BRASÍLIA - A Polícia Federal fez nesta quinta-feira, 27, operação em Mato Grosso para coibir fraudes contra a concessão de terras da União para a reforma agrária. Os agentes buscaram cumprir mandados de prisão preventiva contra 52 suspeitos de integrar o esquema, entre eles dois irmãos do ministro da Agricultura, Neri Geller (PMDB).
Proprietários de terras no Estado, Odair e Milton Geller não foram encontrados pela PF. A defesa dos dois, no entanto, informou que eles se entregariam ainda nesta quinta, em Cuiabá - o que não ocorreu até esta edição ser concluída. Os nomes de ambos seriam incluídos no Sistema Nacional de Procurados e Impedidos.
Produtor de soja e apadrinhado do senador Blairo Maggi (PMDB-MT), o ministro da Agricultura lamentou, por meio de sua assessoria, a presença de familiares entre os investigados. Em nota, Neri Geller afirmou não ter “associação jurídica ou outro tipo de sociedade com os irmãos”.
A PF sustenta que 80 fazendeiros e empresários participavam no esquema de reconcentração fundiária. Segundo as investigações, eles recompravam ou invadiam terras destinadas para a reforma agrária, não raro ameaçando os assentados, na região de Itanhangá, cidade que se desenvolveu a partir de assentamentos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Os envolvidos escalavam “laranjas” para ocupar as áreas de cerca de 100 hectares, avaliadas, em média, em R$ 1 milhão. Em seguida, corrompiam servidores públicos para regularizá-las. Terras destinadas à reforma agrária têm restrições e seguem normas diferentes em relação a outras propriedades rurais.
Prejuízo. A PF estima o prejuízo aos cofres públicos em R$ 1 bilhão. Cerca de mil lotes teriam sido adquiridos. Somente um dos fazendeiros beneficiados teria conseguido ocupar ilegalmente 55 áreas. O proprietário que menos terras adquiriu no esquema conseguiu cinco lotes.
O esquema, investigado desde 2010, era bastante lucrativo, pois envolvia a aquisição irregular de terras planas, que se tornam bastante produtivas após a mecanização. O superintendente da PF em Mato Grosso, Marcos Antônio Farias, disse que uma das formas de afastar os ocupantes legítimos de seus terrenos era ameaçá-los.
Nas cidades de Lucas do Rio Verde e Nova Mutum, os policiais apreenderam documentos nas casas de Odair e Milton, que é ex-prefeito de Tapurah. Até esta edição ser concluída, 35 pessoas haviam sido presas, entre elas três vereadores e quatro servidores do Incra.
Os quatro são acusados de fazer vistorias fictícias para legalizar os terrenos comprados ou invadidos por fazendeiros. Outros nove envolvidos, embora não fossem alvo de mandados de prisão, acabaram presos em flagrante por porte ou posse irregular de arma.
Conforme a PF, para manter o comércio ilegal de terras, a organização teria usado documentos falsos, fraudado termos de desistência e inserido dados falsos no sistema de informações de Projetos de Reforma Agrária do Incra. “Com ações ardilosas, uso da força física e até de armas, compravam a baixo preço ou invadiam e esbulhavam a posse destas áreas. Em seguida, com o auxílio de servidores corrompidos do Incra, integrantes de entidades de classe, servidores de câmaras de vereadores e de prefeituras municipais buscavam regularizar a situação do lote”, diz a PF em nota sobre a operação.
Custódia. Os presos foram levados para Cuiabá, onde ficariam sob custódia em unidades prisionais do Estado. Eles vão responder por crimes de invasão de terras da União, contra o meio ambiente, falsidade documental, estelionato e corrupção ativa e passiva. As penas podem chegar a até 12 anos de reclusão, segundo a PF.
Na operação, batizada de Terra Prometida, houve ainda o cumprimento de 146 mandados de busca e apreensão. Embora concentrada em Mato Grosso, a PF também fez ações no Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, todos na Região Sul.
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Titular da pasta 'lamenta citação de familiares'
Brasília - O Ministério da Agricultura sustenta que o ministro Neri Geller (PMDB-MT) não está envolvido no esquema de aquisição ilegal de terras da União, destinadas à reforma agrária.
Em nota, a pasta disse que ele “lamenta a presença de familiares entre os investigados e diz não acreditar na participação dos mesmos em qualquer irregularidade.”
Referindo-se aos irmãos, o ministro negou, ainda, ter “associação jurídica ou outro tipo de sociedade com os envolvidos no processo”. O advogado Edy Piccini, que representa Milton e Odair Geller, disse nesta quinta-feira, 27, que estava viajando a Cuiabá para se inteirar das acusações. Só “depois” poderia falar a respeito, o que não aconteceu até a conclusão desta edição.
Ex-deputado federal, o ministro foi secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura e ascendeu ao cargo em março, com a saída de Antônio Andrade (PMDB-MG), que deixou a pasta para concorrer a vice-governador de Minas nas eleições deste ano. Ele não deve ser mantido após a reforma ministerial para o segundo mandato da presidente Dilma.
Geller soube da prisão dos dois irmãos ao retornar de uma viagem aos Emirados Árabes, onde representou o vice-presidente, Michel Temer (PMDB), na inauguração de uma fábrica da BR Foods. A família do ministro é assentada do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no município de Nova Mutum, no oeste de Mato Grosso. Os Geller produzem soja na região.
O ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, afirmou nesta quinta ao Estado que o ministério está colaborando com a operação. “O Incra tem prestado todo o auxílio técnico à Polícia Federal”, disse. O Incra informou que vai afastar os servidores envolvidos.
Segundo o ministro, o Incra já tem ajuizadas ações para recuperar terras ocupadas ilegalmente. Rossetto não falou das suspeitas contra irmãos do ministro. Eles tiveram prisão decretada pela Justiça por suposto envolvimento no esquema. “Soube da operação à tarde”, declarou.