Apresentados em conversas reservadas como os escolhidos para compor o governo no segundo mandato, os futuros ministros da Agricultura, Kátia Abreu, e da Fazenda, Joaquim Levy, aproximam uns e afastam outros. Desde a última sexta-feira, quando o Planalto decidiu vazar os nomes como fechados pela presidente Dilma Rousseff, os mercados se acalmaram, o agronegócio, idem. Mas, se o nome de Levy foi visto com certa dose de decepção pelos economistas do PT, o de Kátia Abreu fez estrilar o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Para completar, na seara política o nome de Kátia desagradou, em especial, a bancada do PMDB, que planejava manter a Agricultura sob seu comando. 

O MST foi além das simples reclamações. No último sábado, o Movimento ocupou uma fazenda de milho no Rio Grande do Sul como forma de protesto contra a senadora, e ainda divulgou um texto "Bem-vinda Kátia Abreu", anunciando novas invasões. 

Essas reações terminaram ampliadas porque a presidente adiou o anúncio oficial, passando a muitos a ideia de que só aumentou, ao longo dos últimos anos, aquilo que os aliados esperam ser uma página virada: a dificuldade de a presidente Dilma Rousseff em tomar decisões sem infinitas idas e vindas nas negociações. 

Há uma semana, quando a presidente desembarcou em Brasília vinda da reunião do G20, na Austrália, a expectativa no Palácio do Planalto era a de que a equipe econômica seria escolhida e anunciada até a última sexta-feira. Porém, a presidente, comentaram assessores, preferiu adiar o anúncio dos novos ministros para poder entregar o "pacote fechado". A justificativa teria sido a de que Dilma desejava colocar no bolo os presidentes dos bancos públicos, além do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini; e dos ministros da Fazenda, Joaquim Levy; do Planejamento, Nelson Barbosa; e do Desenvolvimento Indústria e Comércio, Armando Monteiro Neto. Não se esperava, mas acabou entrando nesse conjunto o Ministério da Agricultura. 

Tanto Kátia Abreu, do PMDB, quanto Armando Monteiro Neto, do PTB, são citados em seus respectivos partidos como ministros da cota pessoal de Dilma. A primeira, pelo que fez na campanha, defendendo Dilma dos ataques dos ruralistas; o segundo, pelo diálogo com o empresariado - apesar de a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) e das Indústrias do Rio (Firjan) não apoiarem a Confederação Nacional da Indústria (CNI), quando presidida por Monteiro durante os oito anos do governo Lula. 

Desconforto 
Ao mesmo tempo em que servem de pontes na economia, os nomes causam algum desconforto na política, especialmente o de Kátia Abreu. A senadora entrou no PMDB pelas mãos de Michel Temer, com as bênçãos de Dilma e sem aval, seja da bancada peemedebista na Câmara ou no próprio Senado. Entre os senadores, incomodou o fato de Kátia, recém-chegada ao partido, ser escolhida para ministra, enquanto há uma fila de senadores peemedebistas esperando. 

A última vez que a presidente chamou um senador peemedebista para compor seu governo foi quando sondou Eunício Oliveira (PMDB-CE) para o Ministério da Integração no sentido de tirá-lo da disputa para o governo do Ceará (leia análise nesta página). Vital do Rego Filho, da Paraíba, já chegou ao ponto de ter sido indicado e nunca chamado. Agora, está cotado para ocupar a vaga no Tribunal de Contas da União. O PMDB tem ainda dois senadores ministros que devem deixar o governo - Edison Lobão, de Minas e Energia; e Garibaldi Alves, da Previdência. Até agora, não há o menor sinal de que outros senadores serão chamados a compor a equipe de Dilma. 

Se os problemas fossem apenas dentro do PMDB, Dilma estaria bem, mas Kátia também não agradou os militantes petistas que defenderam a presidente com toda a garra no período mais crítico da campanha. As alas mais à esquerda do PT ficaram em polvorosa com a notícia de que Kátia foi escolhida para compor o governo. Tampouco comemoraram a chegada de Joaquim Levy à equipe econômica, tido como alguém da ortodoxia em seu estado puro (ou seja, dos cortes e do ajuste fiscal rigoroso). 

O grau de autonomia desses personagens é outra dúvida na cabeça do PT e de aliados. Joaquim Levy, além de pedir carta branca a Dilma para, de fato, implantar a política de austeridade de que o país necessita, quer liberdade para indicar os presidentes dos bancos públicos. Enquanto isso, o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, após encontro com os representantes da CNI, garantiu que o governo da presidente Dilma não adotará "uma política econômica ortodoxa". 

Enquanto o mercado e seus agentes aguardam com expectativa os nomes encarregados de conduzir a política econômica e o grau de autonomia que Dilma dará a eles, a classe política aliada espera apreensiva. O PT, por exemplo, não sabe ainda qual será o papel do governador da Bahia, Jaques Wagner, tido como um dos negociadores de peso do futuro governo. O PP adoraria manter o Ministério das Cidades, hoje mais próximo do PSD de Gilberto Kassab, da mesma forma que os peemedebistas sonham com o Ministério da Integração. Dilma planeja concluir a reforma até 19 de dezembro, a sexta-feira anterior ao Natal. Até aqui, não anunciou oficialmente nenhum nome e politicamente só colecionou problemas. A demora pode passar mais um sentimento de fraqueza do que de cautela, algo que não soaria bem neste momento. 

"O agronegócio tem como lógica a terra para produção de mercadorias, com uso intensivo de agrotóxicos e sementes transgênicas destruindo os recursos naturais e a saúde dos trabalhadores e de toda a população" 
Raul Amorim, da coordenação do coletivo de juventude do MST, que ontem ocupou uma fazenda no Rio Grande do Sul em protesto contra Kátia Abreu 

Análise da notícia
O problema foi a forma 

No início deste ano, Dilma chegou a convidar o senador Eunício Oliveira (PMDB-CE) para ministro da Integração Nacional, com o compromisso de que ele desistisse de concorrer ao governo do Ceará. O PMDB recusou a oferta, por um motivo muito simples: Dilma chamou Eunício apenas para evitar que ele fosse candidato a governador e não pelas qualidades dele enquanto gestor. Não conseguiu. Guardadas as devidas proporções, surge algo parecido agora com a escolha de Kátia Abreu. 

Em política há um ditado que diz que tudo o que é acordado não sai caro, ou seja, dá-se total importância à combinação prévia do jogo antes de entrar em campo. Se Dilma queria dizer ao PMDB que, ao escolher Kátia Abreu, estaria prestigiando o partido, deveria ter combinado antes. Bastaria chamar o PMDB e propor a indicação de Kátia, de forma a que o partido saísse como o padrinho e se sentisse partícipe dessa escolha. Da forma como está, o PMDB apenas se vê obrigado a "engolir" a nomeação como da sua lavra. 

Do jeito que Dilma está nomeando seus ministros, ela concede espaços aos partidos sem que deputados e senadores que ajudam o governo no Congresso se sintam representados nesse mesmo governo. Logo, ela terá que arrumar agora novos postos para que os partidos se sintam incluídos. Essa forma de nomear combinando é fundamental, especialmente nesses tempos em que o governo precisa de votos para aprovar a mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias deste ano.