Na primeira manifestação pública sobre a nova fase da Operação Lava-Jato, a presidente Dilma Rousseff disse ontem que as investigações sobre o esquema de corrupção na Petrobras podem “mudar o Brasil para sempre”. Para a oposição, a petista se apropria inadequadamente da atuação da Polícia Federal, do Ministério Público e da Justiça Federal para se esquivar de suposta responsabilidade, já que a empresa esteve subordinada a ela no governo Luiz Inácio Lula da Silva, quando comandou o Ministério de Minas e Energia (2003-2005) e a Casa Civil (2005-2010).

“Acho que isso (investigações da Lava-Jato) pode mudar, de fato, o Brasil para sempre. Em que sentido? No sentido de que vai se acabar com a impunidade. Nem todos, aliás, a maioria absoluta dos membros da Petrobras, os funcionários, não é corrupta. Agora, há pessoas que praticaram atos de corrupção dentro da Petrobras”, disse a presidente, pouco antes do encerramento da reunião do G20, na Austrália. De acordo com os investigadores, nove empreiteiras formavam um cartel para faturar contratos bilionários com a Petrobras. Para isso, pagavam propina a agentes públicos. Só com a estatal, elas movimentam R$ 59 bilhões.

O discurso adotado por Dilma é semelhante ao usado na campanha eleitoral, quando ela precisava responder sobre os escândalos no governo petista. Mais uma vez, ela disse que não é o primeiro caso de corrupção na história do país. “Acredito que a grande diferença dessa questão é o fato de ela estar sendo colocada à luz do sol. Por quê? Porque esse não é, eu tenho certeza disso, o primeiro escândalo. Agora, ele é o primeiro escândalo investigado”, afirmou a presidente.

Dilma tentou isolar as empreiteiras dos supostos malfeitos dos executivos. “Não acho que dá para demonizar as empreiteiras. São grandes empresas, e se ‘a’ , ‘b’, ‘c’ ou ‘d’, praticaram malfeitos, atos de corrupção ou de corromper, acho que elas pagarão por isso”, disse. De acordo com o Ministério Público Federal, as empreiteiras investigadas pela Lava-Jato mantêm contrato ativos com a administração pública federal que somam R$ 4,2 bilhões. “Presente risco de que o mesmo esquema criminoso com nuances diversas esteja neles também sendo empregado”, registra em despacho o juiz Sérgio Moro, responsável pelo processo.

A presidente tentou ainda preservar a Petrobras dos estragos causados pelo escândalo. Dilma lembrou um dos maiores casos de corrupção da história corporativa mundial, ocorrido na norte-americana Enron, que apresentou receitas infladas no balanço e faliu depois de ser a sétima maior companhia dos Estados Unidos. “O que nós temos de condenar são as pessoas”, disse. “Não é um monopólio da Petrobras ter processos de corrupção. Quero te lembrar que um dos grandes escândalos de corrupção investigados no mundo foi o da Enron. E a Enron era uma empresa privada.”

"Cinismo"
Para a oposição, a presidente foi cínica ao comentar as investigações. “É de um cinismo sem tamanho. Ela não tomou nenhuma providência em nenhum momento durante tantos anos de desfalque na Petrobras, que foi usada para abastecer políticos da base aliada. Não se viu nenhuma ação dela para combater essa corrupção”, disse o líder do PPS na Câmara, Rubens Bueno (SP). De acordo com o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, preso na primeira fase da Lava-Jato e um dos delatores do esquema, as empreiteiras pagavam entre 2% e 3% de propina para políticos do PT, PMDB e PP em troca de contratos com a Petrobras.

Rubens Bueno afirma ainda que a presidente tenta capitalizar um trabalho que não foi feito pelo governo. “Quem aprofundou a investigação? O Ministério Público Federal, a Polícia Federal e a Justiça. Se dependesse do governo, estaria tudo encoberto”, comentou.

O líder do PSDB na Câmara, Antonio Imbassahy (BA), disse que a presidente “não tem autoridade” para “se apropriar das investigações”. “Ela comandou a Petrobras nos anos de governo Lula. Como presidente tinha todos os instrumentos no governo para evitar esse escândalo. Mesmo com a maior boa vontade que o brasileiro pode ter, ele não acredita que a presidente não sabia de nada. Pode ser que ela não sabia de tudo, mas não dá para acreditar que não sabia de nada”, disse.

Análise da notícia
No fio da navalha


A crise ética que mergulhou a Petrobras numa espiral negativa crescente também obriga a presidente Dilma Rousseff a equilibrar-se no fio da navalha. A principal dirigente do país precisa manter a promessa, feita durante a corrida eleitoral e nas primeiras entrevistas concedidas após a reeleição, de que investigará as denúncias de corrupção a fundo e punirá os responsáveis, “doa a quem doer”.

O dilema, contudo, é grande. Expor essa ferida pode escancarar ainda mais as práticas adotadas na Petrobras durante a gestão anterior à atual, quando o país era presidido por Luiz Inácio Lula da Silva, mentor, padrinho, conselheiro da presidente Dilma. Ao tentar livrar-se das acusações de que seu governo é “conivente com o malfeito”, Dilma empurra as sombras da suspeita para seu antecessor.

A corda bamba é ainda mais frágil. Lula não representa apenas o passado, mas no ideário petista, também encarna o futuro. Ele é o candidato do partido à Presidência em 2018. A imagem de ex-diretores da Petrobras presos por causa de propinas pagas em obras iniciadas na gestão lulista pode enfraquecer as aspiração daqueles que sonham com o “Volta, Lula”.

Mais do que nunca, Dilma terá de se lembrar das palavras malcriadas da ex-ministra Marta Suplicy ao deixar o Ministério da Cultura na semana passada: “Todos nós, brasileiros e brasileiras, esperamos que a senhora seja iluminada”. Não é apenas a economia que enfrenta um momento de trevas.