A presidente Dilma Rousseff cedeu aos apelos do mercado e admitiu ontem que precisa mudar urgentemente a política econômica para evitar um segundo mandato desastroso. Depois de muito relutar, escolheu Joaquim Levy, hoje diretor da Bradesco Asset, para suceder Guido Mantega no Ministério da Fazenda. Levy tem um pensamento econômico totalmente oposto ao que prevaleceu nos últimos quatro anos e que levou o país à recessão e a conviver com inflação no teto da meta, de 6,5%.

Como era de esperar, Dilma decidiu criar um contraponto à linha ortodoxa de Levy, comparada à de Armínio Fraga, que seria o ministro da Fazenda caso Aécio Neves fosse o vencedor nas últimas eleições. Ela chamou Nelson Barbosa para o Ministério do Planejamento. O economista foi secretário executivo da Fazenda e criou laços importantes com a presidente ao participar da elaboração de programas como o Mina Casa, Minha Vida. O trio que comandará a economia a partir de 2015 será completado por Alexandre Tombini, mantido na presidência do Banco Central. 

O anúncio oficial da nova equipe será feito na próxima quarta-feira. A expectativa, alimentada pelo Palácio do Planalto, era de que a divulgação ocorresse ontem. Mas Dilma não conseguiu fechar todos os nomes para a economia. Estão pendentes os ocupantes do Tesouro Nacional - não há a menor possibilidade de Arno Augustin permanecer no posto, devido aos truques contábeis que minaram a confiança nas contas públicas - e dos bancos públicos, esses ambicionados por políticos. 

Independentemente da frustração com a falta do anúncio oficial, os investidores aprovaram as escolhas de Dilma. A expectativa é de que, mesmo a contragosto, a presidente sancione um ajuste fiscal mais forte em 2015 para evitar que a economia degringole de vez. No Planalto, a percepção é de que não há como fugir. Será preciso "puxar o freio" em 2015. 

Segundo interlocutores palacianos, há uma percepção clara de que "a largada necessita ser forte e precisa". A presidente entrega a ela mesma um quadro bem diferente do herdado em 2010, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou o bastão com avanço de 7,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Na melhor das hipóteses, o crescimento de 2014 será de 0,2%. 

O perfil conservador de Levy, que integrou o governo Fernando Henrique Cardoso e foi secretário do Tesouro na gestão de Antonio Palocci à frente da Fazenda, também agrada a Lula, que tem defendido mudanças de rumos na economia. Depois do susto vivido na eleição presidencial, quando Dilma foi reeleita com uma margem de apenas 3 milhões de votos, Lula sabe que, se a economia patinar por mais quatro anos, a oposição se fortalecerá para encerrar o ciclo petista no governo. 

Indefinição nos bancos 

Tudo estava pronto para que o anúncio fosse feito ontem. A dúvida, até então, era se os nomes seriam divulgados antes ou depois do término do pregão da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Os rumores sobre os nomes fizeram com que o Ibovespa cravasse alta de 5,02%. Mas, no fim do dia, Dilma ordenou à assessoria do Planalto que suspendesse o anúncio de qualquer ministro, incluindo os dois futuros titulares das pastas da Agricultura e do Desenvolvimento, Kátia Abreu e Armando Monteiro Neto, respectivamente. 
Alguns pontos emperraram o anúncio de ontem. O principal deles: a indicação de nomes para os bancos públicos - Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Levy quer ter autonomia para indiciar os executivos dessas instituições, mas enfrenta resistências e lobbies partidários e de pessoas que já ocupam cargos na equipe econômica. 

Para o Banco do Brasil, os cotados são Paulo Rogério Caffarelli, atual secretário executivo da Fazenda; Alexandre Abreu, atual vice de Varejo da instituição, defendido pelo atual presidente, Aldemir Bendini; e Aldo Mendes, diretor de Política Monetária do Banco Central, apoiado por Alexandre Tombini. 

Na Caixa Econômica Federal, Levy enfrenta o lobby do governador da Bahia, Jaques Wagner, que pleiteia a manutenção do também baiano Jorge Hereda, apesar de todos os problemas provocados por ele no episódio que culminou com a corrida de beneficiários do Bolsa Família às agências bancárias. Dilma confia em Hereda para conduzir a Caixa, banco essencial para o financiamento do Minha Casa, Minha Vida. 

No caso do BNDES, responsável pela polêmica política de escolha de grupos empresariais vencedores, a tendência é de que Luciano Coutinho permaneça por mais um ano, apesar do descontentamento de Dilma com os pífios resultados dos empréstimos no resultado final do PIB. 

Pressão da LDO 

Aliados da presidente também atribuíram o adiamento do anúncio da equipe econômica à polêmica tramitação da proposta de alteração na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2014 que extingue a meta de superávit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública). Segundo eles, como há uma guerra com a oposição em torno do tema, seria melhor deixar a atual equipe econômica arrematar as negociações com o Congresso. A proposta deve ser votada novamente na segunda-feira na Comissão Mista de Orçamento (CMO). 

Em clima de despedida de Brasília, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, recebeu a visita da mulher, a psicanalista Eliane Berger, e do filho, Marco, para uma visita ao Palácio da Alvorada no fim de tarde de ontem. A presidente Dilma acompanhou os três à capela de sua residência oficial. O substituto de Mantega terá, por sinal, o desafio hercúleo de recuperar a confiança dos empresários e dos investidores. Levy, para não ser pego de surpresa e poder aplicar seus princípios ortodoxos na política econômica, estaria negociando muito bem o espaço que terá para atuar no novo governo de Dilma. 

O economista Tony Volpon, diretor para a América Latina da Nomura Securities, lamentou o adiamento do anúncio da nova equipe econômica, uma vez que o mercado financeiro reagiu bem às escolhas de Dilma. "Levy é bem conhecido como um ortodoxo e formulador de políticas pró-mercado, o que deve ajudar na difícil tarefa de ajustes na política econômica", disse. Na avaliação de Volpon, a nomeação de Levy seria fundamental para restaurar a confiança do mercado financeiro. 

"Levy é bem conhecido como m ortodoxo e formulador de políticas pró-mercado, o que deve ajudar na difícil tarefa de ajustes na política econômica" 

Tony Volpon, diretor para a América Latina da Nomura Securities 

Grilo falante 

Joaquim Levy, futuro comandante da equipe econômica, quer total controle sobre o Tesouro Nacional, órgão que ele comandou e onde é considerado por técnicos o melhor chefe que passou por lá. O fato, porém, do atual secretário, Arno Augustin, perder o posto a partir de janeiro de 2015 não indica que ele deixará de ter influência sobre Dilma. Ela o quer ao seu lado no Palácio do Planalto. O medo é de que Augustin continue interferindo na política fiscal e inviabilizado o ajuste das contas públicas.

 

 

Hamilton no Tesouro

 

A que tudo indica, a mudança de rumos na próxima equipe econômica da presidente Dilma Rousseff tende a ser radical. Fontes ligadas ao Palácio do Planalto dão conta que o atual diretor de Política Econômica do Banco Central, Carlos Hamilton Araújo, poderia ser indicado para comandar o Tesouro Nacional, em substituição ao contestado Arno Augustin, tido como o mentor intelectual das manobras contábeis que resultaram na perda de credibilidade da política fiscal. 

A indicação de Hamilton para substituir Augustin seria, portanto, uma sinalização de total mudança de rumos na política fiscal, hoje a área mais contestada da economia. Considerado o membro mais ortodoxo do Comitê de Política Monetária (Copom), ele sempre foi uma das vozes mais críticas sobre a matriz econômica do governo. 

Há apenas uma semana, ele chegou a sinalizar que o BC poderá elevar a intensidade do aperto nos juros já em dezembro e se tornar ainda mais rigoroso no combate à inflação. Num discurso explosivo, Hamilton não deixou margem a dúvidas sobre os próximos passos da política monetária. "O BC não será complacente de forma alguma com a inflação", disparou, para emendar: "se necessário for, no momento certo, o comitê poderá recalibrar sua ação de política monetária". 

Diferenças 

Hamilton e Augustin têm perfis antagônicos. Enquanto o atual secretário do Tesouro possui uma postura mais leniente com os gastos públicos, o diretor do Banco Central é mais adepto da austeridade. Para ele, a política fiscal tem de ser coordenada como a monetária, de modo a reduzir a pressão sobre os preços e abrir espaço para que o BC não precise pesar a mão sobre os juros. 

Hamilton tem 50 anos, é cearense de Sobral, formado em engenharia civil pela Universidade Federal do Ceará. Aos 36, já era mestre e doutor em economia pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Antes de ocupar a Diretoria de Política Econômica, foi chefe da mesa no Departamento de Operações do Mercado Aberto, entre 2000 e 2001, e diretor de Assuntos Internacionais, por dois meses, em 2010.