Título: Consumo de R$ 2,5 trilhões
Autor: Martins, Victor ; D"angelo, Ana
Fonte: Correio Braziliense, 20/06/2011, Economia, p. 8

A forte mobilidade social que fez 70% da população melhorar de vida nos últimos 14 anos alterou os hábitos de consumo do país. O brasileiro, que até meados dos anos 1990 tinha os sonhos reprimidos por inflação descontrolada e instabilidade econômica, está gastando como nunca, em busca de produtos caros e sofisticados. Neste ano, as famílias devem desembolsar uma fortuna de R$ 2,5 trilhões, principalmente com moradia, alimentação, higiene, cosméticos e viagens ¿ há 20 anos, a maior parte do orçamento era destinada a comida. A mudança do padrão transforma também a indústria, que se adapta para atender um público cada vez mais exigente.

Com o emprego batendo recordes e a renda em alta, além do crédito ainda abundante, os trabalhadores soltaram as amarras para obter produtos e serviços pelos quais ansiavam: televisores de última geração, computadores, eletrodomésticos, móveis modernos e a casa própria, frequentemente em conjuntos residenciais que passaram a reunir características de clube e shopping. Segundo pesquisa da consultoria IPC Maps, 52,3% de tudo o que será gasto em 2011 está destinado a despesas com o lar e o lazer. Nesse cálculo, entram os financiamentos imobiliários. Em segundo plano, vem alimentação. "Apenas a classe C vai desembolsar quase R$ 700 bilhões, um volume 19% maior que o registrado no ano passado", calcula Marcos Pazzini, diretor da IPC Maps.

Comparado ao ano passado, o incremento nas despesas totais da população deve ser de 4,1% neste ano. Confirmando-se as estimativas dos economistas para o Produto Interno Bruto (PIB, soma de todas as riquezas do país), mais uma vez o consumo irá superar o crescimento da própria economia ¿ a média dos analistas consultados semanalmente pelo Banco Central espera uma expansão de 3,96%. Na avaliação de itens específicos, a manutenção do lar vai absorver 26,4% da renda dos brasileiros, seguida de alimentos e bebidas (17,1%), higiene e saúde (8%), transportes (7,5%), vestuário e calçados (4,7%) e recreação e viagens (3,4%) (veja gráfico).

De acordo com o estrato social, a classe B terá o maior volume de despesas, com R$ 1,081 trilhão. Em segundo lugar, vem a C (R$ 689,9bilhões) e, só depois, a A (R$ 440,5 bilhões). Na distribuição espacial, as cidades que mais vão consumir neste ano são: São Paulo (R$ 233 bilhões), Rio de Janeiro (R$ 133 bilhões) e Brasília (R$ 48 bilhões). A fabricante de eletrodomésticos Whirlpool, detentora das marcas Brastemp e Consul no Brasil, e as indústrias eletrônicas Sony e Foxconn estão entre as empresas que já se deram conta das mudanças no padrão de renda e consumo em todo o país. A Sony, apenas em 2010, cresceu 85% no país. Em 2011, a expectativa é de avançar mais 48%.

Conquistas O servidor Edvaldo Gomes Filho, 60 anos, é exemplo da transformação. Ele recorda bem dos altos e baixos de sua vida e não tem vergonha de assumir que já passou dificuldades. "Minha família é de João Pessoa (PB) e viemos para Brasília montar uma padaria. Só que não deu certo e meu pai chegou a ficar desempregado. Na época, eu e meu irmão vendíamos até doces e balas nos ônibus", conta. Depois que conseguiu se formar e obter uma posição no Congresso, a vida melhorou. "Peguei o diploma de bacharel em economia e acumulei cargos. Hoje, vivo muito bem." Uma casa com piscina era um sonho que, até o ano passado, parecia impossível ¿ ele morava em um apartamento de dois quartos com a família no Guará. "Agora, tenho até piscineiro."

A mudança de classe social trouxe alterações expressivas no dia a dia de sua família. Bons restaurantes, carro importado, roupas de marca e outros luxos, atualmente, fazem parte da rotina do servidor. "Até mesmo na compra do mês, notamos uma grande diferença. Não podíamos comprar picanha e camarão sem regrar", compara. Outra realização está prestes a ocorrer: no próximo ano, está marcada uma viagem à Europa. "Nunca fomos ao exterior. É mais uma meta alcançada."

Histórias semelhantes à de Gomes se tornam comuns. De um salário de R$ 600 numa imobiliária, o hoje empresário Júlio César Alves, 27 anos, saltou para a almejada classe alta quando abriu a própria construtora. Apesar da pouca idade, ele já realizou sonhos de criança, como o de comprar uma lancha. "Esse era um dos meus maiores desejos", afirma. "No passado, era difícil subir na vida. Quem nascia pobre morria pobre. Hoje, há muitas oportunidades. É claro que é preciso lutar para vencer, mas está mais fácil." A evolução de seus carros na garagem conta a história da ascensão: de um Fusca para uma caminhonete Hylux, da Toyota.

Cleomar Dias dos Santos, 57 anos, também se beneficiou com a onda. Quando chegou a Brasília, nos anos 1990, não tinha casa, carro ou perspectivas. Cansado de trabalhar numa loja de calçados, decidiu abrir um negócio. Pediu demissão, alugou uma banca na feira de Ceilândia, comprou algumas peças de roupa e se transformou em vendedor. Passados alguns anos, a iniciativa deu tão certo que ele comprou a banca na qual trabalhava e a casa onde morava de favor, trocou a Kombi velha por um carro novo e ainda adquiriu mais uma residência. Hoje, pode viajar com a família para visitar o Maranhão, onde nasceu.

"Graças a Deus, sou um vencedor. Consegui crescer pelo próprio esforço", comemora. No ano passado, ele se juntou a um amigo, alugou alguns terrenos em Águas Lindas (GO) e construiu um galpão. Transformou o local em uma feira e, além de vender roupa, aluga bancas. Cleomar é um dos muitos brasileiros que fizeram a transição da classe D para a C e, agora, para a B. "Antes, a preocupação era só colocar comida em casa. Agora, é onde investir e como crescer mais."