Título: A sina dos ex
Autor: Rothenburg, Denise
Fonte: Correio Braziliense, 20/06/2011, Política, p. 4

A função de presidente da República vale várias teses de doutorado. Todos dizem que é solitária, mas raramente os presidentes estão sozinhos, admirando paisagens. Nem os ex-presidentes. Que o diga Fernando Henrique Cardoso, sempre chamado a resolver as rusgas tucanas. Ou Luiz Inácio Lula da Silva que, embora há pouco tempo fora do poder, está de volta em busca de paz no PT para que a sucessora Dilma Rousseff consiga governar com tranquilidade.

Os dois bem que poderiam fazer um seminário, olho no olho ou editar um livro em conjunto: como resolver os pepinos dos nossos partidos. Afinal, ambos hoje, guardadas as devidas proporções, têm a mesma função para as agremiações que fundaram e levaram ao estrelato. A diferença básica é a de que o PT ainda pensa em Lula quando faz suas conjecturas sobre perspectiva de poder pós-Dilma ¿ e Lula também admite a possibilidade de retorno. O PSDB sabe que não contará mais com uma candidatura de Fernando Henrique Cardoso e nem ele a quer. Houve fases em que o partido tratou de escondê-lo, o que foi um erro. FHC e Lula se complementam. Fernando Henrique tem a erudição necessária ao exercício do cargo e a formulação do futuro. Lula tem em seu discurso a linha direta com a população e sindicatos, outros pontos fundamentais para o exercício da Presidência.

Ambos exercem com maestria a capacidade do diálogo político com diferentes partidos. E enxergam longe quando se trata de traçar cenários sobre a política. Fernando Henrique queria desde o primeiro mandato, em 1995, colocar José Serra no Ministério das Saúde, posto que terminou alavancando Serra para candidato em 2002. Lula pinçou Dilma em meio a uma gama de ministros e fez dela a sua candidata.

Essa capacidade faz com que eles sejam sempre convocados a contribuir. Tanto é que, na mesma semana em que Lula circulou por Brasília tentando apaziguar a base aliada, Fernando Henrique conversava dentro do PSDB no sentido de aparar as arestas pós-convenção entre paulistas e mineiros. Lula ainda se viu obrigado a repetir a dose no último sábado, quando tentou baixar a poeira da guerra interna no PT paulista.

Sem Fernando Henrique e Lula "não teria para ninguém", comentou um político. Mas, para usar a mesma expressão que Fernando Henrique Cardoso sacou ao falar de Lula na entrevista ao Correio ¿ problemas psicológicos ¿, talvez os dois partidos estejam precisando de um divã. PT e PSDB não conseguem sequer uma unidade interna, o que se dirá o diálogo franco e aberto entre si. Não há mais perspectiva de unidade nem de parceria.

O máximo que se consegue dentro do quadro atual é uma distensão, o que a presidente Dilma buscou ao enviar uma carta ao ex-presidente tucano. Dilma trabalha para aliar o contato direto com o povo ¿ o atributo de Lula ¿ com a erudição do professor e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Falta-lhe, entretanto, a paciência de ambos para lidar com o dia a dia da política. E por mais que ela diga que está tudo sob controle, as reclamações nos bastidores continuam.

Na semana passada, um parlamentar recebido pela ministra Ideli Salvatti ficou de orelha em pé quando ela lhe informou que precisava correr ao gabinete da ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, e aproveitar uma "brecha" na agenda da de Gleisi para discutir um assunto. O congressista em questão saiu da sala de Ideli com a impressão de que sua interlocutora não tinha autonomia para gerir cargos e verbas ¿ o mesmo problema que o antecessor, Luiz Sérgio, viveu em relação a Antonio Palocci.

Para completar, dizem alguns, se as nomeações continuarem colocando sob o mesmo teto adversários políticos dentro de um único estado ¿ caso de Flávio Dino (PcdoB) na Embratur, e de Pedro Novais (PMDB), no Ministério do Turismo ¿, a briga política pode terminar paralisando o Executivo. Esse erro nem Lula nem FHC cometeram. Era cada partido no seu quadrado. Como esta semana é de feriadão e muitos líderes estão no exterior, Dilma terá um tempinho para organizar a casa e reforçar os alicerces de Ideli. Se não, lá vem Lula de novo, para dar aquele puxão de orelhas na base e no próprio PT. Aliás, pelo andar da carruagem nos bastidores, Lula não se livrará desta sina tão cedo.