Os nomes nem sequer foram confirmados oficialmente pelo Planalto, mas as indicações do ortodoxo Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda e da ruralista Kátia Abreu (PMDB-TO) para o Ministério da Agricultura incendiaram o PT e acirraram uma crise com o governo que foi a tônica dos últimos quatro anos, abafada na reta final do segundo turno das eleições presidenciais. Os petistas estão, em redes sociais e em debates internos, exasperados com os sinais de que o futuro titular da equipe econômica fará o ajuste fiscal e o arrocho prometidos pelos tucanos e com a lembrança de discursos acirrados da senadora peemedebista contra índios e a favor do agronegócio. 

"É sério mesmo que a Kátia Abreu será a ministra? Não é só boato? A presidente Dilma confirmou a indicação?", indagou um petista, atônito, com o mesmo sentimento que abalou a confiança da esquerda petista nos últimos três dias. Um dos principais integrantes do núcleo agrário do PT, o deputado Padre João (MG) lembrou que os murmúrios de que Kátia Abreu se tornaria ministra da Agricultura não começaram agora. "Só espero que, caso isso se confirme, ela venha comprometida com o projeto social do nosso governo e não apenas com os ruralistas e os empresários do campo", disse o Padre João. 

O petista lembra que, apesar de ligados ao Ministério da Agricultura, autarquias como a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e a Embrapa têm de manter o foco na agricultura familiar, não apenas nos grandes produtores. "A Conab hoje tem um programa muito mais amplo do que o de estoque de alimentos. Ela cuida do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que compra produtos plantados pelos pequenos produtores", completou Padre João. 

Ontem, o vice-presidente Michel Temer não quis prolongar a polêmica em torno da provável indicação de Kátia Abreu - que deixou o PSDB rumo ao PMDB com o aval dele - para o Ministério da Agricultura. "No tocante ao PMDB, tudo ficou para dezembro. Segundo ponto, seja quem for o indicado, haverá os que elogiam e os que criticam. As redes sociais são assim, né?", ponderou. 

Para compensar a insatisfação dos petistas, Dilma pode confirmar, na próxima quinta-feira, além dos integrantes da equipe econômica, de Kátia Abreu e de Armando Monteiro Neto (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio), os petistas Miguel Rossetto para a Secretaria-Geral da Presidência e Carlos Guedes para o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Guedes é ligado a Rosseto e foi presidente do Incra. É uma tentativa da presidente de acalmar a esquerda do PT. 

Não é só nas indicações de nomes petistas que se ampara o discurso da presidente. Aliados de Dilma reconhecem que algumas das escolhas feitas por ela neste momento podem decepcionar o partido, mas que é preciso entender a atual situação do país, que requer concessões e um diálogo com todos os setores da sociedade, inclusive os mais conservadores. Para os interlocutores palacianos, não se pode brincar após uma eleição decidida por uma diferença de apenas 3,5 milhões de votos. 

Se a vitória de Dilma sobre Aécio Neves (PSDB-MG) tivesse sido por 5, 10 milhões, a presidente poderia se dar ao luxo de escolher nomes mais petistas para compor a equipe ministerial. Uma fonte governista até plagiou o discurso de "O Brasil acordou", entoado nas manifestações de junho de 2013, para explicar o atual momento do país. "O gigante acordou, dormiu novamente e virou para a direita em outubro deste ano", ponderou o petista. 

Governabilidade 
Ele cita a eleição de um Congresso extremamente conservador e que exigirá muita habilidade da presidente nas negociações em busca da governabilidade. "Embora alguns petistas finjam não viver em uma democracia, temos que aprender a negociar com um parlamento conservador em sua maioria, formado por 513 deputados e 81 senadores. No passado recente, alguns quiseram minimizar isso e deu no que deu", completou o analista político do PT, em uma referência indireta ao escândalo do mensalão. 

O mesmo cenário justifica a escolha de uma equipe mais ortodoxa para impor o ajuste fiscal no país. "O governo não terá dinheiro no ano que vem, pelo contrário, terá que cortar gastos. Os investimentos que o país necessita terão de vir da iniciativa privada. Se não fizermos o dever de casa, eles não terão a confiança necessária para ajudar na retomada do nosso crescimento", ponderou um aliado da presidente. 

Na tarde de ontem, o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), saiu em defesa dos novos integrantes da equipe econômica para acabar com a "fritura" dos novos ministros antes mesmo de eles assumirem o cargo. "Estão tentando disseminar um ambiente de mal-estar entre eles e o PT. A presidente Dilma é responsável, ela tem compromisso com a estabilidade econômica no Brasil. Que não morram de véspera os pessimistas, porque o Levy nem chegou à Fazenda, e será guardião do modelo de desenvolvimento que mostrou que dá certo e que é exitoso." 

"Seja quem for o indicado, haverá os que elogiam e os que criticam. As redes sociais são assim, né?"
Michel Temer (PMDB-SP), vice-presidente da República 

"Só espero que, caso isso se confirme, ela venha comprometida com o projeto social do nosso governo e não apenas com os ruralistas e os empresários do campo" 
Padre João, deputado (PT-MG), sobre a indicação de Kátia Abreu

 

 

FHC critica economia

 

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) criticou a presidente Dilma Rousseff por minimizar a crise econômica. "O mais preocupante pra mim, como brasileiro, não como partido, é que podemos estar perdendo uma oportunidade, porque o setor energético está mal no momento em que o mundo dá um salto nessa matéria. O setor manufatureiro está sem competitividade. O setor de produção de commodities está ameaçado pela retração dos mercados. O momento é muito difícil para o Brasil", afirmou, ao participar de um seminário na Universidade de São Paulo (USP), ontem. 

Questionado sobre a reforma ministerial, se o processo tem sido "atabalhoado", FHC respondeu que "parece que corresponde". "Foi inesperado, pelo menos", completou. O ex-presidente contestou a afirmação de que Joaquim Levy, cotado para ser o novo ministro da Fazenda, seja de direita. "Em certos momentos, tem que se tomar certas medidas para evitar que o país perca o rumo", disse. A negação das dificuldades econômicas, para FHC, é grave. "A presidente e o ministro (da Fazenda) Mantega, então, nem se fale, dizem que está tudo bem, que a crise é internacional. Não é internacional. A crise é nossa também."