Anotações da agenda do ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa, arquivos dos computadores de sua empresa (Costa Global) e um depoimento prestado à Justiça Federal em agosto indicam que o esquema de corrupção e propina que atuou em contratos milionários da estatal – como as obras da refinaria Abreu e Lima e do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro – mirou também no setor de construção e locação de navios.
Com base na análise dos registros de contabilidade e de reuniões, temas e projetos feitos por Costa entre 2006 e 2012, os investigadores acreditam que os desvios na área naval não se limitaram à Diretoria de Abastecimento, sob o seu comando, mas avançaram sobre a Transpetro, controlada politicamente pelo PMDB desde 2003. Em depoimento no dia 8 de agosto, Costa disse que recebeu de Machado R$ 500 mil como parte de um pagamento de propina referente ao fretamento de navios entre 2009 e 2010, que envolvia a Diretoria de Abastecimento e a Transpetro.
Na agenda e arquivos do ex-diretor – que já firmou um acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal – há referências à “construção de navios”, “estaleiros”, “contrato de transporte Transpetro”, nomes de grandes empresas do setor naval e “Sergio Machado”. As anotações foram feitas após Costa deixar a Petrobrás, em 2012. Há também planilhas de recebimento de comissão – de mais de R$ 5 milhões – pelo aluguel de grandes navios, entre 2006 e 2010, quando ele ainda era diretor da estatal.
O material, apreendido em março e analisado até agosto, foi compartilhado pela força-tarefa da Operação Lava Jato com o Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro, na semana passada, por determinação do juiz federal Sérgio Moro, que conduz os autos da Lava Jato. Os promotores pediram os documentos para anexar à investigação aberta em 2010 que apura suspeita de enriquecimento ilícito de Machado.
Subsidiárias. As próximas fases da Lava Jato passarão a investigar outras obras da Petrobrás e contratos firmados por suas subsidiárias, como a Transpetro e a BR Distribuidora, e o Petros, o fundo de pensão dos trabalhadores. A força-tarefa da Lava Jato tem concentrado suas investigações na construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. A partir de 2015, outras obras da estatal, as demais diretorias (Serviços e Internacional) da Petrobrás e subsidiárias terão as investigações aprofundadas individualmente.
Responsável pelo transporte de combustível produzido pela Petrobrás, a Transpetro só ganhou força a partir de 2004, quando o governo federal lançou o Programa de Modernização e Expansão da Frota (Promef), com investimento de R$ 11 bilhões para construção de 49 navios e 20 comboios hidroviários. Desses, sete entraram em operação.
Conforme as investigações da Lava Jato, um dos genros de Costa, Humberto Sampaio Mesquita, foi o operador do esquema envolvendo navios na Petrobrás em nome do PP. Beto, como é conhecido, controlava pelo menos três contas no exterior e fazia a movimentação da propina na área naval para o sogro. Foi o que apontou o réu confesso do esquema, o doleiro Alberto Youssef, no depoimento que os réus prestaram no dia 8 de agosto à Justiça Federal, em Curitiba. “Tinha quem operava a área de navios, que era o seu (de Costa) genro.”
A suspeita é que o esquema tenha funcionado tanto na Diretoria de Abastecimento da petrolífera como na Transpetro. Ao afirmar que recebeu propina das mãos de Machado, Costa foi questionado pelo juiz federal Sérgio Moro, que conduz os processos da Lava Jato, se o esquema que abasteceu partidos e políticos descoberto nas obras da Refinaria Abreu e Lima “acontecia também em relação a empresas ligadas a Petrobrás, subsidiárias”. “A Transpetro tem alguns, alguns casos de repasse para políticos, sim”, afirmou o ex-diretor.
Planilhas. Outra prova para os investigadores da Lava Jato da atuação de Costa nessa área de navios são nove planilhas encontradas em um computador da Costa Global. São contratos de corretagem de afretamento de navios com o armador dinamarquês Maersk – um dos maiores construtoras de navios do mundo – com as comissões de 1,25% em cima de contratos em média de R$ 30 milhões pelo aluguel de grandes navios entre 2006 e 2010.
“Contratos de afretamento de navios contemplam este desconto de 1,25% do valor global de afretamento, porém este abatimento na fatura não estaria sendo repassado à Petrobrás. Ao invés disso, esse valor estaria sendo apropriado indevidamente por gestores da própria Petrobrás”, registra a Polícia Federal. Há ainda um contrato de confidencialidade entre uma empresa criada pela Maersk e uma aberta no Brasil para receber o dinheiro, de um amigo da Costa.
EX-DIRETOR NÃO FOI INTERMEDIÁRIO, AFIRMA TRANSPETRO
A Transpetro e seu presidente licenciado, Sergio Machado, negaram ilegalidades nos contratos da subsidiária e qualquer interferência do ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa. ”O ex-diretor não interferiu nos contratos da empresa nem foi ‘intermediário’”, informou a subsidiária da Petrobrás, por meio de sua assessoria de imprensa.
Machado voltou a afirmar que é “absolutamente falsa a menção feita contra ele por Paulo Roberto Costa”, mas admitiu que o ex-diretor propôs contratos para a subsidiária após deixar a Petrobrás. Via assessoria, o presidente licenciado da Transpetro classificou os documentos e anotações que estão sendo analisados pela força-tarefa da Lava Jato como “um conjunto de intenções do ex-diretor”. “Elas retratam tão somente planos traçados por ele e não comprometem necessariamente com seus objetivos as pessoas ali mencionadas.”
Segundo Machado, que admite ter sido procurado quatro vezes por Costa após sua saída da Petrobrás, informou que “num momento em que não pesava contra ele nenhuma suspeita, chegou a apresentar sugestões que foram submetidas a análise da equipe técnica da Transpetro”.
“A conclusão foi de que nenhuma dessas proposições atendia aos interesses da empresa – e, portanto, nenhuma foi efetivada.”
Já a Transpetro disse que “os contratos da empresa são fruto de processos licitatórios dos quais participaram diversas empresas, tendo sido vencedoras sempre aquelas que ofereceram os menores preços”. A estatal de logística e transportes da Petrobrás destacou que foi submetida a fiscalização “regular pelos órgãos oficiais de controle”, sem que houvesse apontamento de sobrepreço.
A Transpetro informou “desconhecer” por que há menção ao Promef, principal programa de investimentos da subsidiária, nas anotações de Costa. Machado informou, por meio de assessoria de imprensa, que Costa “nunca tratou” com ele de contratos firmados pela Transpetro “nem de investimentos do chamado Promef”.
Machado lembrou que desde o primeiro ano, o programa foi auditado pelo Tribunal de Contas da União e o órgão não constatou indícios de irregularidades ou superfaturamento quando questionado pelo Senado a respeito da construção de um dos sete navios financiados pelo Promef .
“Todas as anotações em questão são conhecidas desde abril e já foram objeto de reportagens dos principais veículos de imprensa, em especial o próprio Estadão. Nenhuma delas é inédita – nem traz nenhuma informação que já não tenha sido plenamente esclarecida pela Transpetro.
Tais anotações, segundo o amplo noticiário a seu respeito, foram tomadas, em sua totalidade, nos anos de 2012 e 2013. Nesses anos, a Transpetro não negociou nenhum contrato de afretamento de navios.
Paulo Roberto Costa nunca tratou com Sergio Machado de contratos firmados pela Transpetro nem de investimentos do chamado Promef. O governo federal tinha como meta reativar a indústria naval para construir navios no Brasil. A Transpetro então concebeu, implantou e administrou exclusivamente todo o programa, sem a interferência de nenhuma diretoria da Petrobras.
Ressalte-se que desde o primeiro ano, o programa é auditado anualmente pelo Tribunal de Contas da União. Além disso, o pleno do TCU, em resposta a questionamento específico feito pelo Senado Federal em 18 de março último, afirmou:
“Não se faz necessária a realização de auditorias para fins propostos no referido requerimento uma vez que não foram encontrados indícios de (i) superfaturamento, (ii) irregularidade na aplicação dos valores gastos, (iii) graves problemas técnicos em relação a construção do navio petroleiro João Cândido, da classe suezmax, em fiscalizações anteriores realizadas por essa corte (nos anos de 2005, 2006, 2008, 2010, 2011 e 2013).”
Sergio Machado desconhece o significado das menções ao Promef inscritas nas agendas do ex-diretor da Petrobras e ressalta que o Promef 3, a que se refere uma das anotações, ainda não foi nem sequer concebido. Todas as decisões referentes a estaleiros contratados pelo Promef sempre foram tomadas diretamente pela Transpetro, sem participação da Diretoria de Abastecimento da Petrobras.
A página da agenda que menciona os estaleiros EAS e Sino Pacific se refere, como já esclarecido pelos participantes das negociações, aos esforços capitaneados pelo grupo Brasilinvest para a implantação no Brasil de um estaleiro de reparo do qual a Transpetro seria cliente potencial. Essas negociações não foram adiante, o negócio acabou sendo abandonado e os possíveis parceiros desse empreendimento nunca foram sequer mencionados.
Uma análise séria e isenta de todas as anotações feitas nas agendas de Paulo Roberto Costa sugere que parte delas representa um conjunto de intenções do ex-diretor. Elas retratam tão somente planos traçados por ele e não comprometem necessariamente com seus objetivos as pessoas ali mencionadas.
O ex-diretor prestava consultoria para instituições e empresas de diversos setores da indústria do petróleo. Num momento em que não pesava contra ele nenhuma suspeita, chegou a apresentar sugestões que foram submetidas a análise da equipe técnica da Transpetro. A conclusão foi de que nenhuma dessas proposições atendia aos interesses da empresa – e, portanto, nenhuma foi efetivada.
O ex-diretor também nunca teve ingerência sobre funcionários a serem nomeados pela Transpetro. Apenas encaminhou uma solicitação para transferir um funcionário da Reduc para o cargo de operador no terminal da Ilha D’Água. O pedido não foi atendido por não haver interesse da companhia na respectiva transferência.
A quase totalidade dos navios da Petrobras é contratada através da Diretoria de Abastecimento, que os administra sem qualquer participação da Transpetro – que administra sua frota própria. A subsidiária não teve contratos diretos com a Maersk no período.
Os poucos navios contratados pela Transpetro se destinam a recolher óleo bruto das plataformas e sua necessidade é definida por um comitê de logística coordenado pela Diretoria de Exploração e Produção.
Todos os contratos da Transpetro são fiscalizados regularmente pelos órgãos oficiais de controle, a CGU e o TCU, que, como já mencionado, nunca encontraram nenhum indício de sobrepreço ou favorecimento.
Por fim, Sergio Machado reafirma com veemência ser falsa, absolutamente falsa, a menção feita contra ele por Paulo Roberto Costa.”