Para dar consequência ao seu discurso da vitória (reforma política, combate à corrupção e defesa do emprego e valorização dos salários), a presidente precisa obter muito apoio da sociedade para enfrentar as resistências do Congresso. Nas eleições, o empresariado foi hostil, a maioria da classe média "aeçou" e Dilma só foi ao pódio graças aos eleitores de baixa renda. Por isso, para implementar sua agenda, é condição sine qua non a reconquista da confiança dos ocupantes do topo da pirâmide. Para tanto vai ter de convencer que quer, de fato, a punição dos envolvidos nos escândalos que enxovalharam o PT e seus aliados.

A primeira coisa a fazer será requerer da Justiça e do MPF a "transferência do sigilo" dos depoimentos dos delatores para a Presidência da República. É assim nas CPIs do Congresso: o Legislativo quebra o sigilo bancário, o Banco Central fornece aos congressistas a movimentação bancária do investigado e a preservação do sigilo passa a ser de responsabilidade dos parlamentares para os quais foi "transferido". O procurador-geral da República e o diretor -geral da PF são subordinados ao titular da Presidência. Se eles têm acesso, sua chefe não pode deixar de ter. Conhecido o teor das delações, a Petrobras deve ser orientada a contratar os melhores advogados para processar os responsáveis pelos prejuízos, buscando ressarcir seus acionistas das perdas provocadas pelos malfeitos sob investigação e outros sob suspeita.

Os maiores prejudicados são os acionistas privados, maioria no capital da empresa, não o Tesouro. Para combater a corrupção, a presidente precisa colocar em discussão urgente a reforma da Lei 8.666/93. A Lei das Licitações é muito importante, mas sabe-se que ela carece de mudanças que impeçam o favorecimento de empresas amigas, bem como aumentar o grau de concorrência nos certames. A primeira mudança é impedir que se possa licitar obra com fundamento apenas em projeto básico. Isso gera muitos termos aditivos e claims, dando margem a falcatruas. A segunda é proibir os Tribunais de Contas de examinarem previamente os editais, ocasião para muitas negociatas entre conselheiros dos tribunais e os empreiteiros interessados na obra.

A burla do espírito dessa lei é prática corrente entre aqueles que têm a função de defender os contribuintes. Uma medida que pode ser positiva é colocar um representante da oposição nas comissões de licitação para fiscalizar. Se tais representantes forem capacitados e escolhidos em rodízio, podem exercer um papel fiscalizador. Outra, seria tornar todas as licitações de obras públicas de valor acima de R$ 50 milhões ou R$ 100 milhões como concorrências internacionais e abrir o mercado — hoje restrito ao cartel de cinco ou seis "irmãs" — para as construtoras estrangeiras. As "irmãs" estão operando em diversos países, inclusive europeus e nos EUA.

São competitivas e podem encarar a concorrência estrangeira, desde que essa seja obrigada a empregar um mínimo de engenheiros brasileiros e a transferir tecnologia. Finalmente, Dilma deveria cobrar publicamente o voto do ministro do STF que, no momento de votar, inexplicavelmente pediu vistas do processo que acabaria com o financiamento de campanhas por meio de doações das empresas, permitindo, no entanto , as doações de pessoas físicas. Certamente, a composição das bancadas do Congresso e das Assembleias seria outra se a decisão do STF tivesse sido consumada.

As pessoas jurídicas não gostam de direcionar parte de seus lucros para financiar campanhas. Só o fazem sem reclamar porque consideram um investimento para poder cobrar favores daqueles eleitos com sua ajuda. Acreditamos na disposição da presidente de dar duro para fazer as mudanças reclamadas pela população. Mas, se não tiver uma estratégia bem definida e boas projeções sobre como vão se comportar estrategicamente os demais atores, o risco de fracasso é enorme. Foi isso que aconteceu em agosto de 2013, com os cinco pontos anunciados em função das jornadas de junho e julho. Deu em nada.

Luiz Alfredo Salomão é diretor da Escola de Políticas Públicas e Gestão Governamental