Mais do que demarcar seu posto de líder de oposição, o discurso firme do senador Aécio Neves (PSDB) na sua volta ao Congresso, ontem, serve para garantir a manutenção de sua visibilidade até 2018, quando poderá retomar o projeto presidencial. Para cientistas políticos ouvidos pelo GLOBO, a fala do tucano, nesse cenário, é natural e o credencia como líder.

 É (um discurso) natural, ele tem que se colocar mesmo como porta-voz da oposição, já que ele teve esses votos todos. Tem que ter firmeza. Mas tem que fazer oposição democrática, sem cair nesse retrocesso que seria apoiar um pedido de impeachment (de Dilma Rousseff), e não reconhecer o resultado das urnas — afirma Carlos Melo, analista político e professor do Insper.

Em seu discurso, Aécio diz estar disposto a abrir o diálogo com o governo, com uma condição: que se puna quem praticou crime na Petrobras.

— Foi uma promessa de campanha de Dilma investigar as denúncias. É legítimo que a oposição agora cobre e fiscalize — disse Melo. O cientista político da Universidade Federal de Minas Gerais Fábio Wanderley Reis diz que o discurso de Aécio no plenário é uma tentativa de capitalizar os votos que ele recebeu na última eleição. Assim, tentar garanti-lo numa eventual nova disputa daqui a quatro anos.

— Ele teve um resultado bom e precisa capitalizar isso para tentar manter a liderança da oposição porque ele tem um adversário forte dentro do próprio PSDB para 2018, que é Geraldo Alckmin. Então, esse discurso foi uma tentativa de ocupar o espaço da liderança da oposição e marcar posição dentro do partido.

Cláudio Couto, professor da Fundação Getúlio Vargas, também ressalta que o Senado é um dos locais mais adequados para se fazer oposição ao governo pela área de atuação.

— No Senado, se tem mais condições de atuar, mais do que em um governo estadual, por exemplo. É normal que ele se coloque como representante desses 51 milhões de votos, isso o credencia a atuar como líder oposicionista.

Tanto Melo quanto Couto dizem que a oposição deixou a desejar nos últimos anos e que Aécio apareceu timidamente. Ontem, o tucano chegou a dizer que jamais teve a “carga de responsabilidade” que possui atualmente.

— Esse papel de líder, também, vai depender de como ele atuará no Senado daqui para frente. Nos quatro anos anteriores, ele teve uma atuação apagada — diz Couto.

— Aécio se voltou mais para organizar sua candidatura presidencial, desde as disputas internas com Alckmin e Serra. Agora, com esses 51 milhões de votos, ele precisa assumir esse posto de liderança — afirma Melo.

Os analistas dizem não acreditar que o discurso do tucano irá alterar a relação do Congresso com Dilma.

— A situação de Dilma é complicada, mas não acredito que ela ceda a tudo, dificilmente Aécio teria por parte da Dilma uma disposição de conversa com tantas imposições. Está muito clara a disposição do Congresso, inclusive do PMDB, da base, de um certo enfrentamento, de criar dificuldades para a presidente. Ela terá que buscar coalização que possa compensar essa dificuldade. Será uma relação tensa — diz Reis.

Melo diz que Dilma terá trabalho com a oposição:

— O papel da oposição é fiscalizar, denunciar e propor alternativas, se isso dificulta o governo, é normal, é da democracia, e é obrigação da presidente superar isso e cumprir o papel dela, antes de reclamar da posição de Aécio. Ela tem a coligação dela, que é maioria, e vai ter que se resolver com o PMDB e com a base dela. Até agora, ela nem conseguiu anunciar um ministro da Fazenda novo.

Além da investigação na Petrobras, senadores que ontem discursaram no plenário cobraram também outra promessa de campanha de Dilma. Dos mais diferentes partidos, inclusive integrantes da base de apoio, senadores disseram que a presidente precisa dialogar com a Casa.

Para os analistas, essa conversa será fundamental para evitar o trancamento de pautas , normalmente usado na relação com o legislativo.