A Câmara Legislativa inicia a semana com duas pautas indigestas que dividem opiniões em gabinetes, corredores e no plenário. Mas a indecisão só ocorre internamente. Fora do ambiente corporativista da Casa, entre os brasilienses, a postura em relação aos dois projetos de resolução que restringem a possibilidade de investigação de distritais por quebra de decoro é outra. Na sessão deliberativa de amanhã, será apreciado em caráter definitivo o texto que altera o Código de Ética da Casa para restringir a tramitação de representações contra parlamentares. Caso prevaleça a posição dos distritais, os processos somente poderão ser abertos caso não caibam mais recursos nas ações criminais e por improbidade em que eles figuram como réus. A proposta foi aprovada em 1º turno em 12 de novembro, com voto de 13 deputados.

Além disso, caso os líderes de blocos e partidos entrem em acordo, outro projeto nebuloso também pode ir a plenário. Esta última proposta modifica o Regimento Interno e retira do cidadão comum e de entidades da sociedade civil organizada o direito de apresentar denúncias ou notícias de infração contra parlamentares. No lugar desses grupos, entram os partidos políticos com representação na Casa local e na Câmara dos Deputados. Apresentada também em 12 de novembro, a proposta contou com 13 assinaturas. Depois da grande repercussão negativa, dois deputados formalizaram a retirada dos nomes da lista — Celina Leão (PDT), e Professor Israel Batista (PV).

Os dois projetos — apresentados sem muito alarde logo após as eleições e próximo ao encerramento da atual legislatura — tiveram o apoio seja de assinatura ou de votos, de parlamentares que enfrentam problemas judiciais, alguns em ações penais, outros por improbidade administrativa. No grupo estão Aylton Gomes (PR) e Benedito Domingos (PP), que têm condenações em segunda instância por improbidade administrativa e foram barrados no processo eleitoral pela Lei da Ficha Limpa. Rôney Nemer (PMDB), condenado na semana passada pelo Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios, também por improbidade, e Wellington Luiz (PMDB), que virou réu em uma ação penal na última semana, por desvio de recursos e fraude a licitações, também manifestaram apoio.

Completam a equipe Liliane Roriz (PRTB), com processos por improbidade em tramitação na Justiça, e Cristiano Araújo (PTB), que tem contra si um inquérito policial encaminhado ao Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) por fraude a licitações. O petebista, aliás, foi um dos principais articuladores das duas propostas. “Ninguém pode tirar o mandato de um distrital que não tem culpa. Um deputado pedófilo, por exemplo, vai ser expulso, vai perder o mandato. A Justiça, se quiser, julga em um mês e pode condenar. Mas não podemos cassar por conta de indício, quando ainda se pode provar a inocência. Queremos apenas que exista uma regra clara, não é para proteger deputado”, explica.

O petista Chico Vigilante também é defensor da proposta. Ele votou a favor do projeto no 1º turno e vai manter a posição, caso ela chegue ao plenário novamente. “Mantenho minha decisão. Todos que votaram sabiam muito bem o que estava em análise. Dizer que quer discutir agora é demagogia”, alfineta.

A justificativa do projeto, que não tem autoria principal identificada, é a adequação a regras constitucionais. Os defendores ressaltam também que a previsão de trânsito em julgado já existe, por exemplo, nos regimentos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. O que os distritais se esquecem de relatar é que desejam incluir na regra da Câmara Legislativa apenas a parte dos regimentos alheios que lhes interessa. A mudança não inclui, por exemplo, a previsão sobre a cassação de parlamentares que perderem ou tiverem suspensos os direitos políticos, conforme consta da lei editada por senadores, deputados federais e na própria Constituição Federal. “As regras criadas são para resguardar os próprios interesses corporativos”, opina o cientista político Leandro Rodrigues, pesquisador da Universidade de Brasília (UnB).

Recuo
Pelo menos dois parlamentares que votaram favoravelmente à proposta no turno mudaram de ideia: Professor Israel e Celina Leão. “Não tivemos tempo de discutir nada. Tem algumas coisas na matéria que acho justas, porque, às vezes, somos perseguidos, como eu mesma já fui, mas não dá para ser desse jeito”, destacou Celina. Outros que estavam em plenário no 1º turno e votaram pela aprovação, agora, se dizem em dúvida e podem mudar a posição: Liliane Roriz, Dr. Michel (PP), Robério Negreiros (PMDB) e o presidente da Casa, Wasny de Roure (PT). Este último reconheceu que as propostas foram apresentadas de forma açodada e não precisam, necessariamente, seguir em frente. Ele defende um adiamento. “Teremos reunião da bancada do PT e do Colégio de Líderes. Não precisamos apreciar a matéria. Não temos mais que tratar esse assunto com pressa”, salientou. Robério acrescenta que não se sente confortável para votar novamente. “Creio que o projeto possa ser melhorado. Mas vou esperar a decisão do Colégio de Líderes”, reforçou.

Como votam
Posição dos distritais sobre votação em 2º turno do Projeto de Resolução nº 81.

Cláudio Abrantes (PT) – Contrário
Cristiano Araújo (PTB) – A favor
Celina Leão (PDT) – Contrária
Liliane Roriz (PRTB) – Indecisa
Wasny de Roure (PT) – Indeciso
Arlete Sampaio (PT) – Contrária
Chico Leite (PT) – Contrário 
Chico Vigilante (PT) – A favor
Joe Valle (PDT) – Contrário
Olair Francisco (PTdoB) – Indeciso
Paulo Roriz (PP) – Contrário
Israel Batista (PV) – Contrário
Dr. Michel (PP) – Indeciso
Patrício (PT) – Contrário
Robério Negreiros (PMDB) – Indeciso 
Washington Mesquita (PTB) – Contrário

Não foram localizados, não retornaram ligação ou não responderam à reportagem: Agaciel Maia (PTC), Alírio Neto (PEN), Aylton Gomes (PR), Benedito Domingos (PP), Eliana Pedrosa (PPS), Evandro Garla (PRB), Rôney Nemer (PMDB) e Wellington Luiz (PMDB).

"As regras criadas são para resguardar os próprios interesses corporativos”
Leandro Rodrigues, cientista político e pesquisador da Universidade de Brasília

 

 

 

"Afronta à população do DF"

 

 

Fora do bloco dos indecisos, dos que apoiam e dos que mudaram de ideia sobre o projeto que pode ser votado amanhã, estão os que resolveram se declarar contrários — alguns bem tardiamente. Eles se posicionam pela retirada da pauta da matéria. Caso ela chegue a plenário, já anteciparam o voto negativo. São eles: os petistas Arlete Sampaio, Chico Leite, Cláudio Abrantes e Patrício, o pedetista Joe Valle, e o petebista Washington Mesquita; além de Paulo Roriz (PP). “Vou me posicionar no Colégio de Líderes pela retirada imediata das duas propostas e não apenas da que está pronta para ser votada novamente”, explicou Paulo Roriz.

Entre os deputados que se disseram enganados quanto às boas intenções alegadas pelos autores das propostas, pelo menos um mudou de ideia a tempo. Joe Valle chegou a assinar o PR nº 81 e riscou o seu nome da lista assim que teve informação a respeito do que significava, de fato, o projeto. “Não acredito que seja votado, que seja incluído na ordem do dia. Esse projeto é uma afronta à população do DF. Vai na contramão do que a sociedade quer em pleno século 21”, disse. 

O deputado do PDT, aliás, foi relator, na Comissão de Ética, do processo que levou à cassação de Raad Massouh (PPL), no ano passado. Caso a regra que a Câmara pretende aprovar estivesse valendo, o parlamentar, acusado de participação no desvio de recursos de uma emenda parlamentar em 2010, sequer teria sido investigado. Isso porque a denúncia feita pelo MPDFT com base em um inquérito policial nem mesmo foi aceita pela Justiça.

Atual corregedor e relator do último processo de cassação que correu na Casa (o de Benedito Domingos, que foi arquivado), Patrício acha que as propostas representam retrocesso. “Sou totalmente contra. É preciso ter coerência e responsabilidade com as nossas ações. Sobretudo no exercício do mandato. Fazer com que parlamentares se livrem de processos de cassação, na maioria por interesses pessoais, é atentar contra a democracia”, alerta.

A líder do governo, Arlete Sampaio, afirma que não assinou o projeto e não estava em plenário no 1º turno, mas vai trabalhar para a retirada da pauta. “Sequer assinei a proposta e vou votar contra se for de fato a 2º turno”, afirma. Outro que 
não estava presente, Washington Mesquita afirma que sua posição é contrária no caso da insistência em levar o projeto a plenário novamente. “Sou radicalmente contra essa proposta. Votarei não se for apresentado novamente”, avisou.






13
Total de deputados que votaram a favor da matéria em 12 de novembro





As propostas polêmicas

Projeto de Resolução nº 81, de 2014
Protocolado em: 12 de novembro de 2014
O que é: altera o Código de Ética da Câmara Legislativa. Estabelece que os deputados só podem sofrer processo de cassação por ato de improbidade administrativa depois de a sentença ter transitado em julgado, ou seja, quando não houver mais possibilidade de recursos judiciais
Situação: aprovado em 1º turno em 12 de novembro. Pronto para ser votado em definitivo amanhã
Quem assinou: Agaciel Maia (PTC), Alírio Neto (PEN), Aylton Gomes (PR), Benedito Domingos (PP), Celina Leão (PDT), Chico Vigilante (PT), Cláudio Abrantes (PT), Cristiano Araújo (PTB), Dr. Michel (PP), Liliane Roriz (PRTB), Olair Francisco (PTdoB), Professor Israel Batista (PV), Robério Negreiros (PMDB), Wasny de Roure (PT) e Wellington Luiz (PMDB).
Votaram a favor: Alírio Neto (PEN), Aylton Gomes (PR), Benedito Domingos (PP), Celina Leão (PDT), Chico Vigilante (PT), Cristiano Araújo (PTB), Dr. Michel (PP), Eliana Pedrosa (PPS), Liliane Roriz (PRTB), Professor Israel Batista (PDT), Robério Negreiros (PMDB), Wasny de Roure (PT) e Wellington Luiz (PMDB).

Projeto de Resolução nº 82, de 2014
Protocolado em: 12 de novembro de 2014
O que é: altera o Regimento Interno da Câmara Legislativa. Retira cidadãos comuns e entidades representativas da sociedade civil da relação daqueles que podem oferecer representações, denúncias ou notícias de infrações contra deputados distritais
Situação: em tramitação. Pode ir a plenário amanhã
Quem assinou: Agaciel Maia (PTC), Alírio Neto (PEN), Aylton Gomes (PR), Benedito Domingos (PP), Celina Leão (PDT), Chico Vigilante (PT), Cristiano Araújo (PTB), Dr. Michel (PP), Eliana Pedrosa (PPS), Liliane Roriz (PP), Professor Israel Batista (PDT), Robério Negreiros (PMDB) e Wellington Luiz (PMDB).