O nível cada vez mais baixo das usinas hidrelétricas, por conta do pouco volume de chuvas no país, e a falta de uma capacidade adicional de gás natural têm feito especialistas defenderem a volta de uma das fontes mais polêmicas e poluentes do mundo: o carvão. De acordo com estudo do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel), do Instituto de Economia da UFRJ, e do Instituto Ilumina, o carvão aparece como uma das alternativas para gerar energia elétrica a curto prazo, e, assim, amenizar a atual crise do setor. 

Fortemente criticado por ambientalistas, o carvão - que chega a emitir até dez vezes mais gás carbônico (CO2) que uma hidrelétrica, de acordo com o Greenpeace - viu sua importância na matriz passar de 1,6% para 2,6% nos dois últimos anos em decorrência do uso intenso das térmicas. Segundo a Agência Nacional do Energia Elétrica (Aneel), há 22 térmicas a carvão em operação no país hoje e mais dez já autorizadas e prestes a sair do papel. Para especialistas, com isso, há potencial de a fonte fóssil chegar a 3,5% do total gerado. 

Mas essa perspectiva pode aumentar já no fim deste mês. No dia 28, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia, realiza o leilão A-5, que conta com dez usinas a carvão cadastradas, em uma oferta total de 4.490 megawatts (MW). O número é 34% maior que no leilão ocorrido há um ano, que teve seis projetos cadastrados, no total de 3.340 MW. Se ganharem, os projetos terão de entrar em operação em cinco anos. A maior parte das reservas está concentrada na Região Sul. 

- Em função da crise hidrológica, vamos precisar de mais térmicas para atender à demanda. Por isso, a curto prazo o carvão é a fonte mais viável, pois ainda não há oferta de gás disponível para novos projetos. O que vamos ter é o gás do pré-sal, mas isso ainda vai levar tempo, além de todo o desafio logístico de trazer esse gás até a costa. E ainda há a possibilidade de importar carvão, já que seus preços estão em queda por causa do Shale gas (gás não convencional dos EUA), que tem melhor qualidade que as reservas do país, no Sul - afirma Nivalde de Castro, coordenador do Gesel. 

No mercado internacional, o preço do carvão caiu mais de 20% este ano, para o menor patamar em cinco anos, em torno de US$ 70 a tonelada, o que obrigou empresas como a Vale a suspenderem projetos na Austrália. E, de acordo com Ministério de Minas e Energia, o preço de referência para o leilão deste mês das térmicas - carvão, de gás natural e biomassa - passou de R$ 197/MWh para R$ 209/MWh. O fato de o carvão estar mais barato e a energia, mais cara, dizem especialistas, deve tornar os projetos mais atraentes para os empreendedores. 

- Acho que é até favorável fazer novas térmicas (a carvão) no Sul. Mas, como o carvão é muito poluente, há a questão de se instalar filtros (para absorver o CO2), o que encarece os projetos. Só que isso não vai resolver a situação atual. O problema é o gás, que não tem oferta adicional - diz Roberto D'Araujo, diretor do Ilumina. 

A própria EPE, em seu Plano Decenal de Energia (PDE) 2023, prevê as térmicas a carvão como opção em caso de não haver gás disponível para os projetos: "A expansão termelétrica está atrelada à disponibilidade e competitividade dos projetos, preferencialmente de usinas movidas a gás natural, nos futuros leilões para compra de energia nova. Em caso de inviabilidade, outras fontes constituem alternativas para o atendimento à demanda, entre elas as usinas térmicas a carvão." 

Segundo a PDE, a expectativa é que o carvão vapor, usado pelas térmicas, apresente crescimento anual de 3,1% entre 2018 e 2023. Em nota, a EPE disse que o aumento do "consumo de carvão vapor está associado ao uso na geração termelétrica ao longo do período decenal". 

Mas, por serem poluentes, as usinas a carvão despertam polêmica entre os ambientalistas. Ricardo Baitelo, coordenador da campanha de Clima e Energia do Greenpeace, cita, por exemplo, o nível de poluição das térmicas. Segundo ele, uma térmica a carvão emite entre 800 e mil gramas de CO2 por quilowatt/hora (g/kWh), número bem maior que o das térmicas a gás, entre 300 e 400 g/kWh. A diferença chega a ser de até dez vezes quando a comparação é feita com os 100 g/kWh emitidos pelas hidrelétricas. A eólica, que vem crescendo no país, emite 10 g/kWh. 

- O carvão é muito nocivo. Além disso, há risco de contaminação de água, podendo causar impactos à população. Eu até concordo com a avaliação dos especialistas que defendem a diversificação das térmicas, mas o ideal é investir em energias como eólica, solar e biomassa. O importante é o planejamento. Com planejamento, por exemplo, a usina de Belo Monte poderia ter sido evitada. E não se resolve um problema de curto prazo com energia hidrelétrica e nuclear, que levam muitos anos para serem construídas - diz Baitelo. 

Nivalde, do Gesel, lembra que as térmicas em geral levam três anos para serem construídas, exceto aquelas a carvão, cujo prazo é de cinco anos. Já as hidrelétricas consomem cinco anos em obras físicas - sem levar em conta os estudos socioambientais, que podem durar anos. Baitelo, do Greenpeace, diz ainda que os empreendedores que querem apostar em novas térmicas a gás - que, segundo ele, poderiam ser uma opção - sofrem com a falta de previsibilidade. Ou seja, se precisarem de mais gás, terão de recorrer ao mercado livre. 

- Nossa esperança é ver o aumento das renováveis. Tivemos um ótimo sinal com o leilão da energia solar. Com mais opções, não precisamos ressuscitar o carvão - afirma Baitelo. 

usinas com carvão importado 

Mas o Ministério de Minas e Energia deixa a questão em aberto. Em nota, afirmou que a expectativa é que o sistema interligado nacional - hoje de 4 mil MW - tenha um crescimento de 4,2% ao ano. Isso, segundo o órgão, vai permitir que "todas as fontes participem dos leilões de energia nova". Mas ressaltou que "a matriz energética brasileira confere prioridade à geração de energia a partir de fontes renováveis e limpas. A expansão do setor busca manter essa característica." 

Fernando Zancon, presidente da Associação Brasileira do Carvão Mineral (ABCM), diz que o setor já tem cadastrados para o próximo leilão cerca de 1.800 MW em projetos no Rio Grande do Sul. A Eneva, ex-MPX, por exemplo, mostrou interesse no leilão. Zancon lembrou ainda que o próximo leilão terá usinas no Nordeste com carvão importado. Ele se declarou favorável à substituição do óleo combustível pelo carvão para a geração térmica. 

- Se as usinas a carvão tivessem entrado no leilão de 2009, teríamos uma economia de R$ 6 bilhões por ano com a não utilização das térmicas a óleo, já que o carvão é mais econômico. E o carvão hoje já tem um preço definido, diferentemente do gás do pré-sal, que ninguém sabe quanto vai custar - disse Zancon, lembrando que está sendo construído em Santa Catarina um centro de tecnologia para capturar o gás carbônico no processo.