A insatisfação crescente com os planos de saúde, mais uma vez atestada por estatísticas oficiais, não constitui novidade. O problema vem de longe e as suas principais causas, já bem conhecidas, não sofreram alteração significativa. O que surpreende é o tamanho do descontentamento mostrado em reportagem do Estado. Entre 2010 e 2013, as queixas de clientes dos planos aumentaram 440%, um número impressionante para período tão curto.

 

 

No ano passado, foram encaminhadas à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) 72 mil notificações (média de 8 por hora) de clientes inconformados por não terem conseguido aprovação para procedimentos médicos a que julgam ter direito. Em 2010, esse número foi pouco superior a 13 mil. O que torna essa situação ainda mais revoltante para os clientes é o contraste dela com as suas obrigações para com os planos. As mensalidades são generosamente reajustadas e qualquer atraso em seu pagamento é sancionado. O mesmo rigor não se observa do outro lado. Em outras palavras, paga-se caro por um serviço que não é prestado como deveria.

 

Segundo o diretor-presidente da ANS, André Longo, há duas explicações para o forte aumento do número de queixas. A primeira é que os clientes dos planos estão mais atentos a seus direitos e apelando com mais frequência para a ANS em sua defesa. "Hoje, estamos recebendo mais queixas do que todos os Procons do País", diz ele. E é bom que assim seja, porque a ANS tem meios mais poderosos e eficientes para enquadrar os planos. A segunda é que "o número de beneficiários de planos vem aumentando e algumas operadoras têm dificuldade de acompanhar essa demanda".

 

O que está por trás dessa explicação neutra, em linguagem técnica, é muito simples quando ela é traduzida, o que deve ser feito para que todos os interessados tenham uma ideia clara do que aconteceu e continua a acontecer. As empresas operadoras dos planos de saúde venderam - e continuam a vender - mais do que podem entregar. Em termos ainda mais simples: deram e continuam a dar um passo maior do que as pernas. Isso ocorreu sob as barbas do governo, que a tudo assistiu sem reagir, quando não muito satisfeito com o acesso de camadas populares aos planos.

 

Embora isso tenha começado antes, fiquemos no período considerado para medir o aumento das queixas. Em 2010, havia 45,1 milhões de clientes de planos de saúde, número que saltou para 50,5 milhões em 2013. Esse aumento não foi seguido, como seria natural, pela ampliação das redes de médicos, laboratórios e hospitais. É por isso que não têm funcionado a contento as regras estabelecidas pela ANS, em 2011, fixando prazos máximos para o atendimento dos vários tipos de procedimentos médicos.

 

Porque foram além do que podiam, agora os planos, mesmo que queiram, não conseguem cumprir aqueles prazos. O resultado, como admite Longo, é que "mais de um terço das reclamações por negativas de cobertura se refere aos prazos descumpridos". E as duas formas de punição, destinadas a obrigar os planos a cumprir suas obrigações, não têm dado os resultados esperados. Uma é a suspensão temporária dos que não respeitam prazos. Eles não vão respeitar mesmo, com suspensão ou não, enquanto a capacidade de atendimento das redes não for ampliada para se ajustar à demanda.

 

Outra é a aplicação de multas aos faltosos pela ANS. Elas também têm se multiplicado. Entre 2009 e 2013 foram 8.335, no valor total de R$ 1,09 bilhão. Mas, como acontece com a ANS e outras agências reguladoras, só uma parte pequena das multas é efetivamente paga, porque as empresas lançam mão com êxito de todos os recursos processuais possíveis para postergar - quando não anular - sua quitação. Por isso, daquele total só R$ 167 milhões foram pagos.

 

Está mais do que na hora de o governo rever sua relação com os planos, de modo a levá-los a se ajustar à demanda e, daqui para a frente, a só vender o que podem entregar, além de simplificar a cobrança efetiva das multas, sem o que elas perdem toda eficácia.