Título: Enfim, um basta para o abuso
Autor: Monteiro, Fábio
Fonte: Correio Braziliense, 21/06/2011, Economia, p. 10

Diante da enxurrada de reclamações, sofrimento e pacientes insatisfeitos com as filas de espera intermináveis para atendimento na rede particular, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) finalmente resolveu apertar o cerco contra as operadoras de plano de saúde. O órgão regulador determinou prazos máximos para que os cerca de 60 milhões de usuários recebam atendimento quando utilizarem os convênios. Nos casos mais comuns, como consultas em clínica médica, ginecologia, obstetrícia e pediatria, o cidadão aguardará, no máximo, sete dias úteis para ser atendido.

Para as demais consultas, o limite será de 14 dias úteis. Descontados os fins de semana e feriados, exames simples de laboratório terão de ser realizados em até três dias. A espera chegará a 21 dias para casos mais complexos, como internações para cirurgias sem urgência. A norma, publicada ontem no Diário Oficial da União, entrará em vigor em 90 dias ¿ tempo considerado razoável pela agência para a adaptação das empresas. A expectativa é de que os pacientes não tenham mais que esperar para receber por um serviço pelo qual pagam e, ainda assim, é prestado inadequadamente.

A decisão do governo pode ser encarada, aos olhos dos órgãos de defesa do consumidor, como a primeira medida que realmente trará benefícios ao usuário, elo mais fraco do setor de saúde suplementar. Além dos atrasos, recentemente os clientes dos convênios levaram a pior na guerra travada entre operadoras e médicos que buscavam reajustes nos valores das consultas. Essa batalha já resultou em greve da categoria e, sobretudo, na cobrança de taxas abusivas aos clientes ¿ exigiu, inclusive, a intervenção do Ministério da Justiça a favor dos conveniados.

A resolução da ANS vai obrigar que as operadoras reavaliem suas estruturas de atendimento, a fim de desafogar os consultórios e hospitais particulares que recebem milhares de pessoas diariamente. De acordo com a Federação Nacional de Saúde Suplementar (Fenasaúde), entidade que representa as principais empresas do setor, os prazos determinados pela ANS são, de uma maneira geral, razoáveis. Mas a entidade não se pronunciou sobre a multa indigesta, em caso de desobediência à regra. O governo avisou que os infratores terão que pagar o equivalente a R$ 80 mil caso neguem o atendimento.

Se precisar pagar para ser atendido, o cidadão deverá ser ressarcido em até 30 dias, incluindo gastos com transporte. Mas, apesar dos benefícios, não há garantia de que o paciente seja recebido por um médico específico. "Os prazos estabelecidos não são para garantir atendimento pelo prestador de preferência do beneficiário, e, sim, para garantir a consulta por um profissional apto, disponibilizado pela operadora", disse Carla Soares, gerente-geral de Estrutura e Operação dos Produtos da ANS. Diante disso, um problema crônico ainda deverá persistir: a superlotação das emergências dos hospitais, gerada pelo excesso de pacientes em busca dos profissionais renomados e de confiança que atuam também nos prontos-socorros.

A preocupação dos órgãos de defesa do consumidor é com relação ao cumprimento das normas. "Além de regular, a ANS precisa ter um plano de fiscalização, não apenas para verificar o cumprimento da resolução, mas para identificar a necessidade de maior atuação", alertou Lisa Gunn, coordenadora executiva do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

Queixas Como a medida só começa a valer em setembro, a dor de cabeça de quem depende dos planos ainda vai durar mais alguns meses. Muitos acabam perdendo a paciência. "Quando estava grávida, não conseguia agendar atendimento. Fiquei furiosa e desisti do plano. Meu parto foi pago como procedimento particular", relatou a engenheira de alimentos Kelen Domat, 31 anos. Ela se revolta com a demora para o atendimento dos planos. "Se o caso é urgente, temos que recorrer à consulta particular. E não compensa ter duas despesas", reclamou.

O casal de servidores públicos Lucas Paiva, 29 anos, e Pollyana Paiva, 28, também já passaram maus bocados com o plano de saúde. A filha Giovanna, recém-nascida, teve de esperar dois meses por uma consulta com o pediatra. "Tentamos em vários médicos. Alguns só tinham vaga para depois de quatro meses", queixou-se Pollyana. Para eles, a decisão da ANS já deveria ter sido tomada. "Realmente, é uma falta de respeito. O problema não é nosso. O plano e o médico devem entrar em acordo para que não paguemos a conta", disse Lucas.

Como denunciar Se os prazos forem desrespeitados e o usuário quiser denunciar sua operadora à ANS, há três caminhos possíveis: pessoalmente, em um dos postos de atendimento do órgão; por telefone; ou pela internet. A agência possui unidades em 12 cidades, incluindo Brasília. O telefone para o registro das queixas é o 0800 7019656 (ligação gratuita). O site para reclamações é o www.ans.gov.br .