Brasília - A presidente Dilma Rousseff oficializou nesta quinta-feira, 27, sua principal cartada com o objetivo de arrumar a casa e deixar para trás um primeiro mandato de baixo crescimento, inflação em alta e contas públicas desacreditadas: a “importação” de um nome do mercado com pedigree acadêmico considerado ortodoxo para conduzir a guinada na economia. 

O plano foi apresentado no Palácio do Planalto pelos futuros ministros da Fazenda, Joaquim Levy, que veio do Banco Bradesco, e do Planejamento, Nelson Barbosa, além do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, que permanece na equipe. 

 

Para trabalhar com objetivos críveis e não impor grandes sacrifícios será perseguida em 2015 uma meta de superávit primário (economia de gastos para pagar a dívida pública) equivalente a 1,2% do Produto Interno Bruto diante da expectativa de um resultado próximo a zero, esperado para este ano. Em 2016 e 2017, a meta sobe para no mínimo 2% do PIB, que equivale à poupança necessária para conter o crescimento da dívida bruta brasileira. 

A expectativa é que o trio recupere a confiança do mercado, abalada por quatro anos de política econômica pouco transparente e pouco amigável ao setor privado. É também uma tentativa da presidente de criar uma agenda positiva em meio a uma crise política Congresso, reforçada pelos escândalos ligados à Petrobrás. 

“As coisas estão sendo discutidas sem pacotes, sem grandes surpresas”, disse Levy. “A gente não está em nenhuma agonia.” 

Ele não detalhou as medidas a serem adotadas para alcançar a meta. Não respondeu, por exemplo, se haverá aumento de impostos. Deu, no entanto, um sinal que o ajuste pode afetar as políticas sociais. “O equilíbrio da economia é feito para garantir o avanço das políticas sociais”, afirmou o futuro titular da Fazenda. “A continuidade do processo de inclusão depende da estabilidade e não acho que as duas coisas são contraditórias”, reforçou Barbosa. 

Afinação. Durante a primeira entrevista juntos, eles procuraram mostrar que estão afinados para afastar a impressão que haverá disputa entre um ministro ortodoxo - Levy - e um ministro desenvolvimentista - Barbosa. Não são raras, na capital federal, as disputas entre os ministros da Fazenda e do Planejamento. 

O reforço no ajuste fiscal foi respaldado também por Tombini. Ele disse que “um processo consistente e crível de consolidação de receitas e despesas” facilita a tarefa de recolocar a inflação em 4,5% ao ano, como é a meta estabelecida pelo governo. E que a sintonia entre a condução das contas públicas e da política de juros “serão cruciais para a retomada da confiança de empresários e consumidores na economia brasileira.”

Num reconhecimento tácito de que a falta de transparência que marcou a política fiscal nos últimos anos abalou a confiança dos agentes econômicos no governo, Levy prometeu divulgar dados “tempestivos, abrangentes e detalhados, especialmente das contas fiscais.” 

Microeconomia. Além do ajuste, o futuro ministro da Fazenda informou também as linhas gerais do que será feito, no próximo governo, para retomar a rota do crescimento econômico. Ele pediu apoio do Congresso para aprovar uma agenda de reformas microeconômicas que terão como objetivo aumentar a produtividade da economia brasileira. Essa é, segundo explicou, a base para a expansão do emprego e da renda. 

“A concorrência, o empreendedorismo e a inovação também são indispensáveis para o crescimento sustentável, e o Ministério da Fazenda estará trabalhando com todo o governo para reduzir eventuais barreiras a esses três motores do desenvolvimento”, afirmou. 

Levy pregou também o aumento da poupança interna. Nesse quesito, disse ele, o governo dará o exemplo, economizando recursos. E estimulará pessoas e empresas a fazer o mesmo. Um instrumento importante nessa estratégia, disse, é o mercado de capitais. Novas formas de aplicação financeira complementariam o trabalho dos bancos no financiamento dos investimentos, entre eles os em infraestrutura. 

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O anticlímax da reação ao discurso de estreia de Levy

"A autonomia está dada." A frase de impacto do ministro indicado da Fazenda, Joaquim Levy, talvez tenha sido a mais importante de sua primeira entrevista coletiva. Poderia ter surtido efeito melhor.

Afinal, a dúvida recorrente dos agentes econômicos e financeiros é se ele e sua equipe terão liberdade e autonomia em relação ao Palácio do Planalto para mudar a rota da proposta econômica do governo.

Levy deu seu recado: trazer para um padrão crível a meta de superávit primário, dar prioridade à elevação da taxa de poupança e elevar a competitividade brasileira. Embora tenha apenas pincelado seus objetivos, o novo ministro apontou para um ano de arrocho em 2015. Então, por que seu breve pronunciamento não conseguiu produzir um efeito positivo no mercado financeiro? Ao mesmo tempo em que representantes dos mais variados setores econômicos apressavam-se em tecer elogios à equipe do segundo mandato de Dilma Rousseff, a reação da Bolsa de Valores de São Paulo foi de queda.

As ações da Petrobrás, uma espécie de termômetro do acompanhamento do mercado aos atos econômicos do governo, chegaram a registrar queda de 5%, variação muito brusca. O que os investidores - e também os especuladores - viram de tão negativo nas declarações de Levy?

É certo que não dava para elevar as negociações acionárias aos píncaros num dia em que o preço internacional do petróleo caiu um pouco mais diante da decisão da Opep de manter inalterada a produção de petróleo. Mas o otimismo demonstrado nos últimos dias com a indicação cada vez mais firme de Levy fez da reação de ontem um anticlímax.

"Vamos ver no dia a dia como a autonomia ocorre", reconheceu o futuro ministro na mesma entrevista, numa visão mais realista sobre o que poderá fazer no comando da equipe econômica do governo. Os setores produtivo e financeiro parecem ainda ter muitas dúvidas se a manobra a ser executada por ele será mesmo um "cavalo de pau", uma guinada em direção a uma austeridade maior do governo, ou apenas uma virada leve no volante para permanecer na mesma direção.

Guido Mantega, que continua ministro da Fazenda, não prestigiou a apresentação do sucessor. Também causou certa estranheza a ausência da presidente Dilma Rousseff, representada pelo ministro da Secretaria de Comunicação Social, Thomas Traumann. Dilma marcou uma aparição pública de última hora na noite de ontem, talvez para ter a oportunidade de elogiar sua nova equipe.

A cerimônia dos novos ministros foi cercada de cuidados para evitar que eles fossem metralhados por perguntas - foram permitidas apenas seis questões, por jornalistas escolhidos previamente por sorteio entre os veículos de comunicação presentes. Antes, os rumores no governo davam conta de que a equipe seria anunciada e imediatamente após essa confirmação apresentaria um forte pacote fiscal.

Ontem, Levy disse que não há ainda nenhuma medida para ser anunciada e comentou que as mudanças serão graduais. Conclamou o Congresso Nacional - que está em plena queda de braço com o Executivo, na disputa por espaços no novo governo - a colaborar na aprovação de medidas setoriais de microeconomia. Tentou manter-se firme no propósito de ajustar a economia, mas foi extremamente econômico nos detalhes.