Já não é de hoje que as estatais, especialmente as listadas em bolsa, carecem de profunda revisão em sua governança corporativa. Veja-se o caso da cogitada indicação do governador da Bahia, Jaques Wagner, para a presidência da Petrobrás. O governador certamente tem tido sucesso em sua carreira política, mas isso não o qualifica para assumir a presidência de uma empresa, muito menos de uma empresa enorme e complexa como a Petrobrás.

A revelação do assalto aos cofres da Petrobrás, perpetrado sob os olhos de administrações indicadas por critérios políticos, serviu também para dar enorme e merecido destaque ao fato de que a companhia se transformou em palco de péssimas decisões empresariais, como a aquisição da refinaria em Pasadena (no Texas, EUA) e o gigantesco estouro do orçamento do projeto da refinaria de Abreu e Lima (PE). Este último empreendimento foi levado a cabo a despeito de sua inviabilidade econômica, demonstrada pela área técnica a cada etapa de sua execução, mas ignorada pela alta administração da empresa e pelas lideranças políticas do País.

Adicionalmente, a Petrobrás foi vítima do quixotesco esforço de controlar a inflação por meio de controles de preços, uma sempre malsucedida empreitada, que no caso em tela teve como consequência um enorme aperto de caixa na empresa, que a transformou numa das mais endividadas no mundo, no exato momento em que dela se exigia um grande esforço de investimento.

Infelizmente, a Petrobrás não é a única estatal que vem sendo vítima de abuso de seu acionista controlador, o governo federal. A Eletrobrás submeteu-se à truculenta Medida Provisória 579, que desordenou de vez o setor elétrico brasileiro, com enorme prejuízo para seus acionistas. E o Banco do Brasil viu o número de cargos de direção da empresa aumentar de 13 em 2003 para 37 em 2013!

Esse é um quadro que merece reflexão. As três empresas mencionadas aqui são de economia mista, ou seja, controladas pelo governo, mas com participação de acionistas privados. Além das sociedades de economia mista, a Constituição da República permite a atuação do Estado no setor privado por intermédio de empresas públicas, nas quais o poder público detém a totalidade do capital - como a Caixa Econômica Federal e o BNDES, por exemplo.

O que justifica a atuação dessas empresas no setor privado é a presença de um interesse público, seja o de estimular a competição, seja o de explorar uma atividade considerada fundamental, ou qualquer outro tido como legítimo pela lei que autoriza sua criação. Mas elas não se confundem com o poder público. Ao contrário, a Constituição é expressa ao dizer que elas devem sujeitar-se "ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários".

Em outras palavras: as empresas estatais podem e devem cumprir a finalidade de interesse público que justifica a sua criação, mas isso em nada se confunde com administrá-las sem compromisso com a eficiência e com metas de gestão. A gastança desenfreada e a roubalheira escondem-se atrás do discurso de que o prejuízo é justificado pelo interesse público. Mas evidentemente não é.

Não é preciso inventar a roda para pôr fim ao descalabro que se instalou nas sociedades de economia mista e nas empresas públicas brasileiras. De um lado, é preciso cumprir a Constituição, e sujeitá-las aos princípios de administração responsável, eficiente e profissional que a própria Lei das Sociedades por Ações impõe aos administradores de qualquer companhia: o dever de atuar como "homem ativo e probo", "para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa". De outro, é preciso explicitar no orçamento os subsídios que beneficiem legitimamente a atuação das empresas estatais. E isso não apenas em atenção aos seus sócios e concorrentes, mas principalmente em respeito à sociedade, evitando que a farra da má administração encontre refúgio demagógico no discurso difuso do interesse social.

Como fazê-lo, concretamente? Foi aprovada, em junho de 1998, a Emenda Constitucional n,º 19, que determinava às empresas públicas e sociedades de economia mista, bem como às suas subsidiárias, que cumprissem "sua função social"; que se submetessem à "fiscalização pelo Estado e pela sociedade"; que procedessem à "licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública"; que "a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal" se desse "com a participação de acionistas minoritários"; e que a atuação de seus administradores fosse sujeita a "mandatos", "avaliação de desempenho" e "responsabilidade".

Mas claramente a realidade mostrou que é preciso ir além e criar mecanismos legais que efetivamente impeçam a exploração política das companhias públicas. O caminho é o da obrigatória profissionalização das administrações dessas empresas. É também o da contratação seguindo os padrões aplicáveis às empresas privadas e o do fortalecimento dos órgãos internos de controle, como os comitês de auditoria. É preciso, ainda, aprimorar o acompanhamento do desempenho dos administradores de todas as companhias públicas para além de aspectos formalísticos, sob o prisma das metas e dos resultados alcançados.

Há de chegar o dia, no Brasil, em que a corrupção endêmica estará no passado, lá deixada não apenas pelos votos dos eleitores inconformados, mas também pela disseminação da cultura da moralidade pública e do desempenho profissional dos agentes do Estado. Para que esse dia chegue mais rápido é preciso agir logo e implantar mecanismos destinados à repressão das aves de rapina que teimam em nos perseguir.