Denúncia do Ministério Público Federal (MPF) apresentada à Justiça na sexta-feira aponta, pela primeira vez, ligação entre o Primeiro Comando da Capital (PCC) e a N’Drangheta, organização tida como a mais atuante das quatro máfias italianas. Os grupos criminosos se associaram para fazer a cocaína da Bolívia chegar a portos da Espanha, Holanda e Itália, passando pelo Porto de Santos.

É a primeira vez que o MPF cita a organização italiana nas denúncias - que estão sendo feitas depois da Operação Oversea, desencadeada pela Polícia Federal em 31 de março e tida como a maior ação antidrogas no ano em Santos. A Procuradoria da República em São Paulo não confirmou o nome dos denunciados. Informou apenas que eles foram detidos com 230 mil euros, enquanto tentavam embarcar 56 quilos de cocaína.

A conexão entre as facções vinha sendo monitorada desde o ano passado. Relatório da inteligência da Polícia Federal de Santos, datado de 13 de fevereiro e obtido pelo Estado, relata interceptações de mensagens de texto entre integrantes da quadrilha e um homem chamado Dido, que seria o contato no Brasil da N’Drangheta.

A base da ação seria a Calábria, região do sul da península italiana. Dido diz, nas interceptações, que a droga seria distribuída em dois portos italianos. “O transbordo é em Gioia e o (destino) final é Napoli”, explica. Nesses textos, ele chega a mandar para os contatos fotos dos lacres dos contêineres onde os tabletes de cocaína deveriam ser depositados.

O suspeito, que não havia sido identificado até a operação ser deflagrada, vinha sendo monitorado pela Direzione Centrale Per I Servizi Antidroga, o departamento contra narcóticos do Ministério do Interior da Itália. A cooperação entre a PF e as autoridades italianas foi costurada pelo Departamento Antidrogas dos Estados Unidos (DEA). A carga terminou sendo apreendida no próprio porto, dias antes de a Operação Oversea ser deflagrada.

PCC. Conforme os relatórios de inteligência da PF, os diálogos de Dido eram com Ricardo dos Santos Santana, vulgo MC, uma das 34 pessoas que trabalhavam em Santos no embarque das drogas. A cocaína vinha sendo estocada na capital, vinda da Bolívia, até haver oportunidade para embarcá-la em contêineres do porto.

Nos registros oficiais, MC aparece como parceiro de André de Oliveira Macedo, o André do Rap, que seria um dos principais líderes do PCC na Baixada Santista, e um dos encarregados de recolher as mensalidades da facção paulista. André, MC e um terceiro indivíduo, chamado Myfriend, seriam líderes de quadrilhas que atuavam em parceria, encarregados de conseguir embarcar drogas nos navios do porto.

Pagamentos. A quadrilha usava uma empresa offshore, com sede no Uruguai, para receber os pagamentos pelo serviço, de acordo com as investigações. A companhia, chamada Oklona Corporation, tinha ao todo três chácaras, todas em condomínios na Estrada Mogi-Bertioga, em Mogi das Cruzes, região metropolitana de São Paulo.

A empresa foi descoberta porque MC fotografou um código de barras e mandou a imagem por mensagem para uma pessoa, pedindo que ela pagasse a conta de luz. A troca de diálogos já era monitorada pelos agentes da PF.

Para conseguir identificar todos os envolvidos no esquema, a polícia pediu autorização para uma ação controlada - quando os policiais deliberadamente deixam de agir ao verificar a existência de um delito, para mapear o restante da organização criminosa.

Itália. A N’Drangheta é tida como a mais atuante das quatro organizações da Itália que se enquadram nas leis antimáfia (que atingem facções criminosas com ramificações políticas e atuação internacional). As outras são a Cosa Nostra, a Camorra e a Sacra Conora Unita. O grupo é tido como o mais internacional deles, com relatos de investimentos até na bolsa de valores de Frankfurt.

 

64 já foram acusados por tráfico

 

De março até este mês, 64 pessoas já foram denunciadas à Justiça por envolvimento na rede de tráfico internacional de drogas desmontada em Santos. Foram ao menos seis denúncias separadas, a maior delas com 43 pessoas acusadas de associação criminosa e tráfico de drogas.

A Operação Oversea foi deflagrada no mesmo dia em que agentes da Polícia Federal da capital paulista iniciaram a Operação Hulk. Elas foram resultado de troca de informações entre os postos da PF, que mapearam rotas diferentes de transporte de drogas da Bolívia até Santos.

Quando as operações foram deflagradas, a PF cumpriu 80 mandados de busca e apreensão e 46 de prisão preventiva.

A operação havia sido a primeira em que pessoas que, segundo a polícia, tinham posto de chefia no Primeiro Comando da Capital (PCC) e envolvimento direto no trabalho de exportação de cocaína - não apenas o comércio atacadista do entorpecente no território nacional.

O embarque das drogas era feito mediante aliciamento de funcionários de empresas que atuam no Porto de Santos. Os empregados acomodavam a cocaína em malas de viagem escondidas em contêineres.