A manutenção dos volumes atuais de produção de petróleo pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) lança mais sombras sobre um cenário já conturbado para a Petrobrás.

Analistas já consideram uma cotação do óleo tipo Brent (negociado em Londres) abaixo de US$ 70, o que prejudica a viabilidade de investimentos estratégicos, como o pré-sal. A falta de informações financeiras do último trimestre, à espera do impacto das denúncias de corrupção no caixa da empresa, e de projeções atualizadas para 2015, que só devem ser divulgadas em abril, contribuíram para o pessimismo do mercado.

"Foi a pior notícia no pior momento da companhia. É gravíssimo", disse o ex-diretor da estatal Wagner Freire. "O impacto será negativo no curto, médio e longo prazos. Agora, ela deixa de subsidiar o petróleo, mas não o suficiente para recompor o caixa e gerar novas receitas."

Segundo ele, a situação é delicada por causa do endividamento da estatal, acima de R$ 308 bilhões, associado à pressão do câmbio. Com indicadores frágeis, qualquer mudança no cenário abala a companhia. "Não é sustentável manter o plano de investimento tão alto. As receitas de exploração e produção também caem com a cotação, e isso inviabiliza os investimentos", avalia Freire, que hoje atua como consultor.

Defasagem. A avaliação é que se as cotações se estabilizassem em torno de US$ 80, a Petrobrás conseguiria estancar a defasagem entre os preços de importação e revenda no mercado interno de derivados de petróleo. Nos últimos três anos, com preços dos combustíveis represados pelo governo, a Petrobrás acumula perdas, pois importa por preço acima do que vende. Somente nos 12 meses encerrados em setembro, o déficit da companhia por causa disso chegou a US$ 20,4 bilhões, segundo cálculos do Itaú Unibanco.

Por outro lado, a Petrobrás exporta petróleo bruto. Quanto maior o valor do barril, maior a receita com exploração e produção. Portanto, se as cotações forem muito abaixo de US$ 80, a vantagem nas operações de importação de combustíveis se anulam diante das perdas de receita com a produção.

Mas os analistas não vislumbram, nem no longo prazo, esse patamar para a cotação internacional. Ontem, após a decisão da Opep, o Brent chegou a ser negociado a US$ 69, próximo ao limite de viabilidade de exploração do pré-sal. A estimativa é que a companhia conseguiria segurar a produção com cotação entre US$ 45 e US$ 60 - em cenários de estresse passageiro, e não prolongado.

"Quem pode dizer quando e se o patamar vai voltar a US$ 100?", diz Pedro Galdi, analista da SLW Corretora. Ele compara a situação à queda da cotação do minério de ferro, que provocou alterações de investimento das mineradoras. "Com a situação atual, a companhia começa a repensar a atuação. O medo é que as estratégias fiquem contaminadas com a situação e a companhia adie investimentos em um momento que já é ruim para sua credibilidade", completa.

'No escuro'. Sem as informações do balanço do terceiro trimestre, e sem definição sobre o plano de negócios de 2015, investidores avaliam que o mercado está no "escuro" sobre a situação da estatal. "A surpresa é que a queda das ações não tenha sido maior", disse Galdi, em referência à queda de cerca de 4% das ações da Petrobrás ontem.

A preocupação com o longo prazo é unânime entre os analistas. Em análise encaminhada a analistas, o Itaú Unibanco previu que uma recuperação para a companhia, só viria a partir de 2018, com a alta da produção e sua "eventual" consolidação como exportadora de óleo.

Procurada, a Petrobrás não se posicionou. Na última semana, a presidente Graça Foster tentou expressar otimismo, projetando um preço médio de US$ 85 até 2018. "O Brent menor para nós é bom, porque temos ainda uma diferença sobre perdas que tivemos anteriormente." Ainda assim, ela ressalvou que as mudanças provocam uma "diferença na geração de nossas receitas e financiabilidade". 

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Crise paralisa obras de fábrica de fertilizantes de R$ 3,9 bilhões

TRÊS LAGOAS,  MATO GROSSO DO SUL - As obras de construção da Unidade de Fertilizantes Nitrogenados 3, da Petrobrás, em Três Lagoas, Mato Grosso do Sul - orçadas em R$ 3,9 bilhões, uma das maiores fábricas de fertilizantes do mundo - foram paralisadas com a demissão de 3,5 mil operários entre outubro e novembro. Os últimos 650 deles foram demitidos nesta semana pelo consórcio UFN3, formado pela Sinopec Petroleum Brasil, de capital chinês, e Galvão Engenharia. A GDK deixou o consórcio e entrou em recuperação judicial.

As demissões são frutos do descontrole administrativo da obra. "Já houve época de o canteiro estar com 6 mil operários. Mas agora a situação está crítica por lá. Eles demitiram 3,5 mil operários desde outubro e não sabemos quantos há ainda no canteiro. Eles não informam nada para nós", disse o presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Construção Civil de Três Lagoas, Aldenísio Santos Sales.

As demissões ocorreram por falta de materiais porque o consórcio está praticamente insolvente, sem recursos para quitar dívidas superiores a R$ 90 milhões, sendo R$ 9 milhões somente para pequenos fornecedores de Três Lagoas e região. A crise fez com que fornecedores e prestadores de serviços entrassem com dezenas de pedidos de insolvência, falência e de execuções no fórum da Justiça Federal da comarca local.

Levantamento feito pela reportagem no cartório de protesto mostrou centenas de títulos protestados num total de R$ 35 milhões para cerca de 130 credores, que cobram dívidas que vão de R$ 250 - como a da Revcal Serviços - a R$ 1.058, da Alpha Materiais Elétricos.

A fábrica - que deve duplicar a produção de ureia no País, ofertando ao mercado 1,2 milhão de toneladas/ano de ureia e 81 mil toneladas de amônia - deveria ter sido entregue em setembro, mas os constantes atrasos das obras e descontrole de gestão atrasaram o cronograma para junho de 2015. A situação se agravou em abril deste ano, quando uma crise se estabeleceu em Três Lagoas, com fechamento de dezenas de pequenas empresas locais e regionais que dependiam dos recursos da obra. Grandes empresas se retiraram - a Localiza, por exemplo, retomou cerca de 100 veículos alugados a funcionários.

Para evitar uma crise e a total paralisação da obra antes das eleições, a Petrobrás interveio, pagou a maioria dos fornecedores e colocou um diretor para pagar os credores. Para garantir a continuidade dos serviços, a estatal passou a adiantar medições com garantias da seguradora do consórcio.

Empresários ouvidos durante dois meses pela reportagem estimam que a Petrobrás tenha adiantado mais de R$ 700 milhões em medições para manter a obra em andamento. Mas, após as eleições, os adiantamentos cessaram e o consórcio teve de demitir funcionários, porque os fornecedores, sem receber, deixaram de entregar materiais para conclusão das obras.

Outro lado. O consórcio UFN3 não quis comentar o assunto, embora na quarta-feira um dos seus representantes tenha dito, durante reunião com representantes da Associação Comercial e Industrial de Três Lagoas, que o grupo pretende retomar a obra em janeiro de 2015.

Em nota, a Petrobrás informou que o contrato com o consórcio "se encontra em desvio de prazo em relação ao cronograma planejado", motivo pelo qual a companhia "busca soluções junto ao consórcio para dar continuidade às obras".

Segundo a nota, as demissões de funcionários, dívidas com fornecedores e ações judiciais "são questões internas do consórcio, não cabendo à Petrobrás se manifestar". A estatal diz que haveria ainda 2,5 mil trabalhadores na obra, mas não foi o que se viu nesta semana, quando no máximo algumas centenas de operários trabalhavam no canteiro.