A Comissão Nacional da Verdade vai recomendar explicitamente, em seu relatório final, a responsabilização criminal de agentes de Estado apontados como autores de graves violações de direitos humanos ocorridas no período da ditadura.

O colegiado também deverá apresentar uma lista com os nomes de pessoas que, de acordo com suas investigações, devem ser responsabilizadas. O texto do relatório não deverá citar explicitamente, porém, a necessidade de revisão ou reinterpretação da Lei da Anistia, de 1979.

O coordenador da comissão, o advogado Pedro Dallari, disse ontem que, embora o texto com essa recomendação de penalização dos agentes de Estado ainda não tenha recebido sua redação final, as suas principais ideias já estão definidas. "Vamos propor a responsabilização criminal daqueles que deram causa a graves infrações de direitos humanos", afirmou. "Essa é a questão fundamental para a comissão. Se isso envolve mudar ou reinterpretar a Lei da Anistia trata-se de um debate jurídico que não nos compete, não é nosso."

Dallari lembrou que a ideia da responsabilização criminal foi debatida e votada recentemente entre os integrantes da comissão e que só um deles, o advogado Paulo Cavalcanti, votou contra. Ele também mencionou as várias interpretações que existem a respeito de como tratar a questão da responsabilização penal diante da Lei da Anistia. "O Gilson Dipp acha que é possível responsabilizar os agentes de Estado sem mudar a Lei da Anistia. Mas existem outras opiniões.", disse ele, referindo-se ao ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que já fez parte da comissão,

O coordenador também confirmou que será apresentada uma lista com os nomes de agentes de Estado que cometeram graves violações de direitos humanos. "Vamos seguir o que diz a lei que deu origem à comissão", explicou. "Ela diz que, além de apurarmos a verdade sobre os crimes cometidos, devemos também apontar a sua autoria."

O relatório final deverá ser entregue à presidente Dilma Rousseff em 10 de dezembro, o Dia Internacional dos Direitos Humanos. Foi nessa data, em 1948, que a Organização das Nações Unidas adotou, numa cerimônia realizada em Paris, a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

 

Mortes de jornalistas farão parte de pesquisa sobre ditadura

 

A Comissão Nacional da Verdade dos Jornalistas - grupo criado pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) - deve apresentar, em dezembro, um relatório com nomes de 22 profissionais da área de comunicação mortos na época da ditadura militar (1964-1985).

Em encontro ontem em Brasília, representantes do grupo receberam da Comissão de Anistia, vinculada ao Ministério da Justiça, um estudo de casos de perseguições e torturas para ser incluído nas pesquisas.

Entre os mortos pelo regime militar que serão citados no relatório do grupo criado pela Fenaj está o paulista Luiz Eduardo da Rocha Merlino, morto aos 22 anos, em 1971. A repressão divulgou, na época, que Luiz Merlino, repórter com passagem pela redação do antigo Jornal da Tarde, do Grupo Estado, tinha se suicidado.

Diferentemente da versão oficial, Merlino foi preso em Santos (SP) e levado para a sede do DOI-Codi, em São Paulo, chefiado pelo oficial do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra. Lá, o jornalista passou por sessões de tortura, pendurado pelas mãos e pelas pernas num "pau de arara" - uma barra de ferro utilizada para imobilizar o preso nos momentos de choques elétricos, socos e afogamentos. Em 2012, a Justiça condenou Ustra e outros três militares a pagarem indenização por danos morais à família de Merlino.

O jornalista alagoano Jayme Amorim de Miranda, 49 anos, assassinado em 1975, é outro nome na lista que será apresentada pela comissão. Miranda era membro do PCB e foi preso no Rio de Janeiro. O corpo dele não foi entregue à família. No livro A ditadura encurralada, o jornalista Elio Gaspari diz que o militante foi visto nas dependências do Dops, em São Paulo.

O presidente e o secretário-geral da Comissão Nacional da Verdade dos Jornalistas, Audálio Dantas e Sérgio Murillo de Andrade, disseram que o relatório reunirá informações obtidas por 18 sindicatos ligados à Fenaj. "A ideia é usar todos os dados num único documento para ser disponibilizado na internet e no formato de um livro", afirmou Andrade.

O secretário-geral explicou que o trabalho focará ainda casos de profissionais que sobreviveram à tortura e veículos de comunicação fechados ou censurados pelo regime, especialmente no interior do País. "A situação era difícil, com a censura e as perseguições, mas eu me pergunto o motivo de não ter sido possível fazer alguma coisa", comentou Audálio Dantas.

As versões falsas de suicídios e acidentes repassadas pela ditadura acabavam sendo absorvidas. Ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, Dantas avalia que a morte em sessão de tortura do jornalista Vladimir Herzog, em outubro de 1975, em São Paulo, foi a "gota d'água" para uma "reação espontânea" do meio.

Contribuição. Em 2012, Audálio Dantas publicou a história do crime que mobilizou São Paulo e o País no livro As duas guerras de Vlado Herzog. Para ele, a divulgação do relatório sobre as mortes dos jornalistas contribuirá para o debate sobre liberdade de expressão num momento em que pequenos grupos de manifestantes pedem a volta dos militares ao poder.

"Esperamos que essas manifestações por conta do resultado das eleições presidenciais não sejam ovos da serpente."