Título: Promessas e ameaças
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 21/06/2011, Mundo, p. 18

presidente sírio, Bashar Al-Assad, condiciona reformas políticas ao fim do caos, culpa sabotadores pela crise, denuncia conspiração e reconhece chance de mudar a Constituição. Manifestantes tomam as ruas das principais cidades do país e exigem sua renúncia imediata

Os gritos começaram a ecoar às 13h30 (7h30 em Brasília), assim que o presidente Bashar Al-Assad concluiu seu discurso. "Nenhuma negociação com o regime!" e "Abaixo a gangue de Al-Assad" eram algumas das palavras de ordem pronunciadas por 20 mil pessoas que tomaram as ruas cidade de Homs, na região central da Síria. Os protestos logo se espalharam pelo país, num sinal de que a população rejeitou as promessas de seu líder, acusado de massacrar mais de 1,5 mil manifestantes desde 15 de março.

Durante 70 minutos, Al-Assad anunciou a possibilidade de mudanças no país e fez novas ameaças. E deixou claro que não haverá reforma enquanto a nação permanecer imersa na "sabotagem" e no "caos". "O que está ocorrendo hoje nada tem a ver com reforma, tem a ver com vandalismo. Não pode haver desenvolvimento sem estabilidade, e nenhuma reforma por meio do vandalismo. Temos que isolar os sabotadores", declarou, na Universidade de Damasco. "Fazemos distinção entre aqueles (com queixas legítimas) e os sabotadores, representantes de um pequeno grupo que tenta explorar a boa vontade do povo sírio para seus fins."

Al-Assad reconheceu que a Síria vive uma etapa decisiva de sua história. "Um momento que nós queremos que seja, com nossa determinação e nossa vontade, o ponto de virada entre o ontem cheio de problemas e dor, quando sangue inocente foi derramado, e um amanhã cheio de esperança", admitiu. O chefe de Estado revelou sua determinação em buscar a justiça, mas não mencionou os opositores assassinados pelas forças de segurança. "Nós trabalharemos na perseguição e na condenação de todos aqueles que derramaram sangue ou que buscaram derramá-lo", disse, sugerindo uma conspiração internacional, motivada pela "importante posição geopolítica da Síria". "As conspirações são como germes, que se multiplicam a todo instante e em todo lugar, e não podem ser eliminados", comparou o presidente.

No meio do discurso, ao qual o Correio teve acesso, Al-Assad assegurou que a próxima etapa de seu governo será pautada pelo diálogo nacional. "A ideia básica foi lançar um diálogo nacional, no qual integrantes da política, do meio intelectual e da sociedade tomarão parte em um fórum institucional", explicou, ao revelar a fundação de um "comitê de diálogo nacional" e de uma comissão para estudar emendas constitucionais, entre elas o fim da supremacia do Partido Baath. "Uma nova lei enriquecerá a diversidade partidária e permitirá a participação de diferentes tendências na vida política", disse Al-Assad. No entanto, ele condicionou as mudanças ao "fim do caos". "O diálogo nacional pode gerar emendas à Constituição ou uma nova Constituição."

Indignação As palavras do presidente não comoveram o sírio Abu Qusai. Morador de Homs, por várias vezes ele saiu às ruas para protestar contra Al-Assad. No último dia 10, dois amigos foram capturados pelas forças de segurança ¿ presos, são submetidos a sessões de tortura. "Não tínhamos esperanças em relação ao discurso. O que esperar de alguém que passou 45 anos no poder e nada fez, além de tirania?", critica o publicitário de 28 anos, pela internet.

Qusai lembra que, nos dois primeiros discursos após o início do levante, Al-Assad jurou que não abriria fogo contra os manifestantes. "No mesmo dia, tivemos mártires em várias cidades", destaca. "Como podemos negociar com tanques, balas e tiros?", questiona o ativista, segundo o qual existem milhares de gravações em vídeo que poderiam ser usadas como provas dos assassinatos. De acordo com ele, os manifestantes jamais negociarão, a menos que o presidente renuncie. Em Homs, 20 opositores foram presos ontem, nos distritos de Al-Khaldya, Bab Al-Sbaa e Baba Amr. Protestos foram registrados nos campos de refugiados sírios na Turquia. Para conter a repressão na Síria, a União Europeia estuda novas sanções contra o regime.

Mustafa Ozer/AFP

Refugiados sírios protestam contra Al-Assad, em campo próximo à cidade turca de Al-Hatay: êxodo crescente

Hosni Mubarak estaria com câncer O advogado Farib Al-Dib revelou que o ex-presidente egípcio Hosni Mubarak tem câncer de estômago. "Os tumores se multiplicam", disse. O ex-chefe de Estado, de 83 anos, está hospitalizado na Alemanha desde 13 de abril. Ao Correio, o egípcio Mohammed Elshamy disse duvidar da notícia. "É uma tentativa de ele escapar do tribunal. Al-Dib mente", disse o opositor. Mubarak será julgado em agosto por reprimir os protestos e pela corrupção.