O consumo das famílias parou de avançar e a expectativa é que as elevadas taxas de crescimento observadas nos últimos anos fiquem para trás. O movimento revela uma mudança no próprio perfil do crescimento da economia brasileira, que deixará de ser puxado pelo consumo e precisará da força dos investimentos para se expandir.

Depois de 43 trimestres de alta, ou quase onze anos, o consumo das famílias ficou estável no terceiro trimestre, com variação de 0,1%, a menor taxa desde o terceiro trimestre de 2003, quando caiu 1,5%. Frente ao segundo trimestre, houve queda de 0,3% do consumo, o pior desempenho desde o terceiro trimestre de 2008, em que foi registrado recuo de 2% no auge da crise financeira mundial. Dos três primeiros trimestres de 2014, dois foram de queda e um foi de estabilidade no indicador frente ao trimestre anterior.

Segundo o IBGE, o desempenho foi afetado pela combinação de fatores como inflação, juros mais altos e desaceleração no crescimento da renda:

- Continuou havendo crescimento da massa salarial real nesse trimestre, de 2,9%. Só que essa taxa é bem menor que a do trimestre anterior, de 4,1%. E o crédito para pessoas físicas parou de crescer em termos reais. Já a taxa Selic média no terceiro trimestre deste ano foi de 10,9%, contra 8,5% no mesmo período do ano passado - explicou a gerente da coordenação de contas nacionais do instituto, Rebeca Palis.



Investimento recua

Para a economista da Tendências Consultoria Alessandra Ribeiro, o menor dinamismo do mercado de trabalho, a escassez do crédito, a inflação alta e a confiança do consumidor em queda ajudam a explicar o que está ocorrendo:

- A realidade do consumo mudou e veremos daqui para a frente um crescimento bem mais fraco - afirma a economista da Tendências Consultoria Alessandra Ribeiro.

O consumo das famílias é um dos componentes mais importantes do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos pelo país), com peso de 63% em seu cálculo.

A projeção da consultoria é que o crescimento médio do consumo das famílias seja de 1,4% por ano entre 2015 e 2018, um ritmo bem abaixo dos 4,6% obtidos entre 2004 e 2013. Em 2014, o crescimento acumulado foi de 1,2%.

Sem a força do consumo, a expectativa é que o investimento possa ajudar a estimular a economia daqui para a frente. Para aumento de investimentos, a confiança precisa reagir.

Segundo cálculo do economista André Perfeito, da Gradual Investimentos, o indicador de consumo das famílias aumentou 7,9%, entre o fim do governo Lula, em 2010, e o terceiro trimestre deste ano. No mesmo período, ele calcula uma alta de 9% no consumo do governo. Já a formação bruta de capital fixo, indicador de investimento, recuou 4,8%. Dilma deve encerrar o primeiro mandato devendo melhora no nível de investimento.

- É uma situação muito ruim. É justamente o investimento que a presidente está tentando melhorar com a vinda dessa equipe econômica - destaca Perfeito.

Na avaliação do economista Joaquim Elói Cirne de Toledo, a situação do investimento melhorou, mas ainda é crítica:

- Antes estávamos nos afogando em uma piscina de dez metros e agora em uma piscina de 6 metros.



Consumo do governo cresce

Se o consumo das famílias encolheu, o consumo do governo acelerou o passo e passou de uma queda de 0,5% no segundo trimestre para um avanço de 1,3% no terceiro trimestre, a maior alta desde o segundo trimestre de 2012. A explicação para esse aumento, no entanto, não é unânime entre os economistas. Há quem veja o comportamento como reflexo do calendário eleitoral ou do próprio excesso de gastos do governo.

Para a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, o aumento do consumo do governo está ligado à expansão fiscal:

Já o economista da PUC-SP Antonio Corrêa de Lacerda vê um efeito do calendário eleitoral sobre a elevação do consumo do governo, mas tem uma perspectiva otimista para o ano que vem, por conta do perfil da futura equipe econômica.

- A nova equipe econômica já demonstrou disposição de limitar a expansão dos gastos correntes - opina.

O economista-chefe do Banco Fator e professor da FEA/USP, José Francisco Gonçalves, no entanto, não vê essa ligação e afirma que o padrão de comportamento do consumo do governo é normal. (Colaborou: Alyne Bittencourt)