Título: Novos rumos para os combustíveis
Autor: Tavares, Carlos
Fonte: Correio Braziliense, 21/06/2011, Ciência, p. 22

O combustível do futuro pode sair dos laboratórios da Universidade de Brasília, onde dois projetos de pesquisa buscam novas fontes de energia em uma planta do Cerrado e no metabolismo das cabras da raça moxotó, muito comuns no Nordeste, pródigas na produção de enzimas especiais catalisadoras de etanol. O segredo do animal está no bolo alimentar. Da palmeira ¿ a rústica, abundante e quase desconhecida macaúba ¿, espera-se que se extraia de suas sementes um biodiesel de boa qualidade, com baixo custo de produção e que não polua o meio ambiente.

Os dois projetos, desenvolvidos nos institutos de Química e de Biologia da UnB, embora diferentes em termos de fontes de matéria-prima e de tipos de combustíveis, conversam por analogia e ecoam juntos aos princípios básicos da Lei da Conservação das Massas, do russo Mikhail Lomonosov, depois aprimorada por Antoine Lavoisier.

Essa lei tenta explicar, ainda no século 18, por exemplo, um dos grandes problemas com os quais o homem se defronta até os dias de hoje ¿ a poluição ambiental, compreendendo água, solo e ar. O fato de não ser possível consumir a matéria até sua aniquilação, segundo o cientista francês, implica a geração, em todas as atividades dos seres vivos, resíduos indesejáveis a quem os eliminou, mas que podem ser reincorporados ao meio, para utilização posterior.

Eis o segredo das cabras e das macaúbas, entre outras oleaginosas estudadas por pesquisadores da UnB que vêm se especializando na perseguição de alternativas baratas e não poluentes para fazer mover veículos, campos, cidades. O projeto da macaúba, comandado pelo professor Paulo Ziani Suarez, coordenador do curso de química tecnológica, motivou a Sociedade Brasileira de Química (SBQ) e a Sociedade Americana de Química (ACS) a escolher o especialista como um dos três jovens cientistas brasileiros a serem homenageados na reunião anual da SBQ.

Desde 2002, Suarez vem se dedicando ao estudo de biocombustíveis derivados de oleaginosas do Cerrado, como o pião-manso. Desta vez, o professor resolveu investir na macaúba por ser uma poderosa fonte de óleo e permitir um plantio consorciado com a agropecuária. "Ela dá 5 mil litros de óleo em um hectare, sem tirar o gado da terra", explica. Enquanto isso, extraem-se 600l de óleo, no mesmo espaço, com a soja.

Com relação ao etanol produzido com ajuda de enzimas de bactérias encontradas no bolo alimentar das cabras-moxotó brasileiras, essas funcionam como a levedura (ou catalisadores biológicos) que se acrescenta à garapa da cana-de-açúcar para fermentar o caldo e extrair o álcool combustível. Mas por que a moxotó? Quem responde é o professor Marcelo Valle de Sousa, líder do projeto que começa com o sequenciamento genético em tempo recorde (10 dias) de duas bactérias ¿ a Morella thermoacetica e a Clostridium thermocellum ¿ que contêm as enzimas com maior potencial a serem utilizadas na produção de etanol de segunda geração, a partir do bagaço de cana-de-açúcar: "As cabras dessa espécie produzem essas enzimas em quantidade superior a outras". Por sua vez, as bactérias foram escolhidas porque são campeãs na produção dessas enzimas.

Segundo Sousa, o bagaço muitas vezes não tem utilização e essas enzimas servem para degradar a celulose encontrada no bagaço. Este, ao passar por uma rodada de fermentação, produz glicose e, em seguida, etanol. "O próximo passo da pesquisa será selecionar as enzimas com maior potencial comercial e observar sua aplicação industrial. Vamos ver se é possível extrair do bagaço de cana fármacos, cosméticos, polímeros e outros materiais", explica.

Transformações O mesmo grau de abundância com que se desenvolve a macaúba, sobretudo no interior de Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás e Mato Grosso do Sul, serve para medir o das dificuldades tecnológicas encontradas por Suarez em meio aos estudos e testes de seu projeto. "O óleo de macaúba (extraído do coco) não pode ser usado do modo tradicional. Temos de transformá-lo diretamente do estado bruto em diesel", descreve o pesquisador.

O óleo bruto, que possui altas quantidades de ácido graxo livre, não pode ser usado nas atuais indústrias de biodiesel porque formaria sabão, pela reação dos ácidos ¿ encontrados em gorduras vegetais e que podem ser transformados em álcool ¿ e o catalisador. "O que fazemos é transformar os ácidos graxos livres em biodiesel pelo processo de esterificação (uma das reações químicas utilizadas para a obtenção do combustível)."

Em um artigo intitulado "O potencial da macaúba como oleífera para biocombustíveis", publicado na Revista Biodiesel/BR, o pesquisador da Embrapa Agroenergia Leonardo Bhering chama a atenção para o alto rendimento de óleo, com produtividade superior à das palmeiras dendê, buriti e pinhão-manso. Destaca ainda o elevado poder de dispersão da macaúba e a situa como uma das fontes mais promissoras de biocombustível.

"Além desse potencial, a semente da macaúba (o coco) pode ser aproveitada como ração para o gado", diz Paulo Suarez. O projeto liderado pelo professor está em vias de chegar à planta-piloto patenteada. Faltava encontrar um catalisador ideal para a produção do biodiesel. A solução já foi encontrada e é guardada a sete chaves pelo pesquisador.

Os dois projetos de pesquisa da UnB precisam de apoio institucional e da participação da iniciativa empresarial para se tornarem realidade. A professora Eliane Noronha, que trabalhou com o colega Ricardo Kruger no sequenciamento do genoma das bactérias, afirma que todas as técnicas conhecidas para localizar enzimas não são econômicas o suficiente para serem usadas na indústria. "Quando a enzima for descoberta, poderá ser empregada na produção de etanol de primeira e de segunda gerações, o que seria muito mais econômico para as empresas", diz. "As enzimas podem ser usadas em vários biomateriais que contêm celulose e assim poderemos transformar o que é lixo em utilidade", define Marcelo, fazendo vibrar outra vez as palavras de Lavoisier.

Tesouros do campo O biodiesel é um combustível biodegradável e derivado de fontes renováveis, que pode ser obtido por diferentes processos, tais como o craqueamento (quebra de moléculas pela ação do calor), a esterificação e a transesterificação (um dos processos mais utilizados). Pode ser produzido a partir de gorduras animais ou de óleos vegetais, existindo dezenas de espécies vegetais no Brasil que podem ser utilizadas como fontes de biocombustível, tais como soja, dendê, girassol, babaçu, amendoim, pinhão-manso e mamona, entre outras.