Renan, líder do PMDB no Senado. No fim do governo Fernando Henrique Cardoso, em 2001, Machado migrou para o PMDB a convite de Renan e, no ano seguinte, foi derrotado na disputa pelo governo do Ceará.

Em 2003, primeiro ano do governo Lula, Renan emplacou o ex-senador na Transpetro, com o apoio da bancada de senadores do PMDB. Na época, a subsidiária da Petrobras não era alvo preferencial da cobiça política porque tinha pouca capacidade de investimento. Isso mudou com a determinação de Lula de reativar a indústria naval, lançando o Programa de Modernização e de Expansão da Frota, pelo qual foram assinados 49 contratos para a construção de navios petroleiros e 20 comboios hidroviários em estaleiros nacionais.

À frente da empresa nestes mais de 11 anos, Machado foi alvo de investigação por enriquecimento ilícito. Em 2011, O GLOBO noticiou que a estatal fechou pelo menos 16 contratos milionários sem licitação, um deles no valor de R$ 16,463 milhões. No ano seguinte, o ex-senador tornou-se alvo de investigação do Ministério Público do Rio por ter acumulado patrimônio incompatível com sua renda. Por conta das suspeitas, a presidente Dilma Rousseff pensou em demiti-lo naquele ano. Renan estrilou, e Machado mandou ao gabinete presidencial documentos com explicações. Dilma resolveu mantê-lo, embora tenha dado carta branca a Graça Foster, presidente da Petrobras, para fazer uma faxina na estatal. Dilma nunca teve simpatia por Machado, apesar de a Transpetro apresentar sistematicamente bons resultados. Optou por não demiti-lo por questão absolutamente política. A presidente da República concluiu que não convinha abrir esse flanco no Senado, onde Renan lhe garante alguma tranquilidade.

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Multinacional japonesa envolvida na lava-jato deve fazer delação premiada

Carvalho, Cleide

 

A japonesa Toyo Setal deve se transformar na primeira empresa a assinar acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal nas investigações da Operação Lava-Jato. Na semana passada, um de seus executivos, Júlio Camargo, aderiu ao acordo. Agora, a empresa se colocou à disposição, e o acordo pode envolver vários executivos do primeiro escalão. A Toyo Setal tem contrato de R$ 1,1 bilhão com a Petrobras no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), e de R$ 2,09 bilhões na montagem de uma unidade de fertilizantes em Uberaba, no Triângulo Mineiro. Outra empresa do grupo, a EBR Estaleiros do Brasil, participa da obra da plataforma P-74, e seu estaleiro deve ser feito no Rio Grande do Sul com recursos do Fundo da Marinha Mercante.

Júlio Camargo foi apontado pelo doleiro Alberto Youssef como o contato da empresa para participação no esquema. Três empresas em nome de Camargo - Treviso, Piemonte e Auguri - fizeram depósitos em contas de empresas de fachada usadas pelo doleiro. Depositaram ao menos R$ 16,6 milhões entre 2009 e 2013. Elas teriam sido usadas para esquentar dinheiro - ou seja, justificar valores que Youssef aplicava em negócios dos setores imobiliário e hoteleiro. Para isso, eram utilizados contratos de mútuo, uma modalidade de empréstimo entre empresas no qual não é cobrado juro, e a contrapartida é apenas o pagamento em determinada data.

Pelo menos três desses contratos de mútuo foram apreendidos no escritório da contadora de Youssef, Meire Poza. Dois deles, da Auguri e da Piemonte, somaram R$ 1,58 milhão. Um terceiro, no valor de R$ 1,85 milhão, foi feito pela Treviso. Anotações no livro da contadora mostram que os valores podem ser bem maiores, pois são atribuídos contratos de mútuo de R$ 4,4 milhões apenas à Treviso.

Camargo foi o primeiro executivo a aderir ao acordo de delação premiada oferecido pelo MPF, que pretende também atrair a participação de mais empresas. Por enquanto, as colaborações das pessoas jurídicas têm sido informais.

Outro executivo ligado ao grupo Toyo Setal, Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, fez depósitos em contas de empresas ligadas ao doleiro por meio da Tipuana Participações, que pertencia à PEM Engenharia. Os depósitos da Tipuana somam R$ 7,3 milhões. A PEM Engenharia chegou a ser contratada para atuar na construção da plataforma P51 e é uma das empresas que deram origem à Toyo Setal.

Youssef disse à Justiça Federal de Curitiba que duas das empresas que pagavam propinas a políticos fizeram depósitos em contas fora do Brasil. Uma delas é a Toyo Setal.

A Toyo Setal e as empresas de Camargo também foram doadoras legais de campanhas políticas. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral, na campanha deste ano a Toyo Setal doou R$ 2 milhões para o comitê do PR e R$ 150 mil para três candidatos a deputado federal pelo PT - Benedita da Silva (RJ), Henrique Fontana Junior (RS) e Luiz Sérgio (RJ).

O Ministério Público Federal espera que as empresas contribuam com as investigações. O objetivo é assinar um Termo de Ajustamento de Conduta, no qual as companhias que colaborarem tenham as penalidades reduzidas e, em contrapartida, comprometam-se a adotar medidas de governança corporativa, com regras que punam funcionários que se envolvam em corrupção nos negócios com o setor público. Procurada, a Toyo Setal não se manifestou.