BRASÍLIA - A revelação feita, pelo GLOBO, ontem, sobre a aliança entre uma facção criminosa de São Paulo e o grupo terrorista Hezbollah pode ser interpretada como a confirmação de um alerta feito pela ONU durante conferência em Palermo, em 2000, segundo o qual o crime organizado e o tráfico de drogas atuam em rede, de forma transnacional e sem limite de fronteiras. A afirmação é do jurista Walter Maierovitch. 

Segundo o especialista, o secretário-geral da entidade na época, Koffi Anan, apontava para o fato de que qualquer organização criminosa poderia se plugar a uma grande rede monetária. Organizações brasileiras poderiam se conectar à máfia siciliana, por exemplo, ou produtores de maconha do vale do Bekaa, no Líbano, associarem-se a grupos no Brasil em busca de troca de recursos, drogas e armas, ou mesmo para aumentar os lucros das duas partes. Segundo Maierovitch, a ONU pediu que os países tomassem medidas para evitar este entrelaçamento, mas nada foi feito. 

- Agora isso está mais do que comprovado. Este quadro assustador não me surpreende. O que se vê é esta conexão em rede. Foi mais do que alertado em Palermo há 14 anos, e não se tomou providência nenhuma. O Brasil está nesta rede não só recebendo armas, como fornecendo insumos para refino de cocaína na Bolívia e no Peru - disse Maierovitch. 

De acordo com o jurista, também não é o surpresa o Hezbollah ser um grupo religioso e estar ligado ao tráfico de drogas internacional para financiar suas ações. Ele explica que o mesmo aconteceu com as Farcs, na Colômbia, que acabaram se envolvendo com o tráfico para sustentar suas atividades. 

- O Hezbollah também precisa de dinheiro para financiar suas ações. No Líbano tem muita plantação de maconha. Uma coisa é a religião. Outra coisa é o negócio para financiarem seus estados teocráticos - avalia. 

Já o professor Alcides Costa Vaz, do Departamento de Relações Internacionais da UnB, disse que cabe à Polícia Federal e à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) esclarecer a dimensão dos vínculos entre as organizações. 

- O Hezbollah tem atuação politica. O grupo brasileiro é uma facção criminosa. Estas dimensões podem estar presentes num mesmo indivíduo, mas só as investigações da PF e da Abin podem mostrar se há nexos entre as organizações para além dos indivíduos - afirma. 

As referências ao Hezbollah constam em um relatório produzido pela PF em 2009. Pelas informações, traficantes libaneses facilitariam o contrabando de armas para uma das facções criminosas com atuação nos presídios de São Paulo. Em troca, o grupo paulista daria proteção a libaneses detidos no Brasil.